Como classificar (alocar) os descontos de duplicatas nas demonstrações contábeis?

Como classificar (alocar) os descontos de duplicatas nas demonstrações contábeis?

8 minutos de leitura

Embora as operações descontos de duplicatas (ou de outros títulos) sejam simples, existem equívocos de classificações contábeis com os quais nos deparamos em nosso dia a dia.

Dessa maneira, veremos neste artigo o conceito de um desconto de duplicatas, suas modalidades e, consequentemente, sua correta classificação contábil, com base no Pronunciamento Técnico CPC 48 – Instrumentos Financeiros.

Conceito de uma operação de descontos de duplicatas

Para entendermos os descontos de duplicatas, imagine uma empresa com dificuldade em seu capital de giro. Provavelmente, diante dessa circunstância, a empresa, visando ao suprimento de capital de giro, efetuará um desconto de duplicatas em instituições financeiras ou entidades semelhantes, tal como, uma empresa factoring, como exemplo.

Dito de outra forma, o desconto de duplicatas serve como uma antecipação de recursos, no qual a instituição financeira irá antecipar o valor de um título e cobrará juros e taxas.

Para fins didáticos, podemos dizer que existem duas modalidades de descontos de títulos: desconto com o direito de regresso; e desconto sem o direito de regresso, as quais explicamos a seguir:

Desconto com o direito de regresso:

Essa modalidade funciona da seguinte forma:

A empresa que ofereceu o seu título tem total responsabilidade de que, caso o desconto não seja pago pelo cedente, o banco tem liberdade irrestrita em cobrar pela regressão ao título, ou seja, caso os títulos não sejam pagos pelo sacado no prazo acordado, a empresa que descontou os títulos é obrigada a reembolsar o banco pelo valor de face dos títulos, acrescido de novos encargos financeiros.

Portanto, ocorre que enquanto os títulos não forem quitados, a empresa tem uma obrigação para com o banco, o chamado “direito de regresso”.

A essência econômica da transação configura-se numa operação de financiamento. As duplicatas acabam funcionando, de fato, como garantia da operação de financiamento!

Contabilmente, nessa modalidade o controle, os riscos e os benefícios do ativo (contas a receber) estão com a empresa que ofereceu o seu título para a instituição financeira (cessionária).

Desconto sem o direito de regresso:

Essa modalidade funciona da seguinte forma:

A empresa (cedente) desconta os títulos e, caso o sacado não pague o título, o banco cobrará diretamente o sacado pelo título vencido e não pago.

Nessa modalidade existem as transferências do controle e de todos os riscos e benefícios para a instituição financeira (cessionário).

Na prática, percebemos que as empresas (cedentes dos títulos) se preocupam quando os bancos cobram os sacados e, inclusive, os bancos podem protestar dos títulos vencidos e não pagos.

É nesse momento que a relação comercial da empresa cedente do título (vendedora) com o sacado (empresa compradora) pode abalar-se. Muitas empresas evitam utilizar essa modalidade, ou quando formalmente usam, na prática, a empresa cedente acaba quitando a operação com o banco, tornando-se uma operação em sua essência de “desconto com o direito de regresso”.

Nesse sentido, em linha com o Pronunciamento Técnico CPC 48 – Instrumentos Financeiros, na decisão sobre a baixa das contas a receber, a empresa deve considerar:

  • se o controle sobre os recebíveis cedidos remanesce com a empresa;
  • se a empresa retém algum direito em relação aos recebíveis cedidos (juros, mora e/ou multas, parcela do próprio fluxo de caixa);
  • se a empresa retém os riscos e responsabilidades sobre os créditos cedidos; ou
  • se, na essência ou habitualidade, a empresa fornece garantias às instituições financeiras em relação aos recebimentos dos títulos esperados, mesmo que informalmente.

Caso alguma resposta acima for “sim”, provavelmente estamos diante de um desconto de título com o direito de regresso; e a essência da operação deve prevalecer sobre a forma.

Uma vez que vimos o conceito de duplicatas descontadas e as modalidades, partiremos para os tratamentos contábeis, ou seja, a classificação dos descontos de duplicatas nas demonstrações contábeis.

Tratamento contábil dos descontos de duplicatas

Onde classificamos (alocamos) adequadamente os descontos de duplicatas no balanço patrimonial?

Certamente teríamos aqui diversas respostas: no ativo; no passivo; ou no ativo e no passivo concomitantemente.

Mas qual a resposta correta com base nos pronunciamentos contábeis emitidos pelo CPC?

Compete aqui um parêntese, pois, infelizmente, nos deparamos com classificações errôneas de desconto de duplicatas. Ou seja, algumas empresas efetuam desconto de duplicatas em uma instituição financeira e efetuam os seguintes registros contábeis errôneos:

  • as duplicatas descontadas são registradas como redutoras do ativo de duplicatas a receber (ou redutora de clientes a receber);
  • as despesas bancárias e os juros a transcorrer, entre a data do desconto e a data do vencimento das duplicatas que o banco “desconta” no ato da transação, são considerados despesas antecipadas e classificados no ativo.

Isso posto, com base no Pronunciamento Técnico CPC 48 – Instrumentos Financeiros, seguem os tratamentos contábeis dos títulos descontados.

Desconto de títulos, com o direito de regresso:

Conforme vimos, a essência econômica da transação do desconto de duplicatas com o direito de regresso trata-se numa operação de financiamento, na qual as duplicatas acabam funcionando como garantia da operação de financiamento. A empresa contrai um financiamento e oferece (ao banco) como garantia as duplicatas. Portanto, o desconto de duplicata é um passivo financeiro e deve ser registrado com tal (financiamento bancário).

Exemplo prático:

Suponhamos que uma empresa desconte antecipadamente títulos a receber no valor de $ 10.000, cujo desconto por um banco foi de 90 dias antes de seu vencimento. A empresa recebeu pela antecipação do título $ 9.000 e o restante, $ 1.000, foi retido pelo banco, a título de despesas bancárias e juros.

Os registros contábeis (na modalidade de desconto de títulos, com o direito de regresso) são:

Pelo desconto do título ao banco e o recebimento líquido:

Descrição da conta

Rubrica Débito

Crédito

D  Caixa e equivalentes de caixa Ativo 9.000
C  Duplicatas descontadas – financiamento Passivo 10.000
D  Encargos financeiros a transcorrer Redutora do passivo 1.000
10.000 10.000

Pela apropriação (mensal) dos encargos financeiros incorridos:

Descrição da conta

Rubrica Débito

Crédito

D  Despesas financeiras Resultado – DRE 1.000
C  Encargos financeiros a transcorrer Redutora do passivo 1.000
1.000 1.000

O lançamento acima deve ser efetuado mensalmente, durante o prazo de vigência do financiamento (90 dias). Para fins didáticos, efetuamos um lançamento global.

Pela liquidação do título pelo cliente:

Descrição da conta

Rubrica Débito

Crédito

D  Duplicatas descontadas Passivo 10.000
C  Contas a receber Ativo 10.000
10.000 10.000

Caso o cliente não efetue o pagamento, o banco cobrará a dívida da própria empresa.

Desconto de títulos, sem o direito de regresso:

Na contabilização de desconto de títulos, sem o direito de regresso, ou seja, quando existem as transferências do controle, dos riscos e dos benefícios do ativo ao banco, o ativo de contas a receber será baixado e, concomitantemente, a empresa deve registrar os encargos financeiros da operação (despesas bancárias e juros).

Descrição da conta

Rubrica Débito

Crédito

D  Caixa e equivalentes de caixa Ativo 9.000
C  Contas a receber Ativo 10.000
D  Despesas financeiras Resultado – DRE 1.000
10.000 10.000

Perceba que a empresa não tem mais o controle, os riscos e benefícios sobre o ativo, pois, transferiu-os para o banco e, portanto, o ativo de contas a receber deve ser baixado.

Resumindo, as classificações adequadas dos descontos de duplicatas são:

  • os títulos descontados com o direito de regresso são classificados no passivo (financiamento bancário); e os encargos financeiros cobrados pelo banco devem ser classificados no balanço como redução do passivo correspondente na conta “encargos financeiros a transcorrer”;
  • os títulos descontados sem o direito de regresso são baixados do balanço patrimonial da empresa.

Consequentemente, não devem existir descontos de títulos classificados no ativo da empresa!

Antes de concluirmos, abrimos outro parêntese e recomendamos a leitura de nosso artigo sobre operações de Forfait, que representam uma evolução do desconto de duplicatas, cujos conceitos contábeis explanados acima são aplicáveis nas respectivas operações.

Conclusão

Vimos os conceitos e os tratamentos contábeis aplicados em uma operação de desconto de duplicatas.

Com relação à essência da operação, devemos assegurar se a empresa contraiu um financiamento de capital de giro e, nesse caso, se os títulos funcionaram como garantia da operação (títulos descontados com o direito de regresso); ou se a empresa descontou os títulos e transferiu o controle, os riscos e os benefícios do ativo ao banco (os títulos descontados sem o direito de regresso).

O entendimento dos conceitos e a análise da essência da operação é um fator preponderante para a adequada classificação e apresentação das demonstrações contábeis.

Não podemos esquecer que o entendimento das normas internacionais de contabilidade (IFRS) é um conhecimento basilar para o profissional da contabilidade, a fim de que as demonstrações contábeis sejam mensuradas, apresentadas e divulgadas adequadamente para os usuários, ou seja, para os administradores, investidores, credores, acionistas, órgãos reguladores, governo etc.

A equipe do Grupo BLB é especialista nas aplicações das IFRS, com experiências práticas em diversos clientes, oferecendo todo suporte necessário para adaptação as normas IFRS e nas áreas de auditoria independente; consultorias tributária, societária e patrimonial e de finanças e M&A.

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Remerson Galindo de Souza
Sócio-gerente de Auditoria
BLB Auditores e Consultores

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