Nosso especialista em M&A analisou os passos dados pelos personagens de Succession em suas negociações e transações de compra e venda de empresas.
A série de televisão Succession (que em português significa “sucessão”), uma das mais aclamadas nos últimos anos, infelizmente, chegou ao fim. Ao longo da trama, somos apresentados à história da família norte-americana Roy, empresária do ramo das Comunicações, e a briga de poder dentro dela. Os personagens, corruptos, movidos pela ganância e pela sede de poder, nos fazem refletir sobre o real mundo dos negócios. Afinal, as situações retratadas na série da HBO se aprofundam, principalmente no que se refere ao ambiente corporativo e às nuances emocionais dentro das operações que ocorrem ao longo dos episódios.
As operações que se mostraram frequentes ao longo da trama de Succession e, também que nos chamaram a atenção, são as de M&A (sigla em inglês para Mergers and Acquisitions, ou, em português, Fusões e Aquisições). Pensando nisso, neste artigo exploraremos algumas dessas operações retratadas na série, a fim de pontuar os problemas enfrentados e como isso seria contornado no mundo real. Além disso, também abordaremos a importância de se ter clareza sobre a sucessão empresarial, principalmente em empresas familiares. E, sim, haverá spoilers ao longo do texto.
Quando a ficção em Succession e a realidade se cruzam
Um dos pontos mais interessantes da série é a sua proximidade com a realidade do mundo corporativo. Não é à toa que podemos aprender tanta coisa sobre a condução dos negócios ao assistir Succession. Isso porque os escritores da série se inspiraram em histórias de importantes famílias da vida real, notadamente a Redstone (proprietária da Viacom – CBS) e a Murdoch (proprietária da Fox News e do Wall Street Journal, para citar alguns exemplos).
A profunda familiaridade da série com o mundo dos negócios, evidente nos episódios que envolvem a complexidade das relações familiares e as minúcias dos procedimentos de reuniões de conselho, tem sido persuasiva o suficiente para atrair espectadores com grande conhecimento sobre os temas. A própria Jerry Hall, esposa do Sr. Murdoch, se declarou uma ávida observadora de Succession.
Temporada 1: Vaulter
Logo no começo da série, já nos deparamos com uma operação de M&A: a Waystar RoyCo (companhia que leva o sobrenome dos personagens principais) está fazendo uma proposta para adquirir uma empresa de comunicações chamada Vaulter.
Imediatamente, entendemos que o filho do patriarca, Kendall Roy, quer entrar de cabeça no século XXI, adquirindo uma startup de mídia online, para poder usar essa tecnologia no império de seu pai, que ainda possui canais de televisão e outros negócios tradicionais, como parques de diversões. Fica clara a vontade de Kendall de modernizar e manter a relevância do negócio da família, para capturar a maior parte das sinergias possíveis nessa operação.
Sabendo do valor que a Vaulter pode agregar para o enorme conglomerado dos Roy, o fundador da empresa infla o preço de venda, oferecendo um valuation sem racionalidade alguma, e acaba convencendo Kendall por meio de argumentos emocionais. Para se modernizar, esse é o preço que a Waystar deve desembolsar. O negócio, então, é feito às pressas.
Após alguns meses de árdua operação e integração com a Waystar, percebe-se que a Vaulter havia superestimado seus números de usuários para chamar a atenção dos seus compradores. Esses últimos, muito preocupados em fechar o negócio a qualquer custo, deixaram de lado a boa e velha due diligence. Tal procedimento refere-se a um processo minucioso de estudo, análise e avaliação de informações e documentos de diversos setores de uma empresa para saber se os números apresentados por ela refletem de fato a sua realidade no mercado. Em operações de fusões e aquisições é comum que o investidor contrate auditores independentes para fazer essa validação das finanças da empresa-alvo antes de adquiri-la.
No fim das contas, após ter se dado conta de que havia literalmente comprado gato por lebre, Kendall demite quase todos os funcionários da Vaulter, mantendo apenas duas verticais secundárias para o negócio, o que se mostrou uma péssima decisão.
Temporada 2: PGM
Na temporada seguinte, a família Roy tenta comprar a sua concorrente, a PGM. Muito diferente dos Roy, a família Pierce preza pela credibilidade e qualidade jornalística. Buscando estabelecer um status semelhante ao dos Pierce, nada parece fazer mais sentido para os Roy do que os comprar.
Além disso, ao adquirir uma empresa basicamente do mesmo tamanho da Waystar, os acionistas da família ganhariam muito poder numa assembleia de deliberação de acionistas. Isso é muito importante numa companhia aberta, pois reduz drasticamente a chance de um hostile takeover[1] de acionistas descontentes com a família. Para fornecer um contexto maior, a Waystar recebeu a entrada de um fundo de private equity[2] para cobrir algumas dívidas antigas da companhia. Esse fundo se mostra bastante contrário às decisões de negócio da família, principalmente aquelas movidas pela emoção.
Na vida real, uma aquisição desse tipo se daria em anos de negociações, inclusive com o envolvimento de assessores financeiros que intermediariam a operação, preservando as partes para os momentos mais decisivos, além de advogados especialistas em direito concorrencial e leis antitrustes. No entanto, a série não retrata esse processo. A situação é evidenciada mostrando as duas famílias negociando diretamente em uma de suas propriedades de campo, ao longo de um final de semana.
Temporada 3: GoJo
De longe a operação a seguir é a mais inusitada da série. A GoJo é uma empresa nórdica especializada em streaming de vídeo e, novamente, aqui aparece o elemento da tecnologia como um grande diferencial competitivo buscado pela Waystar. Porém, dessa vez, a GoJo se torna tão relevante que ela acaba tentando adquirir a Waystar.
Tal compra “reversa” pode representar o fim do poder da família Roy sobre a Waystar. Esse é o motivo pelo qual os filhos de Logan Roy buscam de tudo para frear essa operação, convencendo os outros acionistas da família a criarem um bloco de votos com o intuito de vetar a venda para a GoJo.
Cabe destacar, aqui, a relevância que o planejamento familiar pode ter nos negócios, pois, nos termos da separação entre Logan e a mãe de seus filhos, ela ficou com ações da Waystar. No decorrer da operação com a GoJo, Logan Roy procura negociar com a sua ex-esposa para ter o controle sobre os direitos de votos dessas ações. Esse movimento de Logan serve para dificultar o trabalho dos filhos em obter esse bloco de votos citado no parágrafo anterior. Fica claro aqui a importância que um casamento, mesmo depois do divórcio, pode ter nos negócios e como isso pode moldar o futuro da Waystar.
Conclusão
Durante as temporadas de Succession, torna-se evidente que o principal problema enfrentado pelos personagens não se trata dos negócios em si. O que dificulta a vida dos personagens é a própria relação familiar, suas intrigas e o obstáculo na formação de uma coalizão. Inclusive, na operação com a PGM, a família se divide em dois blocos, sendo um a favor do pai e o outro composto pelos filhos, e passa a encabeçar negociações distintas com a família Pierce, que obviamente usa isso a seu favor para subir o preço da companhia concorrente à Waystar.
Logan, muito confiante que conseguiria vencer o bloco de seus filhos, acaba reduzindo a oferta para comprar a Pierce em 1 bilhão de dólares, demonstrando que investidores com excesso de ego, geralmente, carecem de preparação em seus argumentos e subavaliam os riscos de sua posição. De acordo com um célebre estudo da Universidade de Harvard, de 1978, existe um aumento de 50% na aceitação de um pedido, simplesmente porque foi feita uma justificativa junto ao pedido. O fato de Logan não ter exposto os motivos econômicos para reduzir sua oferta reduz drasticamente a chance de os acionistas da PGM aceitarem a oferta.
Por fim, é claro que Succession busca colocar o foco nos próprios protagonistas, liderando as negociações e desafiando os seus rivais e concorrentes desde o início, como uma estratégia para atrair uma legião de fãs com histórias repletas de drama familiar e personagens controversos. No entanto, na prática, isso dificilmente reflete a realidade. Em grandes conglomerados de capital aberto, o cenário é diferente, pois as negociações são mediadas por assessores de M&A, advogados especialistas, entre outros profissionais relevantes do mundo das Finanças.
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Autoria de Raphael Bloch Belizário
Consultor Associado na BLB Auditores e Consultores
Especialista em operações estruturadas de crédito, avaliação econômica e M&A
Revisão de Rodrigo Barbeti
Sócio-diretor de Consultoria Tributária, Societária e Patrimonial e M&A
[1] Pode ser considerada como a tomada do controle acionário de uma empresa, com a oposição dos membros da diretoria e/ou do conselho de administração.
[2] Fundos de investimentos que adquirem participações societárias em companhias de capital fechado, com o objetivo de alavancar o crescimento dessas companhias e vendê-las no futuro.