Curva de Laffer: reflexão sobre reforma, arrecadação tributária e o desenvolvimento econômico

Curva de Laffer: reflexão sobre reforma, arrecadação tributária e o desenvolvimento econômico

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Neste artigo apresentamos o conceito da Curva de Laffer e uma análise de sua aplicação, bem como sua relação com a sonegação de impostos e o impacto no desenvolvimento de um país.

Conceito da Curva de Laffer

O aprofundamento dos problemas fiscais contemporâneos, evidenciados no Brasil e em outros países do mundo, faz com que os cidadãos questionem a capacidade de os governos provisionarem bens e serviços públicos de qualidade, através de políticas macroeconômicas. Com isso, há a necessidade de se reavaliar paradigmas macroeconômicos tradicionais, de forma que um dos maiores questionamentos atuais é: como a arrecadação tributária afeta o desenvolvimento econômico?

Desse modo, um dos pontos de partida para a reflexão do assunto é a teoria econômica da Curva de Laffer, a qual discorre sobre a relação inversamente proporcional entre a arrecadação tributária e a alíquota tributária aplicada. Ou seja, a redução dos impostos ocasionaria aumento de confiança do agente de investimento.

Essa teoria foi criada pelo economista americano Arthur Laffer, em 1974, e apresentada durante um almoço com jornalistas e políticos de renome, no qual o economista desenhou um gráfico em um guardanapo da mesa, a fim de demonstrar como as alíquotas afetam a receita tributária. Assim, o economista demonstrou sua teoria de que os Estados Unidos estavam com as alíquotas tributárias tão altas a ponto de que, caso fossem reduzidas, a receita tributária aumentaria.

Arthur Laffer foi membro do Conselho Consultivo de Política Econômica dos Estados Unidos durante o governo Ronald Reagan (1891-1989), o qual foi marcado por ideias liberais, diminuição de gasto público e redução de impostos para grandes fortunas. Nesse momento histórico, surgiram tanto pensadores econômicos contra o intervencionismo estatal quanto pensadores que defendiam a participação do Estado na economia.

Os primeiros pensadores mencionados (não intervencionistas) acreditavam que a redução tributária era capaz de ocasionar, por si só, o aumento da atividade econômica e, consequentemente, a arrecadação de tributos. Já os demais pensadores (intervencionistas), defendiam que não existe um único ponto perfeito de equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a arrecadação tributária, assim não seria possível confiar no mercado sem a intervenção do Estado.

O principal ideal de Laffer para a criação do modelo econômico tinha como premissa que as pessoas não investem se estão sobrecarregadas por impostos e, portanto, reduzir a carga tributária faria com que os cidadãos voltassem a movimentar a economia, aumentando, a receita da União. Para elucidar essa ideia, é necessário entender as relações causais, ou seja, o motivo de a tributação equilibrada gerar maior movimentação econômica. Vejamos como tal perspectiva se dá por meio do exemplo da conexão entre o empreendedor e o mercado:

  • Situação A: empreendedores desejam investir em seus negócios, objetivando expandir seus empreendimentos, não obstante, as alíquotas de impostos no país são exacerbadas, reduzindo, assim, o capital hábil para depositar no respectivo empreendimento. Essa situação desincentiva investimentos por parte dos empreendedores, ocasionando o desaquecimento do mercado econômico no país. Isso é, diminui o consumo.
  • Situação B: as alíquotas tributárias do país são equilibradas, possibilitando que os empresários tenham acesso ao maior capital hábil proveniente do lucro, facilitando investir em novos empreendimentos e gerando, portanto, o aquecimento econômico. Isso é, aumenta o consumo.

Assim, seguindo a teoria de Laffer, é possível dizer que a carga tributária em excesso pode ocasionar desaceleramento das atividades econômicas, o que também afetará o desenvolvimento econômico. Como aconteceu nos EUA nos anos 70, de acordo com o economista americano Paul Robin Krugman, quando ocorreram distorções de incentivos ligadas à tributação, de modo que existiam impostos que atingiram uma alíquota tão elevada que desestimulava a atividade econômica.

Ocorre que as divergências de pensamentos sobre a teoria se alongam até os dias atuais, além de não possuirmos uma resposta definitiva em relação a qual pensamento está correto. Todavia, a partir dessa teoria, é possível refletir sobre a economia do país, principalmente sobre o desenvolvimento econômico.

Portanto, a partir da teoria criada e defendida por Arthur Laffer e por vários pensadores econômicos, podemos utilizá-la como base para a discussão sobre o desenvolvimento econômico e a arrecadação de tributos no Brasil.

Análise da aplicabilidade da Curva de Laffer e os seus determinantes

A teoria em questão defende que há um ponto ideal de equilíbrio da relação harmônica entre o percentual tributário cobrado e a receita tributária arrecadada na prática. Quando a carga tributária de um país está exacerbada, isso reduz a atividade econômica de maneira geral e acaba por gerar o contrário do esperado: políticas de good intentions [1].

Dito isso, o aumento dos tributos e das alíquotas não significa aumento da arrecadação, como ilustra o gráfico a seguir:

Gráfico representativo da Curva de Laffer
Gráfico demonstrativo da Curva de Laffer

Legendas:
Linha horizontal (t): progressão da alíquota
Linha vertical (T): progressão de arrecadação tributária

O gráfico representa que, no ponto t0, a alíquota do imposto é zero e a arrecadação é nula. Já o ponto t* é a relação ótima, ou seja, o ponto ideal (cesta ótima), uma vez que permite a eficiência máxima da arrecadação, sem que ocorra a evasão fiscal e a sobrecarga excessiva de tributo a pagar para os cidadãos.

Isso significa que, no ponto t*, os ganhos do governo maximizariam, de modo que o tributo não desincentivaria o cidadão a trabalhar e a produzir. Por fim, no ponto tmax, a arrecadação total é de 100% da carga tributária, ocasionando 0% de retorno e mostrando-se como o pior cenário para a população.

Ressalta-se que o ponto de maximização dos tributos depende de vários fatores, como: as preferências do trabalhador, em termos de renda e lazer; a avaliação do investidor frente ao risco e ao retorno da produção; fatores tecnológicos, que determinam o nível de produtividade dos fatores.

Dito isso, há economistas que defendem a teoria de Laffer, visto que, conforme as alíquotas e a quantidade de impostos sobem com o passar dos anos, a sonegação e a evasão fiscal podem também aumentar.

De acordo com Christina Romer, professora da Universidade de Berkeley e ex-membra do Conselho Econômico Americano do ex-presidente Barack Obama, a cada 1% de aumento na cobrança de tributos de um país, o PIB (Produto Interno Bruto) diminui em 3%, isso é, há uma relação inversamente proporcional [2].

Outro admirador da referida teoria econômica é o ex-presidente Donald Trump, que em 2019, inclusive, honrou o economista com a Medalha Presidencial da Liberdade. Além do mais, durante o seu governo, Trump aplicou a maior redução de impostos da história dos Estados Unidos, sempre baseando-se na respectiva teoria.

Assim como Donald Trump, o ex-presidente George W. Bush também utilizou a teoria em seu governo através das reduções de impostos de toda a população, com vistas à maior arrecadação e desenvolvimento econômico.

Já no cenário brasileiro, de acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), em 2021, foram necessários 149 dias trabalhados para arcar com todos os impostos, sendo que esse número é considerado alto por alguns pensadores econômicos. Uma das consequências que isso ocasiona é o aumento da sonegação fiscal, sendo que a média de tributos não arrecadados no Brasil, devido à evasão fiscal, foi mais de R$ 626 bilhões (seiscentos e vinte e seis bilhões de reais) entre o período de 01/01/2022 até 31/12/2022, conforme dados do Sonegômetro (criado pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional).

Outrossim, o ex-ministro do STF Orozimbo Nonato da Silva, lá em meados do século XX, argumentava que há um limite eficiente para que o governo imponha tributos sobre a população. Isso significa que, ao ultrapassar esse limite, além de ferir o princípio da capacidade contributiva dos cidadãos, ocorrerá abuso de poder. Logo, o argumento segue o sentido da teoria de Laffer.

De acordo com o economista brasileiro Fábio Giambiagi, o governo precisa gerar recursos para poder arcar com as funções alocativa, distributiva e estabilizadora de sua política, para que o Estado seja capaz de gerar receitas eficientes.

Pensando na realidade brasileira, a carga tributária é estimada em 36,5%, ou seja, um terço do total arrecadado é destinado aos cofres dos governos. Mas esse valor é considerado elevado, diante da teoria da Curva de Laffer, sendo que há alguns economistas que defendem que o ponto de equilíbrio estaria em torno de 25% a 30%.

Consequências da tributação excessiva para a economia e o desenvolvimento econômico

Para compreender como a arrecadação de tributos e a teoria de Laffer afetam a sociedade, é necessário observar as principais causas da sonegação, que geralmente se referem a: descrença da população sobre o retorno desses impostos, taxação excessiva de tributos exigidos pelo país, ceticismo de que o governo utiliza a receita tributária da forma mais eficiente.

Com isso, em relação à sonegação que existe no país e de acordo com a teoria comentada, o melhor instrumento para lidar com a situação seria a redução da carga tributária no Brasil, a fim de respeitar a teoria da Curva de Laffer e harmonizar a arrecadação tributária. Contudo, a descrença da população sobre o retorno desses impostos é um ponto a ser considerado.

De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), a relação entre a carga tributária e o retorno dos tributos arrecadados no Brasil obteve um dos piores resultados entre os 30 países com maior carga tributária. Isso mostra que não há eficiência no retorno em serviços essenciais em prol da sociedade, o que, por si só, já funciona como desincentivo para o pagamento de tributos.

No que se refere ao desenvolvimento econômico, é necessário ter cautela para não o confundir com o conceito de crescimento econômico, o qual está relacionado com o crescimento do PIB do país, através das fontes de capital físico, capital humano e tecnologia. Já o desenvolvimento econômico está relacionado à qualidade de vida da sociedade, sendo que as possíveis variáveis para esse cálculo são a educação, a saúde, a renda, a pobreza, entre outros, de modo que pode ser parametrizado conforme o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Cabe ressaltar que, de acordo com os economistas Mehmet Tosun e Sohrab Abizadeh, o crescimento econômico, por si só, já produz efeitos positivos sobre a arrecadação, uma vez que fomentará a economia, trazendo maiores lucros e, consequentemente, mais tributos arrecadados. Dito isso, a alta carga tributária ocasiona, além da sonegação, o prejuízo ao desenvolvimento econômico, uma vez que a carga excessiva prejudica a saúde financeira das famílias brasileiras, não permitindo maior gasto com educação, saúde e investimentos na economia.

E o que acontecerá se ocorrer a Reforma Tributária no Brasil (IVA)?

No Brasil, está em discussão a Reforma Tributária, a qual objetiva a criação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado ou Adicionado), ou seja, é a unificação dos impostos existentes, possibilitando tributar cada etapa da cadeia produtiva conforme o valor adicionado ao produto ou ao serviço.

Os impostos que podem ser substituídos pelo IVA são o IPI (Imposto sobre Produto Industrializado), o PIS (Programa de Integração Social), a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços) e o ISS (Imposto sobre Serviço).

Dessa forma, a Reforma Tributária é defendida por prometer trazer unificação dos tributos, restituição ágil dos saldos credores, desoneração completa de exportação e investimentos, tributação no destino, não aumento da carga tributária, facilitação para recolhimento dos tributos pelos contribuintes e padronização da alíquota IVA diante de regulamento nacional.

Diante do cenário atual brasileiro, é possível analisar a possiblidade da reforma tributária com a “lente” da Curva de Laffer, uma vez que, se a Reforma Tributária realmente trouxer a facilitação de recolhimento dos tributos, ocasionará menor burocracia para os trâmites tributários brasileiros, beneficiando o Fisco no que tange à fiscalização dos contribuintes de forma mais ágil e eficiente. Ademais, essa vigilância mais severa traria maior recolhimento tributário, aumento da receita tributária, combatendo, assim, a sonegação, um dos principais tópicos atuais, como já exposto anteriormente.

Outro fator importante a ser discutido, por meio dessa unificação dos tributos, seria a maior facilidade para analisar o IVA de acordo com o gráfico de Laffer, pois, como a análise se resume apenas a uma variável (um tributo unificado), a cesta ótima (ponto t* do gráfico) se torna mais acessível de ser comparada com a teoria mencionada neste artigo.

Dessa maneira, com a redução da sonegação dos tributos no país, a fiscalização mais severa por parte do Fisco e a maior facilidade de recolhimento pelos contribuintes, a tendência é que aumente a receita tributária recolhida, proporcionando, assim, uma situação favorável para a diminuição do percentual cobrado sobre o consumo dos contribuintes, na tentativa, mais uma vez, de se aproximar a atualidade do país da cesta ótima (t*). No momento, precisamos aguardar as cenas dos próximos capítulos desta discussão.

Conclusão

De acordo com Laffer, é possível realizar estudos tributários de um país, com vistas a buscar o ponto ideal de máxima arrecadação tributária, sem ocasionar prejuízos, tanto na esfera fiscal através da sonegação quanto no desenvolvimento econômico e na qualidade de vida dos cidadãos.

Em resumo, pode-se afirmar que, como a tributação excessiva gera desaquecimento econômico (diminuição do consumo) e evasão fiscal, é imprescindível que o percentual tributário cobrado seja harmônico à capacidade financeira do país, possibilitando, desse modo, a maximização da arrecadação tributária sem prejuízos fiscais.

Dessa maneira, é essencial que ocorra uma reforma tributária eficaz para ocorrer uma cobrança de tributos proporcional com a realidade econômica do país, a fim de impedir o desaceleramento do desenvolvimento econômico.

Caso sua empresa necessite de auxílio especializado para lidar com os tributos, conte com o time de Consultoria Tributária da BLB.

Autoria de Caroline Fernandes
Trainee de Consultoria Tributária da BLB Auditores e Consultores

Revisão de Raphael Bloch Belizário
Consultor Associado na BLB Auditores e Consultores
Especialista em operações estruturadas de crédito, avaliação econômica e M&A

[1] Políticas de good intentions é a teoria que discorre que as políticas públicas de boas intenções podem causar consequências inversas às pretendidas.

[2] Informação retirada do artigo The Macroeconomic Effects of Tax Changes: Estimates Based on a New Measure of Fiscal Shocks, publicado na American Economic Review 100.

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