O presente artigo visa responder uma pergunta frequente sobre o aproveitamento de crédito de PIS e Cofins que os industriais têm enfrentado após a alteração realizada pela Lei 14.592/2023, que passou a exigir a exclusão do ICMS no aproveitamento de crédito dessas contribuições.
Antes de passar para o desenvolvimento, vamos estabelecer algumas premissas:
- Sobre a dúvida a ser respondida: o tema que será desenvolvido neste artigo se refere somente à situação em que a empresa industrial adquire mercadorias para a industrialização (insumos), na qual o ICMS já foi recolhido em etapa anterior – seja pelo instituto da substituição tributária, seja pela monofasia – e que, pela legislação estadual, é possível se creditar do ICMS recolhido na etapa anterior (como, por exemplo, o diesel utilizado no acionamento de máquinas ou veículos);
- Extensão do assunto: em relação à exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins, alertamos que a Lei 14.592/2023, ao nosso ver, fere o princípio constitucional da não-cumulatividade prevista na CF/88, com possibilidade de discussão para não excluir o ICMS na base dos créditos, não obstante, esse assunto não será abordado aqui;
- Limitação do conteúdo: o teor da solução que será apresentada envolve conceitos jurídicos tributários que são suficientes para um trabalho de monografia de pós-graduação, porém o intuito é ser prático e didático, e, por esse motivo, o desenvolvimento será objetivo.
Sem mais delongas, passemos ao artigo.
Desenvolvimento
Vamos colocar a situação hipotética em que uma indústria paulista que fabrica implementos agrícolas adquire diesel para acionar máquinas ou gerar energia para o processo produtivo. Ou, ainda, uma empresa do setor sucroenergético agroindustrial a qual adquire diesel para utilizar em sua atividade, sendo que, pelo regulamento paulista, o contribuinte poderá se creditar do ICMS monofásico no montante de R$ 0,9456/litro (RICMS/SP, art. 272, e Convênio ICMS 199/2022).
Nessas situações o ICMS não está destacado em campo próprio, porém o crédito é registrado no livro de entrada. A dúvida então é: o ICMS que foi creditado deverá ser excluído da base de cálculo de PIS e Cofins diante da nova previsão legal abaixo reproduzida?
Art. 3 da Lei 10.833/03 e Lei 10.637/02
§ 2º Não dará direito a crédito o valor:
III – do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição. (Incluído pela Lei nº 14.592, de 2023).
De antemão para os que querem uma resposta rápida, o nosso entendimento é que o ICMS NÃO deve ser excluído da base de cálculo de PIS e Cofins nessas situações. Vejamos os motivos.
A começar (primeiro ponto), na exposição de motivos da MP 1.159/2023, responsável por trazer, em um primeiro momento, a alteração que seria tratada pela Lei 14.592/2023, temos o seguinte:
Portanto, o valor do ICMS destacado na Nota Fiscal, conforme decisão do Supremo, não integra o preço/valor do produto, visto que apenas transita no caixa das empresas para depois ser recolhido aos estados. Logo, na apuração dos créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins na forma prescrita no inciso I do § 1º do art. 3º da Lei nº 10.833, de 2003, deve ser efetuada também a exclusão do valor do ICMS destacado na Nota Fiscal de aquisição.
O trecho acima deixa claro que se pretende equalizar a decisão proferida pelo STF, na qual o ICMS não compõe o débito de PIS e Cofins, com a citação expressa que “deve ser efetuada também a exclusão do valor do ICMS destacado na Nota Fiscal de aquisição”. Logo, nos casos de aquisição de mercadoria cujo ICMS tenha sido recolhido na etapa anterior, não há que se falar em exclusão da base das contribuições pelo simples motivo de não estar destacado na nota fiscal.
No que se refere especificamente aos combustíveis, sobre a ideia proposta pela Lei 14.592/2023, temos que expor que o PIS e a Cofins sobre o diesel são calculados na sistemática ad-rem (valor de PIS e Cofins por litragem), não sendo autorizada a exclusão do ICMS (outra questão jurídica controversa) que incidiu na operação da refinaria/distribuidor. Logo, teoricamente, os fundamentos da Lei 14.592/2023 não atingiram as operações com combustíveis sujeitos à alíquota ad-rem das contribuições.
Claro que a exposição de motivos não faz parte do comando legal introduzido no ordenamento jurídico, porém nos fornece um contexto de qual foi o intuito do legislador ao redigir a norma. E o intento da alteração foi limitar os efeitos da exclusão do ICMS da base de cálculo do débito de PIS e Cofins buscando, como mencionado mais adiante na exposição dos motivos, evitar o esvaziamento na arrecadação das contribuições após a decisão da tese do século.
O segundo ponto para não excluir o ICMS das bases do crédito de PIS e Cofins nessas situações envolve a questão do custo de aquisição. No caso de aquisição de mercadorias com ICMS recolhido anteriormente (ST) ou sujeitas ao regime monofásico, oriundas de contribuintes substituídos, o ICMS-ST está contido dentro do preço da mercadoria revendida ao industrial, o que se amolda ao § 3º do art. 3º da Lei 10.833/03 e da Lei 10.637/02.
Em outras palavras, o ICMS da operação anterior não está evidente como um tributo que compôs a formação do preço, mas sim como um custo que o fornecedor teve e que está repassando ao próximo adquirente, e, sendo um custo, gera direito ao crédito.
Ainda assim, levando em consideração apenas o conceito de custo de aquisição no qual não se contempla o crédito expresso em documento fiscal, é possível discutir que o custo financeiro (antes do crédito do ICMS) é o valor integral do documento fiscal.
Agora, passando para um nível avançado na discussão, os especialistas podem afirmar, com base no NBC TG 16, que o custo de aquisição é o valor da mercadoria subtraído dos tributos recuperáveis, o que gera a exclusão do ICMS na base de créditos do PIS e da Cofins, uma vez que, embora não destacado na nota fiscal, o valor do ICMS foi aproveitado.
Obviamente, esses são fundamentos teóricos e, por isso, passamos a analisar de maneira técnica a alteração proposta pela Lei 14.592/23, a fim de uma resposta mais concreta. Vejamos o terceiro ponto.
A nova redação dada pela Lei 14.592/2023 inclui nas leis do PIS e da Cofins a previsão para não gerar o crédito “relativo ao valor do ICMS que tenha incidido sobre a operação” (inciso XIII, § 3º, art. 1º da Lei 10.833/2003). Da interpretação desse trecho, devemos extrair alguns conceitos visando à resposta pretendida. Vejamos o detalhamento desses conceitos:
a) relativo ao valor do ICMS – pode inferir-se o quantitativo do tributo destacado no documento fiscal, ou, simplesmente, o quantitativo do fato gerador do ICMS. Pela terminologia na norma, a ideia mais plausível é: SE existe valor de ICMS destacado, ENTÃO esse deve ser excluído do crédito de PIS e Cofins. Isso porque não seria lógico dizer “valor do ICMS” se referindo à etapa anterior, mas sim à própria etapa que permite o aproveitamento do crédito (fornecedor > adquirente).
b) que tenha incidido – o verbo “incidir” no direito tributário pode ser considerado um termo bem abrangente em relação à tributação. O motivo se dá porque a incidência não está estritamente vinculada ao destaque do ICMS na circulação de mercadoria, mas sim ao fato gerador. Vale lembrar que o fato gerador do ICMS pode ser resumido como a circulação de mercadoria com intuito comercial (salvo melhor doutrina). Em outras palavras, na ocasião em que a mercadoria circula, há a incidência do ICMS, mas isso não quer dizer que, necessariamente, haverá pagamento desse imposto.
Explico melhor: há diversas hipóteses em que o ICMS incide, mas, devido a uma outra norma, a relação jurídica tributária não se completa. Por exemplo, na isenção em que há a incidência desse imposto na circulação, porém uma norma isentiva exclui o dever do contribuinte de pagar o ICMS naquela operação. Aqui, o trecho “tenha incidido” pode ser prejudicial para a questão analisada sob uma perspectiva mais dogmática, visto que, por exemplo, ainda que tenha adquirido uma mercadoria isenta de ICMS, o Fisco poderia alegar que houve a incidência desse imposto (e com a posterior exclusão do pagamento do ICMS pelo Estado), e, portanto, exigir a exclusão do ICMS da base das contribuições que deveria ter sido pago na operação. Contudo, essa concepção vive apenas no plano da teoria e precisamos analisar o outro trecho da norma.
c) sobre a operação – para concluir a interpretação do enunciado que prescreve a exclusão do ICMS da base dos créditos de PIS e Cofins, é primordial definir o conceito de “operação”. De acordo com a melhor doutrina, para o direito “operação” significa “negócio jurídico“, ou seja, uma manifestação de vontades que cria, modifica ou extingue direitos. Assim, para que um negócio jurídico seja realizado, é necessária a existência de duas pessoas (física e/ou jurídica), e também a subsunção do fato à norma, qual seja, no ICMS, a circulação de mercadorias. A bilateralidade indica apenas aquele momento, não sendo possível retroagir para momentos anteriores (Salomão, Marcelo Viana, 2000).
Desse modo, concatenando os termos mencionados até o momento, temos que:
Dado o fato de certa quantia de ICMS incidir em determinado negócio jurídico e ser destacada no documento fiscal, o contribuinte não poderá fazer o crédito de PIS e Cofins sobre essa quantia.
Quarto ponto e avançando nossa análise normativa, o texto legal foi traduzido para a nova Instrução Normativa 2.121/2022, no seu art. 171, parágrafo único, que dispõe que não gera direito ao crédito “o ICMS incidente na venda pelo fornecedor“.
IN 2.121/2022.
Dos Créditos Básicos
Art. 171. Para efeito de cálculo dos créditos de que trata esta Seção, integram o valor de aquisição:
Parágrafo único. Não geram direito a crédito:
I – o ICMS incidente na venda pelo fornecedor.
II – o ICMS a que se refere o inciso II do § 3º do art. 25 (ICMS-ST destacado pelo fornecedor)
[…]
Art. 25. Observado o disposto no art. 26, a base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins é:
§ 3º Para efeito do disposto no caput não integram a base de cálculo das contribuições os valores referentes
II – ao Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário;
Ao que tudo indica, a RFB vai ao encontro dos conceitos supracitados, uma vez que cita um negócio jurídico performado em operação de venda. É possível afirmar isso considerando um ponto interessante na redação, a condição temporal em que o verbo “incidir” foi colocado na Instrução Normativa.
Como ensinado pelos melhores doutrinadores, não existe palavra colocada por acaso no mundo jurídico. Dessa maneira, no contexto da IN, o termo “incidente” não foi empregado em vão, pois seu objetivo é descrever um aspecto específico do imposto, limitando, inclusive, o seu sentido. Em outras palavras, o adjetivo “incidente” visa, portanto, limitar a condição em que o ICMS incidirá, ou seja, apenas naquela circunstância do negócio jurídico (*venda*), e não em operações anteriores, como é o caso do ICMS-ST ou o monofásico.
Quinto ponto: em relação ao instituto da substituição tributária, vemos no inciso II do recorte do art. 171 supracitado da IN 2121/2022, outra hipótese na qual o ICMS não compõe a base de cálculo do crédito de PIS e Cofins. Notem, portanto, que temos dois tipos de exclusão do ICMS na base de cálculo dessas contribuições, sendo:
1º tipo de exclusão: ICMS próprio destacado na operação, já comentado.
2º tipo de exclusão: ICMS-ST destacado em campo próprio pelo fornecedor substituto tributário, que, embora componha o custo da aquisição pelo adquirente, não gera direito ao crédito (aqui também há uma queda de braço entre o Fisco e o contribuinte, que pode gerar oportunidade para a empresa).
Desse modo, dada a distinção entre o ICMS operação própria e o ICMS retido em operações anteriores, entendemos que, na aquisição de óleo diesel ou de outra mercadoria cujo imposto tenha sido recolhido anteriormente, não há que se falar em exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins quando lançado o crédito desse imposto no livro de entrada, visto que não há incidência de ICMS na operação de venda pelo distribuidor.
Por fim, para sanar a questão do custo de aquisição prevista na NBC TG 16, em relação ao aproveitamento do crédito permitido pela legislação estadual diante de ser um insumo do processo produtivo, nossa posição caminha no sentido de que o crédito decorre do princípio da não-cumulatividade, que permite compensar o imposto pago na cadeia anterior, a fim de evitar a tributação em cascata.
Assim, não é coerente se valer do princípio da não-cumulatividade para expandir o critério de exclusão do ICMS incidente sobre a compra, pelo simples fato de se creditar do imposto pago em etapas anteriores.
A NBC TG 16 e a não-cumulatividade são assuntos independentes que guardam conceitos e são regidos por princípios próprios, de modo que não devem refletir no quesito exclusão do ICMS na base do PIS e da Cofins. Do contrário, nos casos de crédito outorgado ou presumido de ICMS, também haveria a necessidade de exclusão desse imposto na base dos créditos de PIS e Cofins.
Conclusão
Em síntese, o intuito de excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins é limitar os efeitos da decisão da tese do século, de forma que não está relacionado com o direito ao crédito de ICMS.
Os dispositivos legais acima citados corroboram para que o ICMS-ST e o ICMS monofásico não sejam excluídos da base de cálculo, pelos seguintes motivos:
- a parcela referente ao ICMS-ST e monofásico compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins utilizada pelo fornecedor da mercadoria;
- ausência de indicação expressa de que o ICMS-ST ou o monofásico devem ser excluídos, já que tanto a lei quanto a instrução normativa determinam apenas a exclusão do ICMS-ST pelo substituto e o ICMS incidente na venda pelo fornecedor, quando destacado em campo próprio; e
- no caso hipotético, o crédito de ICMS lançado no livro de entrada não interfere no crédito de PIS e Cofins, pois o crédito do ICMS se sustenta para evitar a tributação em cascata.
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Autoria de Paulo Martesi e revisão de Pedro Magalhães
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