A partir do julgamento da “tese do século” (tema 69 de repercussão geral), parecia estar pacífico que o ICMS-Difal, independentemente da forma como ele se manifesta e é cobrado dos contribuintes, não deveria compor a base de cálculo para incidência do PIS e da Cofins.
Porém, ao que tudo indica, nem mesmo a fixação de uma tese em sede de repercussão geral é capaz de amenizar a insegurança jurídica que assola as questões tributárias brasileiras.
Por esse motivo, decorreram do tema 69 de repercussão geral não apenas as chamadas “teses filhotes”, mas também questões envolvendo a aplicabilidade da tese fixada pela Suprema Corte às mais diversas situações que envolvem os próprios tributos então analisados, ou seja, PIS, Cofins e ICMS.
É o caso, por exemplo, da controvérsia a respeito da incidência de PIS e Cofins sobre o ICMS cobrado no regime de substituição tributária, da discussão sobre a exclusão do ICMS na apuração do PIS e Cofins recolhidos sobre alíquota ad rem e, mais recentemente, sobre a retirada do Diferencial de Alíquotas do ICMS (Difal) da apuração da base de cálculo das referidas contribuições.
Em outras palavras, conquanto a Suprema Corte tenha pacificado que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins, ainda assim essa matéria tem retornado ao Poder Judiciário por conta das várias formas com que esses tributos são exigidos.
Considerando isso, este artigo se dedicará a tratar da não incidência de PIS e Cofins sobre o Diferencial de Alíquotas do ICMS, tendo em vista o posicionamento recente da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que favoreceu os contribuintes no julgamento do REsp 2.128.785.
O diferencial de alíquotas do ICMS e PIS/Cofins
O ICMS-Difal consiste, em síntese, no valor cobrado dos contribuintes com base no inciso VII do §2º do artigo 155 da Constituição Federal de 1988, isto é, trata-se de ICMS cobrado “nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado”.
Para essa espécie de operações e prestações, o referido dispositivo concedeu ao estado onde está o adquirente da mercadoria a prerrogativa de cobrar “imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual”.
O objetivo do ICMS-Difal é equilibrar a distribuição dos valores arrecadados a título de ICMS nas operações interestaduais, tendo em vista que, com a vigência do inciso VII do §2º do artigo 155 da Constituição Federal, os estados onde estão localizados os destinatários das mercadorias passaram a ser também favorecidos.
Essa técnica de arrecadação de ICMS teve que ser instituída para sanar problemáticas relacionadas ao e-commerce, grande responsável por viabilizar a venda interestadual de mercadorias para consumidores finais.
Porém, embora o Difal seja um método legítimo de correção das inconsistências relativas à arrecadação tributária, ele não consiste em um novo tributo. Trata-se simplesmente do próprio ICMS, recolhido sobre as circulações interestaduais de mercadoria nas quais não contribuintes figuram como destinatários. Isso tanto é verdade que a previsão constitucional dessa cobrança reside no §2º do artigo 155 da Carta Magna, ou seja, no dispositivo responsável por versar sobre o imposto estadual em questão.
Se o Difal fosse um tributo diferente do ICMS, ele certamente não seria tratado no §2º do artigo 155 da Carta Magna, mas, sim, em um artigo específico, como geralmente ocorre quando da instituição de tributos efetivamente novos (vide, por exemplo, a contribuição para custeio, expansão e melhoria do serviço de iluminação pública e de sistemas de monitoramento para segurança e preservação de logradouros públicos, prevista no artigo 149-A da Constituição Federal).
Ora, se o Difal não representa um novo tributo, é certo que a ele deveria se aplicar, sem maiores controvérsias ou contestações, a não incidência de PIS e Cofins que foi determinada no julgamento do tema 69 de repercussão geral (tese do século), pois são valores exigidos a título de ICMS.
Contudo, a grande insegurança jurídica que impera no Brasil, especialmente em questões de natureza tributária, levou os contribuintes a ingressarem em juízo antes de aplicar a tese do século aos valores referentes ao ICMS-Difal, porque se procedessem dessa forma sem a necessária proteção judicial seriam, certamente, repreendidos e autuados pela Receita Federal.
Recentemente, um desses casos chegou ao Superior Tribunal de Justiça na forma do Recurso Especial nº 2.128.785/RS, que foi julgado favoravelmente ao contribuinte no sentido de determinar a exclusão do ICMS-Difal da base de cálculo do PIS e da Cofins, conforme se verifica na ementa do referido precedente:
TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489 E 927 DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (ICMS). DIFERENCIAL DE ALÍQUOTAS (Difal). INCLUSÃO NAS BASES DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO AO PIS E DA Cofins. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO À COMPENSAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I – A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade ou deficiência de fundamentação. II – O ICMS-Difal é mera sistemática de cálculo de um único imposto – o ICMS–, com idênticos aspectos material, espacial, temporal e pessoal, diferenciando-se, tão somente, quanto ao aspecto quantitativo, mais precisamente, quanto ao incremento de alíquota a ser considerado para o cálculo do valor devido pelo contribuinte e do ulterior direcionamento do respectivo produto da arrecadação. Assim, aplica-se a ele as mesmas teses fixadas nos Temas n. 69/STF e 1.125/STJ. III – O diferencial de alíquotas do ICMS (Difal) não integra as bases de cálculo da contribuição para o PIS e da Cofins. IV – Tratando-se de mandado de segurança impetrado com vista a declarar o direito à compensação tributária, é suficiente a comprovação de que o impetrante ocupa a posição de credor tributário, porquanto os comprovantes de recolhimento indevido do tribuno serão exigidos posteriormente, na esfera administrativa, quando o procedimento de compensação for submetido à verificação pelo Fisco. Precedente. V – Recurso Especial provido. (REsp 2.128.785/RS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 12/11/2024, DJe de 19/11/2024).
Como visto acima, após julgar a exclusão do ICMS-ST da base de cálculo do PIS e da Cofins, o Superior Tribunal de Justiça teve que, mais uma vez, agora em relação ao ICMS-Difal, esclarecer que as diversas formas pelas quais o imposto estadual é cobrado não afastam o entendimento fixado na tese do século.
Tanto é que um os principais motivos pelo qual o REsp 2.128.785/RS foi provido em favor do contribuinte consiste, como já dito, no fato de que o Difal é mera técnica de tributação relativa ao ICMS, não havendo razões para que o tema 69 de repercussão geral não seja aplicado. Vejamos o respectivo trecho do voto da Ministra Regina Helena Costa:
Com efeito, extrai-se do regramento do Difal constante do art. 155, caput, II, e § 2º, VII, da Constituição da República, cuida-se de mera técnica de tributação mediante a qual se incrementa o aspecto quantitativo do ICMS quando, em operações empreendidas entre unidades federativas distintas, a alíquota interestadual é inferior àquela praticada internamente no Estado de destino, configurando, assim, mecanismo voltado a equilibrar a repartição de receitas tributárias por meio da destinação de parcela de sua arrecadação a pessoas políticas distintas.
Dessarte, o Difal não consiste em nova modalidade de tributo; ao revés, traduz-se em mera sistemática de cálculo do ICMS, com idênticos aspectos material, espacial, temporal e pessoal, diferenciando-se, tão somente, o seu aspecto quantitativo, mais precisamente quanto ao acréscimo de alíquota a ser considerado para o cálculo do valor devido pelo contribuinte e do ulterior direcionamento do respectivo produto da arrecadação.
Nesta linha de raciocínio, tratando-se o Difal de mera sistemática de apuração de um único imposto – o ICMS –, não há razões para aplicar-se-lhe intelecção distinta, uma vez que se trata de um mesmo tributo, com mesmo regime jurídico, sendo idêntica, ainda, a respectiva legislação aplicada, diferenciando-se do ICMS Próprio tão somente quanto ao acréscimo de alíquota em contextos de operações interestaduais. (Voto da Relatora Ministra Regina Helena Costa no REsp 2.128.785/RS, Primeira Turma, julgado em 12/11/2024, DJe de 19/11/2024).
Dessa forma, embora se possa dizer que, em termos teóricos, já era incontroversa a aplicabilidade da tese do século em relação ao ICMS-Difal, não se pode ignorar a relevância do REsp 2.128.785/RS no tocante ao fornecimento de segurança jurídica para essa matéria, cabendo aos contribuintes, então, tomar as providências cabíveis para evitar recolhimentos indevidos de PIS e de Cofins e para buscar a repetição dos respectivos indébitos.
PIS e Cofins não incidem sobre ICMS-Difal
Diante do que foi exposto, só há como concluir que a não incidência de PIS e Cofins sobre o ICMS-Difal é um direito dos contribuintes, por ser plenamente aplicável a tais valores a tese do século fixada no julgamento do tema 69 de repercussão geral, de modo que se faz recomendável a adoção das medidas cabíveis no sentido de evitar o recolhimento indevido de tais contribuições e, ainda, de reaver eventuais indébitos já pagos.
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Autoria de Heitor Fabbris e revisão técnica de André Moiz
Consultoria Tributária
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