Parcelamentos tributários e sua revisão à luz do Tema Repetitivo 375

Parcelamentos tributários e sua revisão à luz do Tema Repetitivo 375

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Em um contexto no qual as obrigações tributárias são consideravelmente complexas e oneram de forma significativa as atividades empresariais, os parcelamentos se revelam como um meio importante (e muito utilizado) para a manutenção da regularidade fiscal. Os parcelamentos tributários são relevantes não só para a regularização de empresas que buscam sanar suas pendências fiscais, mas também para o próprio Estado, que utiliza esse instrumento para reduzir o inadimplemento e, consequentemente, aumentar sua arrecadação.

Não é por acaso que, geralmente, cada ente federado propõe continuamente uma modalidade de parcelamento tributário. Além disso, é frequente, ainda, o lançamento de editais específicos de parcelamentos incentivados, com a redução de multas, juros e outros possíveis encargos que recaem sobre as dívidas fiscais.

De fato, os parcelamentos podem levar à suspensão da exigibilidade tributária, nos termos do inciso VI do artigo 151 do Código Tributário Nacional. Por esse motivo, a adesão do contribuinte é condicionada ao cumprimento de algumas condições, entre as quais se destaca, invariavelmente, a exigência de que haja confissão irretratável da dívida, com consequente renúncia a quaisquer questionamentos administrativos ou judiciais.

Não são raras as vezes em que essa circunstância ocasiona o pagamento de tributos indevidos, prejudicando os contribuintes que, por temerem os efeitos da inadimplência fiscal, confessam dívidas questionáveis para aderir a parcelamentos visando suspender a exigibilidade do débito tributário.

Como se sabe, muitas organizações dependem de certidões negativas de débitos tributários (ou certidões positivas com efeitos de negativa) para exercer suas atividades. No que diz respeito à viabilização desse documento, a suspensão da exigibilidade via parcelamento se mostra mais célere e eficaz quando comparada ao questionamento judicial da dívida. Em vista disso, para não perder negócios e oportunidades disponibilizadas pelo mercado, é bastante comum o parcelamento de valores tributários, mesmo que sejam indevidos ou, ao menos, questionáveis.

Sempre resta, porém, o seguinte questionamento: a confissão da dívida tributária visando ao parcelamento realmente impossibilita a revisão dos valores correspondentes, ainda que eles sejam abusivos ou indevidos? Continue lendo o presente artigo e descubra o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre esse tema.

A revisão de parcelamentos tributários

A possiblidade de revisão de parcelamentos tributários, embora tenha sido controversa durante algum tempo, foi pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça em favor dos contribuintes, por meio da tese fixada a respeito do Tema Repetitivo nº 375, a qual estabelece o seguinte:

A confissão da dívida não inibe o questionamento judicial da obrigação tributária, no que se refere aos seus aspectos jurídicos. Quanto aos aspectos fáticos sobre os quais incide a norma tributária, a regra é que não se pode rever judicialmente a confissão de dívida efetuada com o escopo de obter parcelamento de débitos tributários. No entanto, como na situação presente, a matéria de fato constante de confissão de dívida pode ser invalidada quando ocorre defeito causador de nulidade do ato jurídico (v.g. erro, dolo, simulação e fraude).

A tese redigida acima foi fixada a partir do julgamento do REsp nº 1.133.027/SP, no qual foi discutida a possiblidade de serem restituídos os valores de Imposto Sobre Serviços (ISS) calculados para além do fato gerador, mas parcelados pelo contribuinte. No caso, tratava-se de uma sociedade de advogados que pagou, via parcelamento, valores indevidos do referido imposto municipal em razão de ter, por engano, incluído estagiários em sua Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).

O responsável pelo voto que norteou a tese fixada a respeito do Tema Repetitivo nº 375 foi o ministro Mauro Campbell Marques. Suas ponderações não deixam dúvidas de que a confissão de dívida feita para fins de parcelamento tributário não é absoluta, sendo legítimo o questionamento judicial dos valores em algumas circunstâncias.

Como se depreende da própria tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça, o ministro Marques reconheceu a possiblidade de revisão de parcelamentos tributários quando houver defeitos que causem a nulidade do ato jurídico, tais como: erro, dolo, simulação e fraude. Segundo ele, seria inadmissível a “possibilidade de perpetrar-se situação onde o tributo é exigido comprovadamente para além de seu fato gerador”, mesmo tendo o contribuinte optado por parcelar os respectivos valores.

Para sustentar seu posicionamento, o referido ministro buscou amparo no inciso IV do artigo 149 do Código Tributário Nacional, segundo o qual é dever da autoridade administrativa revisar de ofício (isto é, por conta própria, independentemente de requerimentos) os lançamentos “quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória”:

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

[…]

IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;

[…]

VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;

Ao analisar o supracitado dispositivo nos autos do REsp nº 1.133.027/SP, o ministro Mauro Campbell Marques fez constar em seu voto que a revisão estabelecida pelo Código Tributário Nacional deve ocorrer mesmo que resulte em redução dos valores devidos ao Fisco, pois “o contribuinte tem o direito de retificar e ver retificada pelo Fisco a informação fornecida com erro de fato”:

Do quadro legislativo apresentado temos que a Administração Tributária tem o poder/dever de revisar de ofício o lançamento quando se comprove erro quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória (art. 145, III, c/c art. 149, IV, do CTN). É a chamada revisão por erro de fato.

Trata-se de uma imposição legal, de um ato vinculado, de um poder/dever, de modo que a revisão deve ser feita também nos casos em que dela resultar efeitos benéficos para o administrado, com a redução do tributo devido. Isto é, o contribuinte tem o direito de retificar e ver retificada pelo Fisco a informação fornecida com erro de fato, quando dessa retificação resultar a redução do tributo devido.

Conclui-se, portanto, que o contribuinte tem direito de obter a revisão de parcelamentos, ou mesmo a repetição de eventuais indébitos, quando aspectos jurídicos da dívida forem questionáveis, ou quando se estiver diante de defeito causador de nulidade de ato jurídico, como erro, dolo, simulação e fraude.

O voto do ministro Marques destaca-se ao enfatizar que erros nas apurações dos tributos, como ocorreu no caso do ISS discutido nos autos do REsp nº 1.133.027/SP, também são passíveis de viabilizar a rediscussão de valores parcelados. O ministro argumentou que é descabido e antijurídico que um contribuinte arque com obrigações fiscais que ultrapassam os fatos geradores por ele praticados.

Esse raciocínio é válido não apenas porque se baseia na tese do Tema Repetitivo nº 375 e nas previsões do inciso IV do artigo 149 do Código Tributário Nacional, mas também porque o contrário representaria um evidente enriquecimento ilícito do Estado. E isso violaria totalmente o princípio da moralidade estabelecido no artigo 37 da Constituição Federal.

Como se sabe, é por conta do princípio da moralidade que a vedação ao enriquecimento ilícito encontra lugar de prestígio na comunidade jurídico-tributária. Ela figura como fundamento de dispositivos como o artigo 165 do Código Tributário Nacional, que prevê a restituição de tributos em caso de pagamento espontâneo maior que o devido, seja em face “da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido”:

Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

Nesse sentido, renomados juristas ensinam que, independentemente do motivo pelo qual houve uma tributação a maior, ela deve ser revertida (seja por repetição de indébito, seja mediante revisão de valores parcelados), a fim de que não se perpetue o enriquecimento ilícito do Fisco:

A obrigação tributária é ex lege. Nela não prospera o brocardo do Direito Privado segundo o qual quem paga mal paga duas vezes, nem se precisa comprovar a justeza do erro (em termos subjetivos).

Seja o erro de direito, seja de fato, o tributo pago indevidamente comporta restituição (ou compensação com futuros recolhimentos). Entenda-se erro de direito como aquele decorrente de equívoco sobre a existência, interpretação ou aplicação da norma jurídica. Lado outro, erro de fato é o equívoco acerca de circunstância material, não se referindo direta e necessariamente com a norma jurídica. (COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020).

Quanto à questão de os parcelamentos serem concedidos mediante confissão irretratável do débito tributário, com consequente renúncia a discussões administrativas ou judiciais, o ministro Mauro Campbell Marques foi assertivo ao sustentar que o ato confessional do contribuinte não convalida créditos tributários inexistentes, como aqueles calculados para além do respectivo fato gerador:

Nem se diga que a posterior confissão por parte do contribuinte teria convalidado os autos de infração lavrados ou constituído novamente o crédito tributário sem vício algum. Efetivamente, a confissão de dívida para fins de parcelamento não tem efeitos absolutos, não podendo reavivar crédito tributário já extinto ou fazer nascer crédito tributário de forma discrepante de seu fato gerador.

Ora, é expresso, portanto, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que a confissão de dívida para fins de parcelamento não tem o condão de “fazer nascer crédito tributário de forma discrepante de seu fato gerador”. Isso legitima a pretensão revisional ou restituitória de contribuintes que, para evitar os problemas causados pela irregularidade fiscal, confessaram dever tributos inexistentes ou a maior para suspender exigibilidades, conforme prevê o inciso VI do artigo 151 do Código Tributário Nacional.

É importante destacar, ainda, que a fundamentação adotada pelo ministro Marques nos autos do REsp nº 1.133.027/SP é robusta. Ela está embasada não só em seu senso de justiça e rejeição ao enriquecimento ilícito estatal, mas também no posicionamento de juristas relevantes para o direito tributário, conforme consta em trechos do seu voto:

A melhor doutrina não destoa do posicionamento que ora adoto, admitindo que o erro de fato é vício apto a ensejar a invalidade da confissão, porque não pode criar obrigação tributária para além do fato gerador efetivamente ocorrido.

Cito, para exemplo, os dizeres de Hugo de Brito Machado (in, “Confissão Irretratável de Dívida Tributários nos Pedidos de Parcelamento”. RDDT n. 145, out/07, p. 47):

“[…] a confissão pertine ao fato, enquanto situado no mundo dos fatos, sem qualquer preocupação, daquele que faz a confissão, com o significado jurídico do fato confessado, vale dizer, com o efeito da incidência da regra jurídica. Daí por que a confissão pode ser revogada se houve erro de fato, isto é, erro quanto a fato confessado, mas não por ter havido erro de direito […]”.

Por fim, a parte final do voto proferido pelo ministro também merece destaque: “em homenagem ao princípio da verdade material e, por vislumbrar na hipótese a existência de defeito causador de nulidade do ato jurídico – qual seja: erro de fato, entendo que a confissão deve ser invalidada, preservando-se o bem decidido nas instâncias ordinárias que anularam os autos de infração eivados de nulidade”.

A menção ao princípio da verdade material é muito sensata e digna de aplausos, porque nem sempre a confissão retrata a realidade das circunstâncias confessadas, principalmente em cenários nos quais, como ocorre nas relações tributárias, existem motivações externas que levam determinado sujeito a admitir certos fatos. No caso das obrigações fiscais, essas motivações são fortes e consistem, basicamente, na tentativa de evitar ônus que, para o contribuinte, seriam maiores quando comparados com os que adviriam de uma confissão.

O REsp nº 1.133.027/SP retratou bem essa situação, porque o contribuinte ali envolvido não confessou débitos indevidos a seu bel prazer, mas o fez visando participar de um processo licitatório. Ou seja, a confissão da dívida não refletiu a verdade material dos fatos geradores praticados no caso, de modo que, em situações como essa, torna-se plenamente cabível a revisão do parcelamento tributário, mediante a redução dos valores indevidos, ou mesmo a repetição de numerários pagos a maior.

Conclusão

Diante do que foi exposto, só é possível concluir que a rediscussão de tributos parcelados à luz do REsp nº 1.133.027/SP (Tema Repetitivo 375) é um direito do contribuinte, que pode ser exercido nas condições especificadas acima. Razão pela qual, para evitar ou corrigir prejuízos decorrentes de pagamentos indevidos em favor do Fisco, é recomendável a adoção das medidas judiciais cabíveis.

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Autoria de Heitor Fabbris e revisão técnica de Gisele Weitzel
Consultoria Contenciosa Tributária
BLB Auditores e Consultores

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