Em dezembro de 2018, a CVM divulgou “Ofício Circular” (SNC/SEP 02/2018) com o objetivo de orientar sobre os registros contábeis do reconhecimento de receita nos contratos de compra e venda de unidade imobiliária ainda não concluída nas companhias (abertas) do setor de incorporação imobiliária. Essas informações devem ser observadas na elaboração das Demonstrações Contábeis para o exercício social encerrado em 31/12/2018.
Principais fundamentos
Com a entrada em vigor do Pronunciamento Técnico CPC 47 (IFRS 15), aplicável aos exercícios sociais iniciados a partir de 1º de janeiro de 2018, o reconhecimento de receita de contratos com clientes passa a ter uma nova disciplina normativa, baseada na transferência do controle do bem ou serviço prometido, seja essa transferência observada em um momento específico do tempo (at a point in time) ou ao longo do tempo (over time), conforme a satisfação ou não das denominadas “obrigações de performance contratuais”.
A manutenção do método de reconhecimento de receita denominado Percentual of Completion – POC (over time) ou adoção do método das chaves (at a point in time), por exemplo, decorrerá de adequadas análises contratuais por parte da administração da companhia.
A CVM entende que a determinação de uma política contábil deve estar alinhada ao modelo de negócio (de gestão da companhia e plenamente integrada ao ambiente econômico e ao contexto fático e jurídico da jurisdição onde a entidade opera).
Mais ainda, que a qualidade da implementação dessa política contábil escolhida é função de um robusto sistema de controles internos que permita sua operacionalização com integridade, verificabilidade e confiabilidade. Somente assim as demonstrações financeiras produzidas por essa estrutura de controles serão capazes de atingir seu objetivo fundamental, qual seja, o de gerar informações úteis a seus usuários no subsídio a seus processos decisórios.
Questões centrais para a aplicação do CPC 47 (IFRS 15)
Em síntese, as cinco questões centrais para a aplicação do CPC 47 (IFRS 15) às transações de venda de unidades imobiliárias não concluídas realizadas por companhias do setor de incorporação imobiliária são:
- O foco no contrato (unidade de conta):
Esse é o elemento central do CPC 47 (IFRS 15) na relação entre a entidade e o cliente. O contrato é a unidade de conta a ser analisada e acompanhada e sobre o qual recairá a política contábil adotada pela companhia.
- O monitoramento contínuo dos contratos:
É necessário o monitoramento contínuo dos contratos para identificação de quaisquer eventos que indiquem incertezas quanto à entrada de fluxo de caixa para a entidade, possibilitando, assim, os ajustamentos tempestivos necessários nas demonstrações financeiras.
- Uma estrutura de controles internos num padrão de qualidade considerado, no mínimo, aceitável para os propósitos aos quais se destina:
É uma condição “sine qua non” para resguardar a qualidade e integridade das informações contidas nas demonstrações financeiras da entidade, principalmente tratando-se de um modelo sofisticado de reconhecimento de receita ao longo do tempo, para o qual é fundamental a pronta identificação de evidências econômico financeiras que demandem ajustes imediatos no reconhecimento de receitas e custos;
- A realização de ajustamentos tempestivos:
As demonstrações financeiras têm representação fiel quando são capazes de evidenciar, tempestivamente, os atos de gestão praticados pelos administradores no gerenciamento dos recursos a eles disponibilizados.
- A qualidade da informação (valor preditivo e confirmatório das demonstrações financeiras):
As demonstrações financeiras (que inclui as notas explicativas) devem apresentar informações detalhadas das variáveis críticas consideradas em sua preparação de forma a permitir aos tomadores de decisões elaborarem modelagens distintas daquela efetuada pelos administradores.
Procedimentos uniformes que permitam a comparabilidade das demonstrações financeiras
Nesse contexto, considerando todo o exposto, é necessário o estabelecimento de procedimentos uniformes que permitam a comparabilidade das demonstrações financeiras entre as companhias do setor, bem como o acompanhamento da evolução de cada uma delas ao longo do tempo.
Os tópicos a seguir apresentam os principais pontos (que a CVM julga necessários) para essa uniformização:
- Estrutura de controles internos:
A adoção do método de reconhecimento de receita denominado POC, utilizado, por consequência, para medição de desempenho do negócio e/ou unidades do negócio periodicamente, tem por implicação a necessidade imperativa da existência e pleno funcionamento de sistemas robustos de controles internos, automatização da contabilidade, recrutamento de pessoal qualificado, treinamento e conscientização de pessoal, desenvolvimento e atualização de manuais de políticas e procedimentos, dentre outras medidas necessárias para a adequada medição do desempenho.
O Ofício salienta que, conforme previsto na Instrução CVM 308, os auditores independentes devem elaborar relatório circunstanciado sobre os controles internos da companhia e endereçar à Administração e aos órgãos de governança competentes da companhia.
- Início de reconhecimento da receita:
A política contábil de reconhecimento de receita, elaborada e aprovada pela administração da companhia, deve especificar os princípios, as bases, as convenções, as regras e as práticas específicas a serem aplicadas na elaboração e na apresentação de suas demonstrações financeiras.
Também deve indicar os fatores técnicos, econômicos, financeiros, legais, entre outros, que deem causa ao início do processo de reconhecimento de receita. Esse momento representa a declaração da companhia, perante terceiros, de seu compromisso quanto ao desenvolvimento efetivo de empreendimento imobiliário.
- Ajustamentos contábeis preditivos:
Para assegurar a manutenção da utilidade das demonstrações financeiras, especialmente em cenário econômico de estresse, é necessário efetuar-se uma análise pormenorizada dos contratos com clientes a fim de identificar incertezas quanto à entrada dos fluxos de caixa futuros para a entidade.
- Notas explicativas:
É importante que as demonstrações financeiras permitam aos seus usuários efetuarem modelagens sobre perspectivas de fluxo de caixa e desempenho futuros conforme seu próprio modelo decisório.
É necessário que as entidades apresentem notas explicativas às demonstrações financeiras que contenham as informações mínimas sobre os contratos celebrados que foram avaliados e se qualificaram para o reconhecimento de receita ao longo do tempo (over time) ou se qualificaram para reconhecimento num momento específico do tempo (at a point in time), além daqueles que porventura ainda não se qualificaram para reconhecimento contábil da receita de acordo com o CPC 47 (IFRS 15), de forma a permitir aos usuários analisar e ajustar as demonstrações financeiras da forma que considerarem mais adequada a seu modelo decisório.
Dada a complexidade do assunto, o Grupo BLB Brasil conta com especialistas para a aplicação/revisão do IFRS 15 (CPC 47) e se coloca à disposição para esclarecimento e auxílio em quaisquer operações relacionadas ao tema.
Remerson Galindo de Souza
Sócio-gerente de Auditoria Independente do Grupo BLB Brasil