IFRS 16: aplicação prática da norma contábil

IFRS 16: aplicação prática da norma contábil

7 minutos de leitura

Aqui no blog já discorremos sobre o tratamento da operação de arrendamento sob a ótica contábil e, inclusive, sobre os aspectos de planejamento tributário da respectiva operação.

Em virtude de alguns comentários que recebemos sobre os assuntos, neste artigo vamos abordar um exemplo prático da aplicação da IFRS 16 na contabilidade do arrendatário, ou seja, como ficam o balanço patrimonial e a demonstração do resultado de uma empresa com aplicação da norma IFRS 16.

Recapitulando, anteriormente vimos que a IFRS 16 afetou substancialmente a contabilização dos arrendatários, pois as operações de arrendamento operacionais (na norma IAS 17) eram registradas diretamente no resultado da empresa ao longo do contrato e, consequentemente,  o arrendatário não demonstrava em suas demonstrações financeiras o “direito de uso do ativo” tampouco sua contrapartida, ou seja, o “passivo de arrendamento”.

Assim, vamos ao exemplo prático:

A “Empresa XYZ” descobriu que possuiu um contrato de locação de ativos (máquinas) e, portanto, com a adoção no novo padrão da norma de arrendamento (IFRS 16), o respectivo contrato precisa ser contabilizado nas demonstrações financeiras da empresa para o período iniciado em 1º de janeiro de 2019.

Os dados do contrato são:

  • Assinatura do contrato: 01/01/2017;
  • Período do contrato: 5 anos;
  • Pagamentos anuais da locação: $100.000;
  • Taxa de juros incremental da operação: 3% ao ano;
  • O ativo será devolvido ao arrendador no final do contrato;
  • A vida econômica do ativo é de 8 anos.

Imagine que você está efetuando o fechamento contábil da “Empresa XYZ” do exercício social de 31 de dezembro de 2019 e, consequentemente, como você apresentaria a operação acima nas demonstrações financeiras da empresa?

Vamos à resposta:

1. Contabilização do contrato utilizando a norma de arrendamento IAS 17:

Indo direto ao ponto, conforme ocorrem os pagamentos da locação (5 pagamentos de $100.000), os mesmos são reconhecidos diretamente no resultado da empresa da seguinte forma:

IFRS 16: aplicação prática da norma contábil

Ou seja, a operação de locação é oculta no balanço patrimonial (ativo ou passivo) da Empresa XYZ.

Vale ressaltar que essa contabilização não mais é aceita para as empresas que utilizam as IFRS completas.

Para as empresas que utilizam as IFRS PME (NBC TG 1000), a contabilização da operação acima é aceita, dado que não houve alteração na norma contábil para as PMEs (tanto do CPC quanto para o IASB) no momento da adoção da IFRS 16 (CPC 06 R2).

Mas como é feita a contabilização da operação de locação (descrita acima) para as empresas que adotam a IFRS 16 (CPC 06 – R2)?

Seguimos com a resposta:

2. Contabilização do contrato utilizando a norma de arrendamento IFRS 16:

2.1 Reconhecimento inicial do ativo e do passivo

Em primeiro lugar, a empresa deve reconhecer o ativo de direito de uso, bem como o passivo de arrendamento.

O passivo de arrendamento deve ser mensurado pelo valor presente dos pagamentos do arrendamento, a uma taxa de desconto “implícita” no arrendamento. Caso a taxa de desconto não seja determinada imediatamente, a empresa deve utilizar a “taxa incremental” sobre o empréstimo do arrendatário.

Considerando que a taxa incremental da operação é de 3% ao ano, segue o valor presente do passivo:

Nota: o fator de desconto no primeiro ano é calculado como: 1/((1+3%) a potência de 1 ano etc.

O valor do ativo é igual ao valor inicial do passivo de arrendamento, adicionando os custos diretos iniciais incorridos pelo arrendatário mais as estimativas de custos de remoção do ativo etc. Para fins didáticos, estamos considerando que não temos nenhum custo adicional a ser acrescentado no ativo. Consequentemente, concluímos que o custo inicial do ativo é o mesmo valor do passivo de arrendamento ($457.971).

Dessa forma, o lançamento contábil inicial do ativo e do passivo é:

IFRS 16: aplicação prática da norma contábil

Curso EAD IFRS 16 - CPC 06 (R2): Arrendamentos

2.2 Mensuração subsequente do ativo e do passivo

Dado que o ativo e o passivo possuem “vidas próprias”, consequentemente, a empresa precisa atentar-se para duas coisas:

1ª: Depreciação do ativo de direito de uso: para fins didáticos, digamos que a depreciação é linear ao longo dos 5 anos de locação e, portanto o registro contábil da depreciação anual é $91.594 ($457.971 / 5 = $91.594):

IFRS 16: aplicação prática da norma contábil

2ª: Amortização e juros do passivo de arrendamento: cada pagamento (anual) de $100.000 é dividido entre o pagamento do valor principal e dos juros do arrendamento.

Fizemos a respectiva divisão (pagamento do principal e dos juros) e vejamos o resultado na tabela a seguir:

IFRS 16: aplicação prática da norma contábil

Consequentemente, em linhas gerais a empresa deve registrar periodicamente:

  1. o acrescimento dos juros no passivo (total de $42.029); e
  2. os pagamentos do passivo de arrendamento ($500.000).

3. Por fim, vejamos como fica o impacto na demonstração do resultado da “Empresa XYZ”, utilizando da norma IAS 17 versus norma IFRS 16:

Como você pode perceber, não há impacto no resultado final da empresa, ou seja, as despesas de locação ($500 mil) foram “permutadas” pelas despesas de “depreciação e “juros financeiro” sobre arrendamento ($458 mil e $42 mil, respectivamente). Contudo, e o mais importante, no decorrer do tempo houve uma variação no resultado da empresa.

Conclusão

Procuramos demonstrar neste artigo, de forma didática, um exemplo prático da contabilização de um contrato de arrendamento.

No dia a dia das empresas existe uma maior complexidade na contabilização dos contratos, pois:

  • Existem diversos contratos de arrendamentos;
  • As taxas de juros “implícita” ou incremental” são um desafio que as empresas têm se deparado para calcular o valor presente do passivo;
  • As variações “monetárias do passivo” (índice de inflação, como exemplo) devem acrescer os valores do passivo e do ativo;
  • O passivo deve ser segregado em circulante e não circulante;
  • As alterações nos prazos dos arrendamentos são um obstáculo que as empresas enfrentam no cálculo do arrendamento; etc.

Importante observar que a norma IFRS 16 não se restringe aos arrendamentos mercantis, pois ela inclui todos os tipos de contratos que (dentro de certas condições) transferem o direito de uso de um ativo, o que pode incluir, como exemplos: locações e aluguéis de máquinas, equipamentos, veículos, imóveis; direitos de franquias; direito de uso de propriedade rural etc. Ou seja, a norma é bem abrangente e pode ser enquadrada em diversas empresas e segmentos.

O Grupo BLB Brasil possui uma equipe especializada na análise de contratos para classificação de arrendamentos, segundo as novas regras da IFRS 16, e capacitada para orientar seus clientes na aplicação das regras de transição.

O tema deste artigo está relacionado com o conteúdo do curso “IFRS 16 – CPC 06 (R2): Operações de Arrendamento Mercantil”, elaborado pela BLB Brasil Escola de Negócios, na modalidade A Distância (EAD).

Esperamos que o material tenha sido útil para você!

Remerson Galindo de Souza
Sócio-gerente de Auditoria Independente do Grupo BLB Brasil

  1. Considerando que estamos contabilizando o valor presente do contrato como Direito de Uso da Máquina no Ativo Não Circulante (Intangível), o correto não é Amortização do Direito de Uso da Máquina e não Depreciação do Direito de Uso da Máquina?

    Grato,

    1. Olá, Nelson! Agradecemos sua atenção e o interesse pelo artigo.
      Sua dúvida é muito oportuna e temos percebido esse questionamento por parte dos preparadores das demonstrações financeiras.
      Por se tratar de direito de uso de um ativo tangível (máquina, em nosso exemplo), a literatura contábil, inclusive o item “30 a” do CPC 06 (R2), trata o desgaste do ativo como “depreciação” ao invés de “amortização”. O item 31 do CPC descreve que o arrendatário deve aplicar os requisitos de depreciação do “CPC 27 – Ativo Imobilizado”.
      A moral da história é: se você tem o controle sobre o ativo, então ele é tratado como se fosse seu e, assim, você deve efetuar a “depreciação” do mesmo.
      Ficamos à disposição!

  2. Olá,
    Parabens pelo trabalho: prático, suscinto e abrangente!
    Parece-me que no quadro “controle do passivo a longo de 5 anos”, na coluna ” despesa de juros ” onde consta a formula: 3 = ( 5 x 12%) o correto seria 3 = ( 5 x 3% ).

    1. Olá, Roberto!
      Muito bem observado. Fizemos o ajuste necessário.
      Embora a fórmula da “Despesa de juros” estivesse adequada, ou seja, com o cálculo à uma taxa incremental de 3% ao ano, houve uma falha na digitação da “legenda” do quadro do controle do passivo: onde na legenda da coluna “3” estava 12%, deveria ser 3%.
      Salientamos que não houve prejuízo nos números internos dos quadros e nas contabilizações da operação do arrendamento.
      Agradecemos muito a observação efetuada, pois é de grande valia!

  3. Uma dúvida
    Em um contrato de aluguel, o valor do condomínio pode ser caracterizado como um custo direto?
    Pois é o valor do condomínio é item necessário para o arrendatário poder utilizar determinado local.

    1. Oi, Felipe!
      Em um contrato de aluguel, o condomínio compõe as mensurações iniciais do ativo e do passivo (conforme itens 23 a 28 do CPC 06 – R2).
      Ou seja, em outras palavras, o condomínio faz parte do custo do ativo e, consequentemente, da mensuração do passivo.
      Obrigado por sua mensagem. Sua dúvida pode ajudar mais pessoas!

  4. Excelente explicação, já havia verificado outros materiais feito ate curso em instituições famosas em SP, mas nenhuma esclareceu sobre o tema como essa publicação.
    Pare bens !!!

  5. Boa tarde, a explicação e o exemplo foram muito claros e super compreensível, no entanto tenho uma pequena dúvida, na tabela “valor presente do ativo” fez-se a atualização dos pagamentos e a ilustração do valor do passivo para cada ano na coluna 4, no entanto na tabela “controle do passivo ao longo dos 5 anos”, os valores anuais do passivo que encontram-se registados na coluna 4, diferem da informação que conta na tabela “valor presente do ativo” na coluna 4, o que é estranho pois essas coluna registam praticamente o mesmo valor, que é o valor atual de cada pagamento anual( valor da amortização da dívida, ou seja, o valor líquido dos juros).

    1. Olá, João! Agradecemos seu comentário e o questionamento que enviou!
      Segue nossa resposta:

      Na primeira tabela (“Valor presente do passivo”) estamos trazendo para o valor presente, na data inicial da implementação do arrendamento, o valor futuro de R$ 500.000, cujo valor presente é R$ 457.971.

      Essa “primeira tabela” não demonstra o controle do passivo. Ou seja, ela tem a finalidade de demonstrar o valor presente de cada série dos fluxos de caixas.

      Dito de outra forma e, para facilitar o nosso raciocínio, na primeira tabela (“Valor presente do passivo”) poderíamos ter um uma reta cartesiana, onde na respectiva reta teríamos 5 períodos (ou fluxos de caixa), que trazido para valor presente daria R$ 457.971.

      Por outro lado, na segunda tabela (“Controle do Passivo ao longo dos 5 anos”) estamos controlando o valor do passivo. Ou seja, a tabela inicia com o valor presente do arrendamento R$ 457.971, adiciona os juros sobre o passivo em aberto e amortiza os pagamentos.

      Resumindo, a primeira tabela (“Valor presente do passivo”) somente dialoga com a segunda tabela (“Controle do Passivo ao longo dos 5 anos”) no que tange ao saldo inicial do arrendamento. Devemos pensar na primeira tabela com uma reta cartesiana para trazermos o valor presente do passivo; e a segunda tabela com a finalidade de controlar o passivo (saldo inicial, menos pagamentos, mais juros incorridos).

      Ficamos à disposição!

  6. Gostaria de saber se posso considerar locação de terreno na norma, ele está acima de 12 meses e o valor tbm é alto

    1. Olá, Sandra!
      Inicialmente, a locação de um terreno, com valor “alto” de aluguel e por um prazo superior a 12 meses, enquadra-se no escopo do CPC 06. Dessa forma, o contrato deve ser contabilizado como um “ativo de direito de uso”.

      Recomendamos que você observe se a empresa possui controle sobre o uso desse ativo, ou seja, se obtém benefícios econômicos do seu uso, como a obtenção de recursos financeiros; e se direciona o uso do ativo de acordo com as necessidades da empresa.

      Segue abaixo alguns pontos técnicos extraídos do CPC que fundamentam a conclusão acima:
      a) Escopo do CPC 06:
      A entidade deve aplicar o CPC 06 a todos os arrendamentos, incluindo aluguéis, exceto em situações específicas tratadas por outros pronunciamentos, como exploração de recursos minerais, ativos biológicos, contratos de concessão, propriedade intelectual, receita de contrato com cliente e contratos de licenciamento.

      b) Ativos fora do escopo do CPC 06:
      O arrendatário pode decidir não reconhecer o ativo apenas para duas situações, conforme descrito no item 5 do pronunciamento CPC 06, a saber:
      arrendamentos de curto prazo e arrendamentos nos quais o ativo subjacente é de baixo valor.

      Agradecemos pela atenção dispensada à leitura do nosso material e espero que tenhamos esclarecido a sua dúvida.
      Ficas à disposição!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *