Convênio ICMS 178/2023 do Confaz gera conflitos entre Fisco e contribuintes

Convênio ICMS 178/2023 do Confaz gera conflitos entre Fisco e contribuintes

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O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) publicou o Convênio ICMS 178, de 01 de dezembro de 2023, que versa sobre a remessa interestadual de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade. O referido convênio foi assinado por 25 estados e o Distrito Federal, porém, não contou com a assinatura do estado do Amazonas.

O objetivo deste convênio é regulamentar o entendimento firmado no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ainda em 19/04/2021, em sede da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49,proposta pelo estado do Rio Grande do Norte, que visava declarar a constitucionalidade da cobrança de ICMS em operações de transferências interestaduais de produtos entre filiais da mesma empresa.

A edição deste convênio vem após o recente imbróglio entre o estado do Rio de Janeiro e o Confaz, haja vista que o ente federado em questão se manifestou pela não ratificação do Convênio ICMS 174/2023, fazendo com que o Confaz declarasse a rejeição do referido convênio.

A fim de contornar esse problema, o órgão então editou o Convênio ICMS 178/2023, que possui uma redação bem similar ao anterior, exceto por uma disposição que merece destaque, que diz respeito ao quórum de aprovação do convênio, não mais se sujeitando à unanimidade com a exclusão da menção à Lei Complementar nº 24/75. Nesse sentido, conforme disposto na cláusula oitava, o convênio entrará em vigor na data da sua publicação no Diário Oficial da União, e não mais a partir da sua ratificação nacional. A produção dos efeitos permanece a partir de 1 de janeiro de 2024.

Cabe mencionar que o tema em questão já havia sido pacificado no cenário jurídico nacional, de modo que tanto o STF quanto o STJ reconhecem, há muito tempo, que não deve haver a incidência do ICMS sobre a transferência de mercadorias entre estabelecimentos de mesmo titular. Deste modo, em 1992, o STJ formulou a Súmula nº 166, nestes exatos termos:

Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.

A discussão, embora já bastante maturada e balizada pelo poder judiciário, voltou à tona após o novo acórdão proferido em 19 de abril de 2023 pelos ministros do STF, em sede de análise de embargos de declaração opostos pelo procurador geral do estado do Rio Grande do Norte.

O que o STF decidiu sobre o Convênio ICMS 178?

A ADC 49 impeliu a Suprema Corte do país a tratar sobre esse assunto. Decorridos mais de 3 anos desde a propositura da ação e alguns embargos depois, os ministros proferiram as suas decisões, que, por sua vez, resultaram nos seguintes entendimentos:

  • Não deve haver a incidência de ICMS nas operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.
  • O contribuinte tem direito de manter os créditos de ICMS referentes às operações anteriores, pois não há incidência desse imposto nas operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Portanto, não há o que se falar em estorno de crédito devido ao fato de as saídas serem isentas ou não tributadas.
  • O contribuinte pode transferir os créditos de ICMS gerados em decorrência das operações anteriores. A decisão ainda estabelece que os estados disciplinem o tratamento dos mencionados créditos e, caso não o façam até o prazo limite de 31/12/2023, os contribuintes ficam autorizados a transferi-los mesmo sem a autorização dos estados.

Depreende-se, por meio da leitura do acórdão, que a incidência de ICMS em operações interestaduais entre estabelecimentos do mesmo titular é inconstitucional, sendo vedada sua cobrança a partir do exercício financeiro de 2024. Ainda, é garantida a manutenção dos créditos referentes às operações anteriores, sendo facultado ao contribuinte transferir tais créditos de ICMS entre seus estabelecimentos.

Sendo assim, é importante esclarecer sobre a modulação de efeitos de tal decisão. Como mencionado anteriormente, o Supremo já havia prolatado o acordão sobre a ADC 49, em 19 de abril de 2021. Todavia, nesse interim, houve a interposição de alguns embargos de declaração a fim de esclarecer os dispositivos da decisão. O principal deles refere-se à modulação de efeitos, já que o estado embargante, o Rio Grande do Norte, temia que tal indefinição gerasse um cenário de insegurança jurídica, que, por sua vez, poderia acarretar um grande impacto fiscal e econômico. Em contrapartida, a Suprema Corte estabeleceu que os efeitos da decisão teriam eficácia jurídica a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito, ocorrida em 19 de abril de 2021.

O que estabeleceu o Convênio ICMS 178/2023?

Embora o Confaz tenha buscado pormenorizar a decisão do STF, o que se observa, em uma leitura mais detalhada do dispositivo, é uma certa dissonância entre o que pretendia o STF e o que os estados firmaram em sede do referido convênio ICMS 178.

Vejamos, abaixo, os principais pontos estabelecidos pelos entes federados no Convênio 178:

  • A partir de 1º de janeiro de 2024, será obrigatória a transferência de crédito de ICMS nas remessas interestaduais de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade.
  • A transferência será realizada mediante a consignação do valor do imposto – em campo próprio na NF-e – que acobertar a remessa.
  • O valor do crédito a ser transferido será calculado com o imposto incluso por dentro, com base nas alíquotas interestaduais sobre o valor da mercadoria, ou no custo de produção, conforme o caso.
  • A apropriação do crédito pelo estabelecimento destinatário ocorrerá por meio de transferência do ICMS pelo estabelecimento remetente, com lançamento a débito no registro de saídas do remetente e a crédito no registro de entradas do destinatário.
  • Estabelece o registro dos créditos do ICMS para o remetente, derivados de operações antecedentes, sem afetar os benefícios fiscais concedidos pela unidade federada de origem, exceto quando necessário o lançamento de um débito.

Em suma, o convênio 178 ignora o principal ponto da decisão do STF que é “a não incidência de ICMS em operações interestaduais entre estabelecimentos do mesmo titular”, indicando, assim, contrariedade com o determinado pelo Tribunal ao tornar obrigatória a transferência dos créditos nas remessas interestaduais entre estabelecimentos do mesmo titular.

Divergências e pontos de atenção

Com base na leitura da decisão do STF acerca do tema e do acordo celebrado entre os estados, verifica-se que existem brechas e pontos obscuros quanto às disposições do convênio, que, na prática, obriga o destaque do imposto, por meio da transferência obrigatória dos créditos, algo que foi tão somente facultado ao contribuinte pelo STF, vejamos um trecho do último acórdão prolatado e publicado no dia 30 de outubro de 2023:

O reconhecimento da inconstitucionalidade da pretensão arrecadatória dos estados nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma pessoa jurídica não corresponde a não-incidência prevista no art.155, § 2º, II, ao que mantido o direito de creditamento do contribuinte.

Exaurido o prazo sem que os Estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular, fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos.

Ou seja, enquanto o Tribunal veda o destaque do imposto em tais operações, o convênio estabelece que o contribuinte deve destacá-lo, inclusive no próprio campo do ICMS.

Outro ponto de atenção reside na determinação da base de cálculo do valor do crédito a ser transferido no caso de mercadorias não industrializadas. Enquanto o convênio determina que seja calculado com base nos custos reais da produção das mercadorias, a Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir) prevê que o valor do crédito seja calculado com base no preço corrente no mercado atacadista do estabelecimento remetente. Essa divergência pode gerar insegurança jurídica para as empresas, pois não está claro qual regra deverá ser aplicada.

Cabe mencionar também a imprevisão quanto ao procedimento a ser adotado em relação ao estado do Amazonas, que não assinou o convênio. Nesse caso, conforme a disposição do STF, o mencionado ente federativo tem até o fim deste ano de 2023 para regulamentar o procedimento de transferência de crédito.

Por fim, mas não menos importante, entra em debate a constitucionalidade do convênio, que, por sua vez, buscou regulamentar uma matéria relativa à compensação de ICMS, tema esse que somente pode ser regulamentado via lei complementar, conforme estabelece a Constituição Federal em seu artigo 155, § 2º, XII, c. Isto é, a edição do convênio, por si só, é uma afronta à decisão do STF e à própria CF/1988, abrindo margem para interpretações distintas e a consequente insegurança jurídica do contribuinte.

PLP 116/2023

No mesmo sentido da recente decisão do STF, o poder legislativo buscou movimentar-se em favor dos contribuintes. Como resposta, o Senado Federal remeteu à Câmara dos Deputados, no dia 17/05/2023, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 116/2023, que pretende vedar a incidência do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) nos casos de transferência de mercadoria entre estabelecimentos do mesmo contribuinte.

A proposta exclui do texto do art. 12, inciso I, da Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir), o trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, que versa sobre o fato gerador do imposto, vedando, assim, a incidência do ICMS em transferências de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa. Essa proposta prevê ainda que as empresas terão direito a crédito relativo às operações e às prestações anteriores. Esse crédito será garantido pelo estado de destino, no caso de operações interestaduais, até o limite da alíquota interestadual, bem como pelo estado de origem, em relação ao crédito residual.

Por fim, o diploma legislativo também inclui uma opção para as empresas que desejam continuar pagando o ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos. Essa opção é destinada às empresas que desejam facilitar o aproveitamento dos créditos tributários, a exemplo de como dispõe a legislação do IPI.

O projeto foi anexado ao PLP 153/2015 e remetido ao plenário da Câmara dos Deputados na noite de 05/12/2023, sendo aprovado com 395 votos a favor. Agora, o texto segue para a sanção presidencial.

Conclusão

O contribuinte esperava que, com a edição do convênio 178, haveria mais respostas do que perguntas. Entretanto novos pontos de interrogação foram trazidos à tona, e a solução dependerá de novas disposições por parte dos estados ou, ainda, da intervenção do poder judiciário. Dessa forma, as dúvidas evidenciadas podem ser esclarecidas, proporcionando ao contribuinte segurança jurídica em suas operações.

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Autoria de Marcelo Zufi e revisão de André Luiz Moiz
Consultoria Tributária
BLB Auditores e Consultores

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