Ao final do ano de 2023, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, promulgou a Lei nº 14.784/2023, prorrogando até 31 de dezembro de 2027 a redução de alíquota, de 20% para 8%, da contribuição previdenciária sobre a folha aplicável a municípios com população de até 142.632 habitantes. Além disso, essa lei também tratou da desoneração da folha de pagamento para os 17 setores da economia que mais empregam no país. Tais setores incluem confecção e vestuário, calçados, construção civil, call center, comunicação, construção e obras de infraestrutura, tecnologia da informação (TI), transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas, entre outros.
O Projeto de Lei (PL) 334/2023, que deu origem à lei supracitada, foi vetado integralmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na exposição de motivos enviada ao legislativo, foi destacada a inconstitucionalidade do PL, pois a medida “cria renúncia de receita sem apresentar demonstrativo de impacto orçamentário-financeiro para o ano corrente e os dois seguintes, com memória de cálculo, e sem indicar as medidas de compensação” (VET 38/2023). Contudo, o Congresso Nacional derrubou o veto e a lei foi promulgada e publicada na última semana de dezembro de 2023.
Um dia após a promulgação da Lei nº 14.784/2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou a medida provisória (MP) 1.202/2023. Essa MP, conforme detalhado no artigo “Revogação parcial da MP 1.202/2023 mantém desoneração da folha de pagamento”, previa a reoneração gradual da folha de pagamentos e a revogação da alíquota reduzida da contribuição sobre a folha para determinados municípios. Além disso, tal medida provisória também tratava sobre outros assuntos relevantes para o incremento da arrecadação federal, tais como a limitação de compensações tributárias decorrentes de decisões judiciais e a retomada da tributação sobre o setor de eventos. Contudo, os itens relacionados à desoneração da folha foram excluídos do texto e estão sendo tratados em projetos de lei separados.
Contexto
Em um breve histórico, a desoneração da folha começou a valer como medida temporária em 2012 e, com ela, as empresas beneficiadas poderiam substituir o recolhimento de 20% da contribuição sobre a folha de salários por alíquotas de 1% até 4,5% sobre a receita bruta. A principal motivação por trás dessa medida era proporcionar às empresas um alívio em suas contas, a fim de evitar possíveis demissões e incentivar a contratação de mais funcionários.
A desoneração terminaria em 2020, mas o Congresso Nacional aprovou a prorrogação até o fim de 2021. Na época, o então presidente, Jair Bolsonaro (2019-2022), chegou a vetar a prorrogação, mas o Congresso derrubou o veto e estendeu a desoneração até o final de 2021. Durante o governo de Bolsonaro, a medida foi prorrogada por duas vezes e, na época, o movimento foi crucial para a sobrevivência de diversas empresas na pandemia da Covid-19.
O autor do PL 334/2023, Efraim Filho (União-PB), que prorrogou por mais quatro anos a desoneração da folha salarial, inclusive enfatizou que a principal finalidade dessa política pública era “tirar pais, mães e jovens da fila do desemprego e, com o suor do seu rosto, colocar o pão na mesa da sua casa”.
Contudo, no dia 24 de abril de 2024, o presidente da República, por meio do advogado-geral da União, protocolou perante o Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) cumulada com Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADI 7633. Essa ação visa “questionar os artigos 1º, 2º, 4º e 5º da Lei 14.784/2023, originada pelo Projeto de Lei 334/2023, que (i) prorrogaram, até 31 de dezembro de 2027, a vigência do benefício fiscal da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB – incidente sobre setores específicos da economia; (ii) diminuíram para 8% (oito por cento) a alíquota da Contribuição Previdenciária patronal incidente sobre a folha de pagamento de determinados Municípios; (iii) diminuíram a alíquota da CPRB para setor específico.”
Além disso, tal ação também busca a declaração de constitucionalidade do artigo 4º da MP 1.202/2023, que estipulou limites para a compensação de créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado.
Ajuizamento e votos sobre a desoneração da folha de pagamento em 2024
Um dia após o ajuizamento, em 25 de abril de 2024, o relator do caso, o ministro Cristiano Zanin, concedeu em parte a medida cautelar requerida para suspender a eficácia dos artigos 1º, 2º, 4º e 5º da Lei nº 14.784/2023. Sua decisão foi pautada na seguinte alegação: “enquanto não sobrevier demonstração do cumprimento do estabelecido no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (com a oportunidade do necessário diálogo institucional) ou até o ulterior e definitivo julgamento do mérito da presente ação pelo Supremo Tribunal Federal”.
Com efeito, o art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) assim dispõe:
Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.
Na visão do ministro relator, a inobservância dessa condição torna imperativa a atuação do Supremo na função de promover a compatibilidade da legislação com a Constituição da República. Ele afirmou ainda que a manutenção da norma poderá gerar desajuste significativo nas contas públicas e um esvaziamento do regime fiscal, sendo que a suspensão da eficácia dos artigos acima citados busca preservar as contas públicas e a sustentabilidade orçamentária.
A decisão foi submetida a referendo no Plenário Virtual do Supremo para confirmação ou não de tal deliberação no dia 26 de abril de 2024 e seguiria até o dia 06 de maio, caso não houvesse nenhum pedido de destaque ou vista. Por ora, os ministros Flávio Dino, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin votaram acompanhando o relator Cristiano Zanin.
Contudo, houve um pedido de vista formulado pelo ministro Luiz Fux, motivo pelo qual o julgamento encontra-se suspenso. Por enquanto, o placar no plenário está 5 a 0, a favor da suspensão de trechos da lei que prorrogaram a desoneração da folha de pagamentos até 2027.
A medida cautelar concedida pelo ministro Zanin produz efeitos imediatos, de acordo com o art. 21, § 5º do Regimento Interno do STF. Todavia, o Plenário do Supremo ainda deverá confirmar ou não a deliberação do ministro relator. Caso confirmada, a medida passa a ter efeito ex nunc[1] e é dotada de eficácia erga omnes (contra todos), de acordo com a Lei nº 9.868/1999. Além disso, ela também adquire efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Nesse caso, considerando que a contribuição previdenciária patronal das empresas é recolhida todo dia 20 de cada mês, a partir do dia 20 de maio, os contribuintes que anteriormente efetuavam o recolhimento da contribuição sobre o faturamento deverão fazê-lo sobre a folha de salários. Também, no dia 01 de maio, a Receita Federal publicou o esclarecimento da decisão do ministro Cristiano Zanin acerca do assunto.
Na nota de esclarecimento, consta que o ministro suspendeu, “por decisão cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7633, os efeitos de dispositivos legais da Lei nº 14.784/2023, que prorrogavam a desoneração da folha de pagamento de municípios e de diversos setores produtivos até 2027”. Sendo assim, a decisão passa a ter efeitos a partir de sua publicação, que ocorreu em 26 de abril de 2024, no Diário da Justiça Eletrônico (DJE).
Dessa maneira, tal comunicado informa que “a Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB foi suspensa, de forma que todas as empresas antes contempladas devem passar a recolher as contribuições previdenciárias sobre a folha de pagamentos nos termos do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991”. Além disso, “a alíquota de contribuição sobre a folha de pagamentos dos municípios contemplados anteriormente pela redução para 8%, volta a ser de 20%.”
Ao final, a nota de esclarecimento conclui com a seguinte instrução: “considerando que a decisão foi publicada em 26 de abril de 2024 e que o fato gerador das contribuições é mensal, a decisão judicial deve ser aplicada inclusive às contribuições devidas relativas à competência abril de 2024, cujo prazo de recolhimento é até o dia 20 de maio de 2024.” Por outro lado, caso a medida cautelar não seja confirmada pelo Plenário, a decisão não produzirá efeitos erga omnes e vinculantes.
Vale dizer, por fim, que a análise de uma medida cautelar em sede de ADI pelo STF não é um pronunciamento definitivo sobre o tema. Trata-se de uma decisão provisória, sendo que a decisão de mérito somente ocorrerá posteriormente. Dessa maneira, caso a medida cautelar seja indeferida, isso não significará que foi reconhecida a constitucionalidade dos artigos impugnados.
Inclusive, Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, já se manifestou sobre a atitude do Poder Executivo – de pedir ao STF a suspensão de trechos da Lei nº 14.784/2023, que prorrogam a desoneração da folha de pagamento de empresas e prefeituras até 2027 –, classificando-a como um erro ao “judicializar a política”.
Sem dúvidas, a decisão adicionou um novo capítulo ao dilema da desoneração da folha de pagamentos e instaurou um cenário de enorme insegurança jurídica.
Caso queira saber mais sobre o assunto, entre em contato conosco. A equipe especializada em Consultoria Tributária da BLB está pronta para ajudar.
Autoria de Gabriela Cunha
Contencioso Tributário
BLB Auditores e Consultores
Revisão de Alessandra Cardoso
Consultoria Tributária
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[1] Quando os efeitos da concessão de medida cautelar não afetam o passado, ou seja, não irão desconstituir situações pretéritas.