Blockchain no Brasil: desafios e oportunidades para companhias e auditores independentes

Blockchain no Brasil: desafios e oportunidades para companhias e auditores independentes

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Imagine um mundo no qual todos os negócios monetários fossem visíveis, inalteráveis e confirmáveis instantaneamente, formando uma atmosfera de credibilidade e uma mentalidade de criatividade e obrigações mútuas tanto em pessoas quanto em companhias. Esse mundo já existe e chama-se blockchain.

A tecnologia, desenvolvida na década de 90 e impulsionada pelo surgimento das criptomoedas, está reformulando o setor financeiro global. No Brasil, a adoção dessa tecnologia ainda está em seus estágios iniciais, mas o impacto significativo já se faz notar, especialmente nos setores financeiro e de auditoria.

Porém, apesar de seu potencial para otimizar processos, reduzir custos e aumentar a transparência, a implementação da blockchain enfrenta desafios técnicos, regulatórios e culturais. Além disso, para as auditorias independentes, a tecnologia pode trazer tanto complicações quanto grandes oportunidades de transformação.

Mas o que é blockchain?

A blockchain é, essencialmente, um banco de dados descentralizado, que armazena informações de forma imutável em uma sequência de blocos interligados (daí seu nome, que pode ser traduzido literalmente do inglês para “corrente de blocos”) e protegidos por criptografia.

Cada transação registrada em um bloco é validada por uma rede distribuída de computadores, conhecidos como nodos, antes de ser anexada à cadeia de blocos. A descentralização garante que não haja uma única entidade controlando os dados, aumentando significativamente a segurança e a confiabilidade das informações armazenadas.

Por exemplo, ao realizar uma transação financeira em um sistema baseado em blockchain, cada etapa do processo é verificada por múltiplos participantes da rede, tornando extremamente difícil manipular ou alterar as informações uma vez registradas. Essa característica faz com que a blockchain tenha grande aplicabilidade em transações financeiras, contratos inteligentes, rastreamento de cadeias de suprimentos e, claro, auditorias.

Panorama global e local da blockchain

No cenário global, a blockchain tem sido amplamente adotada por empresas e governos em setores como finanças, saúde, logística e até no mercado imobiliário. A possibilidade de automatizar contratos por meio de smart contracts — que são autoexecutáveis, eliminando a necessidade de intermediários — tem atraído grande interesse por sua capacidade de reduzir custos e aumentar a eficiência.

No Brasil, porém, o ritmo de adoção ainda é moderado. O país enfrenta desafios significativos para implementar essa tecnologia em larga escala. Ainda assim, o mercado brasileiro está começando a explorar o potencial da blockchain com a formação de parcerias entre instituições financeiras e o desenvolvimento de projetos, como a Rede Blockchain do Sistema Financeiro Nacional (RBSFN) e o Real Digital (Drex), sendo essa última uma iniciativa do Banco Central para lançar uma versão digital do real.

Desafios da implementação da blockchain no Brasil

A blockchain oferece inúmeras promessas para empresas e organizações, mas sua implementação no Brasil enfrenta barreiras significativas. Esses desafios, tanto técnicos quanto regulatórios, precisam ser superados para que a tecnologia se estabeleça de forma consolidada.

1. Infraestrutura e capacidade técnica

A implementação de blockchain exige infraestrutura computacional robusta e profissionais altamente qualificados. No Brasil, a falta de profissionais capacitados na área é uma das maiores barreiras para a adoção em massa. A tecnologia exige não apenas conhecimentos avançados em criptografia e programação, mas também habilidades especializadas para a criação e a manutenção de redes distribuídas.

Além disso, a blockchain, especialmente nas formas mais públicas e abertas, como o Bitcoin, exige um alto poder computacional para validar as transações. Isso não só representa um grande custo de infraestrutura, mas também impõe desafios de consumo de energia, conforme será discutido a seguir.

2. Consumo energético

O processo de validação das transações na blockchain, especialmente em sistemas que utilizam o método Proof of Work (PoW), consome uma quantidade significativa de energia elétrica. Redes como a do Bitcoin, por exemplo, já foram criticadas pelo alto consumo de energia, comparável ao de países inteiros.

No Brasil, com a oscilação dos custos energéticos e as preocupações ambientais crescentes, o consumo elevado de energia é um fator limitante para a adoção da blockchain. No entanto, alternativas mais eficientes, como o Proof of Stake (PoS), estão sendo estudadas e testadas. O PoS reduz o consumo de energia ao permitir que os validadores de transações sejam escolhidos com base na quantidade de criptomoeda que possuem e estão dispostos a “apostar” na rede, em vez de competir por poder computacional.

3. Escalabilidade

Outro desafio relevante é a escalabilidade. A blockchain, na sua forma mais tradicional, tem uma capacidade limitada de processar um grande número de transações por segundo. Para empresas que lidam com um volume massivo de transações, como o setor de varejo e atacado, essa limitação pode ser um gargalo significativo.

No entanto, soluções como o sharding estão sendo desenvolvidas para resolver essa questão. O sharding permite que o banco de dados seja dividido em fragmentos menores e paralelamente processados, aumentando, assim, a capacidade da rede sem comprometer a segurança. As tecnologias emergentes, como o RapidChain, também prometem superar essa limitação ao reestruturar a forma como as transações são validadas e armazenadas.

4. Regulamentação e legislação

Embora o Brasil tenha avançado na regulamentação do mercado financeiro e de criptomoedas, a legislação em torno da blockchain ainda está em desenvolvimento. A ausência de um arcabouço legal claro para a tecnologia cria incertezas tanto para empresas quanto para auditores. Empresas que pretendem adotar a blockchain em seus processos precisam navegar por um campo jurídico nebuloso, o que pode inibir a sua adoção.

No entanto, já existem esforços por parte de reguladores, como o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para fomentar o uso dessa tecnologia dentro de um ambiente regulado.

Projetos como a Plataforma Pier, que utiliza blockchain para integrar informações entre reguladores e o mercado financeiro, demonstram que o Brasil está se movendo na direção certa. Ainda assim, uma legislação mais abrangente é necessária para cobrir todos os aspectos do uso da blockchain em transações empresariais e financeiras.

Desafios da blockchain para auditorias independentes

Com a crescente adoção da blockchain, as auditorias independentes enfrentam desafios sem precedentes. A tecnologia exige que os auditores reavaliem suas metodologias tradicionais e adquiram novas habilidades técnicas para analisarem adequadamente os sistemas baseados em blockchain.

1. Volume de transações e análise de dados

Auditores tradicionais costumam trabalhar com bancos de dados centralizados, em que o volume de transações é controlado e previsível. No entanto, em uma rede de blockchain, o volume de transações pode ser massivo e distribuído em uma vasta rede de nodos, complicando a tarefa de auditoria.

A blockchain exige ferramentas avançadas de análise de dados que possam verificar a precisão e a integridade das informações de forma eficiente, sem sobrecarregar os recursos da auditoria.

Para auditores independentes, a capacidade de processar e verificar um grande volume de dados de forma ágil será fundamental. Dessa forma, investimentos em tecnologias de análise de dados e inteligência artificial poderão facilitar esse processo.

2. Segregação de funções e segurança

Em sistemas financeiros tradicionais, a segregação de funções é um princípio fundamental para garantir a integridade das transações. Na blockchain, essa dinâmica muda, uma vez que contratos inteligentes podem automatizar diversos processos e, em alguns casos, eliminar a necessidade de intervenção humana. Isso pode criar novos riscos, como falhas em códigos de contratos inteligentes, que podem resultar em transações incorretas ou não intencionais.

Os auditores precisarão revisar esses contratos inteligentes com atenção, analisando seu código e sua lógica de execução, além de garantir que os controles internos e as políticas de segurança sejam robustos o suficiente para mitigar possíveis vulnerabilidades.

3. Registros imutáveis e a rastreabilidade

Uma das maiores vantagens da blockchain para as auditorias é sua natureza imutável. Cada transação registrada na blockchain é permanente, o que significa que os auditores podem rastrear todo o histórico de uma transação de forma confiável. Isso facilita a auditoria e reduz a possibilidade de fraudes ou adulterações.

No entanto, essa mesma característica pode ser um desafio. Se houver erros nos dados inseridos na blockchain, corrigi-los pode ser complicado, já que os registros não podem ser alterados. Isso exige que os auditores estejam especialmente atentos durante o processo de entrada de dados.

4. Automatização de auditorias

Com o aumento da automação proporcionada pela blockchain, a função do auditor também precisa evoluir. Em vez de realizar verificações manuais, os auditores podem usar ferramentas automatizadas para revisar as transações e as cadeias de blocos. Isso permite uma auditoria contínua e em tempo real, tornando o processo mais eficiente e menos propenso a erros.

No entanto, essa mudança para um modelo de auditoria automatizado também exige um novo conjunto de habilidades por parte dos auditores, que precisam entender as nuances técnicas da blockchain e das ferramentas automatizadas que a acompanham.

Benefícios da blockchain para auditorias

Apesar dos desafios, a blockchain oferece grandes vantagens para as auditorias independentes, que podem transformar sua prática de forma significativa. Abaixo, seguem algumas delas:

1. Transparência e confiança

A transparência inerente à blockchain facilita o trabalho dos auditores, permitindo que eles acessem dados completos e confiáveis sobre as transações de uma empresa. Isso não apenas acelera o processo de auditoria, mas também aumenta a confiança nos resultados apresentados aos stakeholders.

2. Automação e eficiência

A capacidade de automatizar processos, tanto por meio de contratos inteligentes quanto por auditorias automáticas em tempo real, é uma das principais vantagens da blockchain. Isso reduz o tempo necessário para conduzir auditorias e melhora a eficiência operacional.

3. Redução de fraudes

A blockchain cria uma camada adicional de segurança para os registros financeiros, dificultando a ocorrência de fraudes. Para as auditorias, isso significa menos tempo gasto na detecção de erros ou fraudes e maior foco em garantir a conformidade e a precisão dos relatórios financeiros.

Conclusão

A blockchain promete revolucionar o mercado financeiro e empresarial no Brasil, trazendo transparência, eficiência e segurança sem precedentes. Para as auditorias independentes, essa tecnologia apresenta tanto desafios quanto oportunidades.

As empresas de auditoria que conseguirem se adaptar a essa nova realidade poderão se beneficiar enormemente, oferecendo serviços mais precisos e eficientes. No entanto, a adaptação exige investimentos em capacitação técnica, novas ferramentas de análise de dados e uma compreensão profunda das implicações regulatórias e tecnológicas da blockchain.

À medida que a tecnologia continua a se desenvolver, é essencial que as auditorias independentes acompanhem esse ritmo, garantindo que estejam preparadas para enfrentar os desafios e colher os benefícios que a blockchain pode trazer ao setor.

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Autoria Miguel Renjifo Puma e revisão técnica de Robson Santesso
Auditoria Independente
BLB Auditores e Consultores

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