A importância do contrato social diante do falecimento do sócio

A importância do contrato social diante do falecimento do sócio

11 minutos de leitura

Neste artigo anterior falamos sobre a importância do contrato social de uma empresa e estabelecemos as diferenças entre esse documento e o acordo de sócios. Sugiro a leitura do texto para então adentrar no assunto deste: como o contrato social determina o que deve ser feito no caso de falecimento de um dos sócios.

A liberdade de contratação

Uma das vantagens em se adotar uma Sociedade do tipo Limitada, vastamente utilizada no Brasil tanto para empreendimentos quanto para planejamentos patrimoniais e sucessórios, consiste na liberdade contratual concedida aos sócios para deliberarem acerca das consequências jurídicas de determinados eventos.

Por exemplo, se “X” acontecer no âmbito da sociedade, a lei determina como consequência o evento “A”, porém, ao mesmo tempo, dá liberdade aos sócios para convencionarem as consequências “B” ou “C”.

É como se a legislação alertasse os sócios: “Olha, se o evento ‘X’ ocorrer, lhes ofereço a oportunidade de escolher pelos caminhos ‘B’ ou ‘C’, mas se não formalizarem no contrato social a escolha por um deles, ficando, assim, em silêncio, já vou logo avisando que a consequência vai ser ‘A’, gostem vocês ou não, entenderam bem?”

O exercício dessa liberdade está previsto em diversos pontos da legislação societária, inclusive quando se trata do falecimento de um sócio. Nesse caso, a lei concede opções de escolha cuja manifestação deve ocorrer preferencialmente no contrato social, previamente à ocorrência do evento.

Embora se trate de um tema por vezes evitado em razão do desconforto que a reflexão possa vir a causar, esse assunto guarda importantes questões jurídicas a serem abordadas, como veremos a seguir.

Opções legais e vontade dos sócios

Imaginemos uma Sociedade Limitada formada por três sócios, cuja reunião se deu com o intuito de empreender através de uma startup. Aqui, eles direcionavam seus esforços para a inovação no tocante à produção e à comercialização de queijos mineiros de pequenos produtores rurais.

Ocorre que, inesperadamente, o terceiro sócio acaba falecendo um ano após iniciarem o empreendimento. Tal acontecimento gera consequências em diversos ramos do Direito, e a normativa relacionada às sociedades não é uma exceção.

Assim, diante do falecimento de um sócio, o Código Civil (Lei n.º 10.406/02) dispõe, inicialmente, que suas quotas serão liquidadas. Isso significa que será levantado o valor em dinheiro correspondente aos direitos patrimoniais do falecido sócio.

É o que se chama de apuração dos haveres que ele, até então, possuía na sociedade, compostos por seus lucros e patrimônio líquido, sempre proporcionalmente à participação do falecido no capital social.

Como consequência desse caminho, paralelamente também ocorrerá a abertura de inventário no tocante a todos os direitos e bens do de cujus, os quais incluem suas quotas sociais, para que elas sejam, então, partilhadas entre os herdeiros.

Contudo, a possibilidade de liquidação das quotas, com seu procedimento e prazo legais, apenas será o caminho trilhado no caso de os sócios não terem feito outra escolha em seu contrato social. Levando isso em consideração, analisemos o que dispõe o art. 1.028 do Código Civil:

“Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:
I – se o contrato dispuser diferentemente;
II – se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.”

Assim, caso a questão das quotas não esteja disposta no contrato, as opções para o nosso exemplo na lei são claras:

  1. Liquidação das quotas do 3º sócio (falecido) com o pagamento de seus valores aos seus herdeiros, conforme já apontado, continuando a sociedade com suas atividades;
  2. Optar pela dissolução da sociedade, encerrando a atividade da startup que havia recém iniciado (art. 1.028, II, Código Civil), ou
  3. Caso haja a possibilidade e o interesse dos herdeiros, acordar com esses que substituam o sócio falecido, assumindo suas quotas (art. 1.028, III, Código Civil).

Vale mencionar que a escolha pela dissolução da sociedade (item 2) tende a ser mais observada em situações nas quais o sócio falecido detinha participação expressiva no capital social a ponto de inviabilizar a continuidade do empreendimento sem a sua participação. Nesse cenário, costuma-se dispor a respeito dos itens seguintes na busca de se preservar a atividade da sociedade.

Contudo, há de se considerar que são muitas as situações nas quais não há ativo suficiente para realizar o pagamento, ocorrendo, dessa forma, a busca pela admissão dos herdeiros (item 3).

Aqui, o ingresso de um herdeiro na empresa, assumindo o lugar do sócio falecido (item 3), talvez se trate da opção que cause mais dúvidas e receios, tendo em vista que os sócios remanescentes podem não desejar seu ingresso no quadro social.

E claro, pode ocorrer também que os herdeiros não ensejem ingressar na sociedade por não possuírem, como dizem, “tino” para os negócios, ou mesmo real vontade de serem sócios em determinada sociedade.

O fato é que o ingresso dos herdeiros na sociedade, no caso de ausência de prévia disposição contratual específica nesse sentido, apenas pode ocorrer se os dois lados, sócio(s) sobrevivente(s) e herdeiros, estiverem de acordo quanto à situação. Havendo discordância por parte de um deles, a única solução será a liquidação das quotas ou a total dissolução da sociedade.

Contudo, no intuito de resguardar os interesses dos sócios, o contrato social pode dispor previamente acerca do direcionamento nessa situação, prevendo que os herdeiros ingressarão ou não no quadro social (aplicação do inciso I do art. 1.028). Afinal, ambos os caminhos podem servir aos interesses de determinada sociedade.

Ademais, o evento do falecimento costuma envolver uma atmosfera conturbada, na qual a resolução de tais questões pode se dar de forma apressada e/ou não cercada de todos os cuidados que seriam tomados se a situação fosse outra.

Ainda, no tocante à liquidação das quotas, o contrato pode dispor acerca de critério específico para a avaliação dos haveres e o prazo para o seu pagamento, em oposição ao traçado incialmente pela lei (art. 1.028, I e art. 1.031, Código Civil).

Caso o contrato nada disponha a respeito, o patrimônio líquido será avaliado por meio de balanço especialmente levantado, ocorrendo o pagamento dos haveres em dinheiro (ou por meio de outros bens passíveis de liquidação) e no prazo de 90 (noventa) dias a partir de sua liquidação (art. 1.031, Código Civil). Nesse sentido, é possível incluir a previsão contratual informando que o cálculo se dará por outro critério.

Contudo, pelo fato de o prazo de 90 dias para o pagamento ser considerado majoritariamente curto, torna-se interessante prever não apenas a sua ampliação, mas também o parcelamento do pagamento, atentando-se sempre à influência do ativo da sociedade na preservação e na segurança do desenvolvimento de suas atividades.

As normas aqui abordadas, apesar de localizadas no Código Civil no capítulo relativo à Sociedade Simples, são aplicadas também à Sociedade Limitada, considerando a omissão das normativas dessas.

EIRELI e Sociedade Limitada Unipessoal

Cumpre apontar aqui o impacto de uma importante modificação na legislação societária, ocorrida no ano de 2021, envolvendo a Sociedade Limitada. Com o advento da Lei n.º 14.195/21 que alterou o Código Civil, teve fim a figura da então Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), criando-se, no mesmo ato, a Sociedade Limitada Unipessoal, ou seja, uma sociedade formada por um único sócio (uma verdadeira exceção à regra geral da pluralidade de sócios).

Assim, antes do advento da referida lei, em se tratando de uma Sociedade Limitada que possuísse, por exemplo, apenas dois sócios em seu quadro social, após o falecimento de um deles, a ocorrência do devido pagamento dos haveres aos herdeiros, e apenas no caso de não serem admitidos os herdeiros no lugar do sócio falecido, o sócio remanescente poderia figurar sozinho na sociedade pelo prazo de 180 dias (previsão que constava no já revogado inciso IV, art. 1.033, Código Civil).

Após esse lapso temporal, o sócio remanescente poderia optar por incluir um novo sócio (resgatando a pluralidade legal até então exigida pela lei), ou transformar a sociedade em uma EIRELI. Alternativamente, poderia também encerrar as atividades da sociedade.

Essa última opção mantém-se na legislação. Porém, após a extinção da figura da EIRELI com a criação da Sociedade Limitada Unipessoal, na hipótese do exemplo citado, o sócio poderá optar por incluir um novo sócio ou continuar a sociedade como uma Limitada Unipessoal. Trata-se de uma inovação da lei (art. 1.052, § 2º, Código Civil), que permite constituir, através de um único sócio, uma Sociedade Limitada desde o início, ou mesmo seguir dessa forma no caso de uma situação como a apresentada acima.

Os interesses dos sócios atendidos pelo contrato social

No tocante aos eventos que podem impactar o curso das atividades de uma sociedade, merecem uma maior atenção aqueles de ocorrência incerta. Dentre esses, destaca-se o falecimento de um sócio.

Na sua ocorrência, conforme apontado, o Código Civil permite que as questões societárias possam ser resolvidas de maneira mais simples e, principalmente, que atenda aos reais interesses dos sócios, tanto dos remanescentes quanto do falecido, utilizando-se um contrato social de elaboração pensada e construída de maneira particular para os sócios, desde o nascimento da sociedade.

Porém, embora seja possível o exercício positivo da liberdade de escolha, a maioria dos contratos sociais não é clara ao dispor sobre o tema, tendo suas questões muitas vezes levadas à decisão do Poder Judiciário. Quando isso ocorre, desnecessariamente, surgem inúmeras dúvidas, dentre elas: a continuidade da sociedade após a morte de um dos sócios, sobre a possibilidade de um dos herdeiros do sócio falecido ingressar na sociedade, sobre os critérios e os prazos de liquidação das quotas, dentre outras.

Isso se deve ao fato de muitas sociedades, de maneira impensada, serem constituídas e mantidas mediante a aplicação de instrumentos contratuais utilizados para a constituição de outras sociedades, promovendo-se apenas as adequações mais simples, sem uma maior preocupação com aquilo que vai, de fato, atender aos reais interesses dos sócios. Tais contratos, utilizados como verdadeiros modelos, por sua vez, têm enormes chances de também terem sido copiados de outras sociedades, e assim por diante.

A adoção de um contrato social criterioso e que atenda aos interesses de todos os sócios é de suma importância. Tais documentos cumprirão tal finalidade na medida em que carregarem clareza na escrita, tratando dos assuntos de maneira compreensível.

É evidente que a construção de um planejamento patrimonial/sucessório ou de um desenvolvimento de empreendimento exige cuidado e atenção nos contornos jurídicos da sociedade desde o seu nascimento.

Ao se exercer tal liberdade de pactuação para além dos ditames legais originalmente previstos, deve-se considerar a seguinte máxima do Direito, aplicada ao caso: “o contrato faz lei entre as partes”. Assim, em regra, o que foi acordado tem força de lei. Ou seja, se há liberdade para traçar os contornos societários desejados, deve-se ter especial atenção para que não ocorra a utilização de redações meramente retiradas de outros contratos e que podem acabar prejudicando os interessados.

É preciso profissionalizar a elaboração de tais instrumentos, conscientizando-se o pensamento e as atitudes dos sócios para que todos os detalhes importantes sejam observados desde o início das atividades da pessoa jurídica. Agindo com diligência, situações como o falecimento de um sócio podem gerar menos impactos no futuro dos negócios, sem mencionar a consequente desnecessidade de remexer, por longos períodos, em assuntos, por si só, dolorosos.

Além disso, o contrato social permite assegurar que os herdeiros possam receber ao menos parte da herança por meio das quotas, de maneira amigável e sem disputas judiciais.

Em uma Sociedade Limitada, o contrato social é a sua verdadeira “certidão de nascimento”, carregando as regras do seu regime, podendo, inclusive, ser alterado para a devida adequação, se necessário. Tal contrato viabiliza que pontos importantes sejam revistos caso se tenha a intenção de modificar o curso da sociedade em determinado aspecto, como, por exemplo, no eventual falecimento de um sócio.

Considerando-se os pontos abordados, torna-se de grande importância a elaboração minuciosa de um contrato social para atender aos reais interesses dos sócios e, em particular aqui, para o caso do falecimento de um deles.

A BLB Auditores e Consultores conta com uma equipe especializada na prestação de assessoria jurídica societária, orientando e conduzindo a criação e o desenvolvimento de diversos empreendimentos, bem como na estruturação e na consolidação de planejamento patrimonial e sucessório.

Bruno Chiarella
Advogado e consultor jurídico-societário
BLB Auditores e Consultores

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