Desde o início da pandemia, o governo federal vem adotando medidas para movimentar a economia, reduzir os impactos da pandemia e frear a inflação nacional. Olhando para o mercado, é possível perceber que determinados produtos têm impacto direto na vida dos brasileiros, como é o caso dos combustíveis, cuja variação de preço reflete no valor de toda a cadeia produtiva até o consumidor.
Dada a importância desse item, na seara dos tributos federais, surgiram várias medidas visando à diminuição do preço, como a redução da carga tributária do PIS e da Cofins sobre etanol, gasolina, diesel e biodiesel por meio das Leis Complementares 192 e 194/2022.
No âmbito do ICMS (competência dos estados), o governo federal também legislou no mesmo sentido, propondo alterações significantes ao estabelecer limites de tributação sobre os combustíveis e a energia elétrica, oferecendo compensações pela redução aderida. Para o setor sucroenergético, além dos benefícios citados, teve mais uma benesse financeiro-fiscal por meio da concessão de crédito outorgado (ou crédito presumido), gerando fluxo de caixa para os contribuintes que receberem esse benefício.
Levando em consideração a relevância que o crédito outorgado de ICMS representará para o setor sucroenergético, neste artigo abordaremos os reflexos tributários que o reconhecimento do crédito outorgado sofrerá nessas companhias.
Do crédito outorgado de ICMS para produtores e distribuidores de etanol
O governo federal, por meio da Emenda Constitucional 123/2022, estabeleceu medidas para atenuar os efeitos do estado de emergência devido à elevação extraordinária e imprevisível dos preços de petróleo, de combustíveis e dos impactos sociais dela decorrentes.
Dentre as medidas criadas, encontra-se descrito, no inciso V do artigo 5º da Emenda Constitucional supracitada, o repasse na forma de auxílio financeiro de até R$ 3,8 bilhões aos estados e ao Distrito Federal, para que esses, por sua vez, outorguem créditos tributários pertinentes ao ICMS destinados aos produtores e aos distribuidores de etanol hidratado sediados em seus territórios. Com isso, torna-se possível reduzir a carga tributária da cadeia produtiva do etanol hidratado, de modo a manter um diferencial competitivo em relação à gasolina (inciso II do §5 do art. 5º da EC123/2022)
Após aferir a distribuição de consumo de etanol pelo país e com a edição do Convênio ICMS 116/2022, a divisão do auxílio foi segregada entre os estados da Federação da seguinte maneira:
UF | CONSUMO 2021 (L) ¹ | % S/ TOT | Auxílio Financeiro (R$) |
SP | 8.475.280.623 | 50,47% | 1.917.974.800,78 |
MG | 2.343.843.163 | 13,96% | 530.416.905,77 |
GO | 1.474.364.281 | 8,78% | 333.651.906,52 |
PR | 1.011.562.769 | 6,02% | 228.918.897,99 |
MT | 846.525.030 | 5,04% | 191.570.491,64 |
RJ | 642.641.597 | 3,83% | 145.431.218,60 |
BA | 469.144.871 | 2,79% | 106.168.524,74 |
PE | 250.897.195 | 1,49% | 56.778.591,65 |
MS | 178.863.461 | 1,07% | 40.477.197,89 |
CE | 137.584.461 | 0,82% | 31.135.668,65 |
PB | 137.377.541 | 0,82% | 31.088.842,19 |
AM | 130.812.706 | 0,78% | 29.603.205,47 |
DF | 115.540.937 | 0,69% | 26.147.170,28 |
PI | 84.391.579 | 0,50% | 19.098.001,48 |
RN | 76.949.999 | 0,46% | 17.413.955,43 |
AL | 71.585.953 | 0,43% | 16.200.059,92 |
SC | 64.457.396 | 0,38% | 14.586.851,66 |
MA | 54.917.887 | 0,33% | 12.428.039,62 |
ES | 54.762.107 | 0,33% | 12.392.786,26 |
PA | 45.220.352 | 0,27% | 10.233.465,94 |
SE | 36.890.184 | 0,22% | 8.348.330,45 |
RS | 34.293.309 | 0,20% | 7.760.651,88 |
TO | 31.372.708 | 0,19% | 7.099.713,40 |
RO | 12.567.017 | 0,07% | 2.843.943,82 |
AC | 6.970.538 | 0,04% | 1.577.448,21 |
RR | 2.564.148 | 0,02% | 580.272,38 |
AP | 322.831 | 0,00% | 73.057,37 |
TOTAIS | 16.791.704.643 | 100,00% | 3.800.000.000,00 |
Isso posto, cabe a cada estado disciplinar a metodologia a ser utilizada para a apuração e a apropriação desse montante outrora repassado pela União.
Levando em consideração os dois estados mais beneficiados, em São Paulo já foi determinado que o crédito outorgado será lançado na apuração do ICMS nos meses de agosto e setembro de 2022. Assim, os contribuintes beneficiados devem aplicar o percentual de 1,26% (um inteiro e vinte e seis centésimos por cento) ao valor adicionado decorrente de suas operações internas com etanol hidratado combustível promovidas no período de 1° agosto de 2021 a 31 de julho de 2022, conforme preconizam a Resolução SFP 60/2022, a Portaria SRE 76/2022 e o Decreto 67.121/2022.
Já em Minas Gerais, o valor financeiro do crédito outorgado de ICMS será escriturado mensalmente pelo estabelecimento credenciado da usina produtora de etanol hidratado, após a comunicação de liberação da respectiva parcela pela Diretoria de Gestão Fiscal ligada à Superintendência de Fiscalização Mineira (DGF/SUFIS). Aqui tem um detalhe importante: o crédito outorgado, além de abater os débitos de ICMS ou a dívida ativa, também poderá ser transferido a terceiros na modalidade de crédito acumulado. Outras disposições estão descritas no Decreto nº 48.497/2022 e na Portaria SUFIS nº 156/22 de MG.
Independentemente de como os estados regulam internamente esse benefício, o importante é vislumbrar que o crédito outorgado de ICMS recebido pelos estados reduz o valor do ICMS da operação, gerando fôlego para o fluxo de caixa do setor, ou, inclusive, servindo de moeda de troca, como no caso do crédito acumulado. Acerca do ICMS, não há dúvidas de que o benefício contribuirá para o segmento e, consequentemente, diminuirá o preço do etanol ao consumidor.
Outros reflexos tributários – IRPJ, CSLL, PIS e Cofins
Considerando que o setor sucroenergético, via de regra, se enquadra no regime não-cumulativo do PIS, da Cofins e do Lucro Real para IRPJ e CSLL, além do auxílio financeiro-fiscal inegável destinado aos produtores e aos distribuidores beneficiados, temos que o recebimento do crédito outorgado gera impacto direto nesses tributos. Em linhas gerais, o benefício será reconhecido como crédito no resultado e, consequentemente, aumentará o lucro e a base de cálculo de IRPJ/CSLL.
A mesma linha de raciocínio se aplica ao PIS e à Cofins, dito que o ingresso de recurso se sujeita ao fato gerador dessas contribuições. Eis, aqui, o principal ponto de debate sobre a tributação do crédito outorgado.
Apesar de as premissas adotadas acima serem verdadeiras, essas são as regras gerais, sendo que o crédito outorgado tem características que as excepcionam. Sendo assim, a seguir analisaremos quais são essas características e os pontos controversos sobre o tema.
Crédito outorgado sob a ótica de subvenção
Antes de entrar na natureza da receita do crédito outorgado, insta abordar o contexto sobre as subvenções a fim de trazer uma melhor conclusão sobre o tema. Desse modo, a priori, subvenção é sinônimo de ajuda, subsídio ou incentivo concedido pelo poder público a determinada pessoa. Ramificando esse conceito, na seara contábil/tributária temos dois tipos de subvenção: a de custeio e a de investimento.
De maneira sucinta, as subvenções para custeios são os benefícios concedidos com a finalidade de subsidiar determinada operação, sem que a empresa preste uma contraprestação pelo valor recebido. Por outro lado, a subvenção para investimento segue o mesmo critério, contudo, a empresa subvencionada deve prestar uma contrapartida em sentido latu, visando à expansão do empreendimento econômico.
Em questão tributária, existe um precipício que separa esses dois tipos de subvenção, visto que a para custeio é tributada de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, enquanto a para investimento não.
O contexto acerca de qual tipo de subvenção o crédito outorgado se enquadraria poderia ser o grande objeto desta discussão. Contudo, a Lei Complementar 160/2017 cuidou de resolver esse assunto ao dispor que:
“Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos pelos estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstas neste artigo.”
(Lei Complementar 160/2017)
Ou seja, ainda que no mundo real o crédito outorgado em tela reúna características de subvenção para custeio, o legislador equiparou os benefícios de ICMS ao conceito de subvenção para investimento.
A disposição transcrita faz parte das alterações que a LC 160/2017 trouxe na Lei 12.973/2017 e, entre outras disposições trazidas, vale frisar as principais condições para que o benefício fiscal configure como subvenção para investimento:
Primeira: que o benefício seja concedido no âmbito do CONFAZ ou regularizado pelos estados mediante registro e depósito no CONFAZ, conforme determina o art. 10 da Lei complementar 160/17 e Convênio ICMS 190/17.
Segunda: que o montante de receita subvencionada seja registrado em reserva de lucro e utilizado para aumento de capital, ou absorção de prejuízos. Tal assunto encontra-se disciplinado no artigo 30 da Lei 12.973/2014.
Em detrimento à primeira condição, aludimos que o Convênio ICMS 116/2022, concedido em âmbito do CONFAZ, cumpre esse requisito, inclusive sem deixar dúvida, pois foram observados os dispostos da LC 24/75 que regula a concessão de benefícios fiscais de ICMS.
Em relação à constituição da reserva de lucro, tal item visa que a empresa beneficiária não distribua a parcela dos lucros subvencionada aos sócios, por isso a obrigatoriedade de se manter a reserva preservada no patrimônio líquido. Caso a empresa distribua aos sócios ou dê destinação diversa aos lucros subvencionados, deverá oferecê-los à tributação do IRPJ/CSLL.
Assim, nesse primeiro plano concluímos que o crédito outorgado concedido pela EC 123/2022 se enquadra como subvenção para investimento, sendo dispensado da tributação do IRPJ/CSLL, nos termos do art. 30 da Lei 12.973/2014, como também não integra a base de PIS e Cofins, conforme determina o art. 1º, § 3º da Lei nº 10.637/2002 e art. 1º, § 3º da Lei nº 10.833/2003.
Não obstante, mesmo sendo cristalino o disposto em Lei, não poderíamos deixar de citar a controvérsia criada por parte da administração fiscalizadora, a qual discutiremos seguir.
Controvérsia sobre o enquadramento dos benefícios fiscais como subvenção para investimento
A Secretaria da Receita Federal (RFB), por meio da Coordenação Geral de Tributação (Cosit), responsável por emanar entendimentos e interpretações normativas aos contribuintes federais, inovou ao analisar a LC 160/2017 em relação aos requisitos necessários.
Historicamente, em março de 2020, foi publicada a Solução de Consulta Cosit nº 11 reconhecendo o direito dos contribuintes de enquadrar os benefícios fiscais como subvenção para investimento. Após este feito veio a inovação do seu entendimento por meio da Solução de Consulta Cosit nº 145, publicada no final de 2020, atribuindo um novo requisito não previsto em lei, cuja ementa segue abaixo:
“INCENTIVOS FISCAIS. INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS OU FINANCEIROS-FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. REQUISITOS E CONDIÇÕES.
A partir da Lei Complementar nº 160, de 2017, os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos por estados e Distrito Federal e considerados subvenções para investimento por força do § 4º do art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, poderão deixar de ser computados na determinação do lucro real desde que observados os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.”
(Solução de Consulta Cosit nº 145/2020)
Traduzindo a Consulta transcrita, para a administração fazendária, ainda que a LC 160/2017 tenha equiparado os benefícios fiscais de ICMS à subvenção para investimento, torna-se necessário analisar a intenção na qual o benefício foi concedido.
O crédito outorgado, objeto deste artigo, cai no mesmo imbróglio, visto que o Convênio ICMS 116/2016 não destaca que a concessão foi direcionada com o intuito de estimular a expansão econômica (requisito arbitrário criado pelo Fisco). Indo além, o Fisco poderia arguir que o benefício foi concedido em caráter de emergência decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, conforme previsto nas disposições transitórias da nossa Constituição Federal (art. 120 da ADCT).
Portanto, dado o contexto sobre o crédito outorgado de ICMS concedido pelo governo federal, é fato afirmar que ele possui toda roupagem para se equiparar à subvenção para investimento, contudo, o critério utilizado pelo órgão fiscalizador gera desconforto aos contribuintes diante de uma possível autuação fiscal.
Nesse sentido, resta aos contribuintes avaliar como tratar a tributação do crédito outorgado, devendo, basicamente, decidir:
(i) pela não tributação do valor recebido, simplesmente desprezando o entendimento controvertido da fiscalização e, se acaso ocorrer algum questionamento, se defender; ou
(ii) agir preventivamente mediante a adoção de mandado de segurança preventivo, podendo depositar o valor controverso dos tributos (IRPJ, CSLL, PIS e Cofins), ou, em maior extensão, deixar de pagá-los, porém estando amparado por medida liminar, cuja jurisprudência se dá em nível de tribunais administrativos e judiciários, inclusive de instância superior. Tal possibilidade tem se consolidado cada vez mais a favor dos contribuintes.
Crédito outorgado de ICMS sob a ótica do pacto federativo
Como é possível perceber, o assunto sobre tributação de benefícios fiscais é árido e seria necessário muito mais do que um artigo para cercar todos os pontos. Mas não podemos deixar de citar que a discussão do crédito outorgado já foi objeto de análise do STJ, por meio do EREsp nº 1.517.492/PR, e que tal decisão gerou importante precedente sobre o tema.
Sintetizando o julgado, o Superior Tribunal entendeu que benefícios de ICMS de crédito presumido sequer se enquadram no conceito de Receita Bruta Operacional para fins contábeis/fiscais, mas sim, na renúncia de arrecadação por parte do estado. Ainda, o principal argumento para desclassificar a tributação sobre o crédito presumido é que, havendo tributação pelo ente federal, o benefício concedido pelo governo seria mitigado, afrontando o princípio do pacto federativo que os estados devem cumprir.
A fim de melhor elucidar tal explicação, a tese consolidada pelo STJ diz que o estado não pode conceder algo e a União se beneficiar de tal outorga, pois ao reduzir o custo com ICMS, o lucro e a base de cálculo do IRPJ/CSLL aumentam.
A grande diferença entre enquadrar o benefício de ICMS como subvenção para investimento ou como renúncia de arrecadação do estado é que, neste último, além de não oferecer à tributação, o contribuinte tem o direito de movimentar o lucro líquido, sem travá-lo na reserva de incentivo fiscal, ou seja, pode colocá-lo no bolso dos acionistas.
No crédito outorgado em questão, temos uma situação semelhante, pois, embora os estados indiretamente não tenham renunciado a receita (visto que a União irá reembolsá-los nos termos do art. 5º, V da EC 123/2022 e do §4 do Convênio de ICMS 116/2022), trata-se de dois momentos distintos, ocorrendo primeiro a renúncia de arrecadação pelo estado por meio do crédito outorgado e, depois, o ingresso do auxílio pela União (inciso VII, §5, art. 5º da EC123/2022).
Ainda, seria até incongruente o governo federal pleitear que os estados concedam crédito outorgado para o segmento sucroenergético e, posteriormente, cobrar dos contribuintes 34% (carga do IR/CS) sobre o valor recebido.
Assim, ao nosso ver, está clara a possibilidade de adotar o mesmo conceito aplicado pelo STJ aos benefícios fiscais concedidos pelo governo federal para reduzir o preço do etanol. Obviamente, por ser um assunto controverso, recomendamos também a adoção de medida judicial competente.
Conclusão
Neste artigo abordamos brevemente o contexto que gerou a concessão do crédito outorgado de ICMS para os produtores e distribuidores de etanol hidratado. Assim, conforme exposto acima, a medida do governo federal traz redução da carga tributária no âmbito do ICMS.
Em relação aos tributos federais explorados neste artigo, dados os cumprimentos dos requisitos do art. 30 da Lei 12.973/2014, é possível reconhecer o benefício fiscal como subvenção para investimento, dispensando a receita da tributação. Apesar do direito previsto em lei, recomenda-se cautela com o Fisco sobre o assunto, diante das decisões administrativas do órgão fiscalizador.
Por fim, é perfeitamente possível elevar a discussão sobre a tributação do crédito outorgado para a não tributação e a movimentação livre da reserva de lucros, baseando-se na jurisprudência do tema, de modo que o contribuinte deve adotar medida judicial competente para obter esse direito.
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