Como sabemos, a distribuição de lucros e dividendos no Brasil é isenta do imposto de renda desde janeiro de 1996, quando a Lei 9.249/95 dispensou tal incidência ao conceder a isenção sobre esses valores recebidos tanto por pessoa física quanto por pessoa jurídica.
Assim, desde então não houve mais incidência de imposto de renda sobre os valores recebidos a título de distribuição de lucros. Ocorre que até 2007 as regras contábeis brasileiras ainda não seguiam o padrão internacional, ou seja, as International Financial Reporting Standards conhecidas atualmente apenas pelas siglas IFRS.
Na prática, isso significa que até 2007 não havia qualquer tratativa a ser considerada em relação ao lucro passível de distribuição sem a incidência do imposto de renda, uma vez que não havia distinção entre as regras contábeis para efeito societário e as regras contábeis para efeitos tributários.
Ocorre que em dezembro de 2007 foi publicada a Lei 11.638/07 alterando a Lei 6.404/76 com o objetivo de implantar o padrão internacional de contabilidade no Brasil. Neste ponto é importante entender que as alterações promovidas pelo IFRS nos critérios de reconhecimento de receita e despesa trouxeram impactos relevantes na apuração do resultado das companhias, consequentemente no lucro apurado.
A partir de então, a implementação dos padrões internacionais de contabilidade passou a influenciar, de forma relevante, no conceito de lucro a distribuir com isenção do imposto sobre a renda.
Regime Tributário de Transição e Regime Tributário Definitivo
Em um primeiro momento, como a referida lei foi aprovada com a condição de não impactar a apuração dos tributos, foi criado um mecanismo de transição que ficou conhecido como Regime Tributário de Transição (RTT) e que vigorou de 2008 a 2013.
Durante esse período os contribuintes eram obrigados a elaborar duas contabilidades, sendo uma respeitando as regras internacionais de contabilidade e outra considerando o modelo brasileiro em vigor até 2007.
Nesse caso, o lucro passível de distribuição sem a incidência de imposto de renda era aquele obtido por meio da observação das regras antigas, ou seja, vigentes até dezembro de 2007.
A partir de 2014, com a publicação da lei 12.973/14, foi instituído o que chamamos de Regime Tributário Definitivo (RTD) pelo qual, em linhas gerais, ficou estabelecido que haveria apenas uma contabilidade e todos os efeitos trazidos pelas regras internacionais de contabilidade devem ser ajustados diretamente nas obrigações acessórias de cada tributo (LALUR, EFD-Contribuições etc.).
Assim, deixou de existir as duas contabilidades – societária e tributária – e consequentemente a apuração de dois resultados diferentes. Com isso, firmou-se o entendimento de que o lucro passível de distribuição com isenção do imposto de renda, a partir de janeiro de 2014, é aquele apurado observando-se as regras e critérios contábeis estabelecidos pela contabilidade internacional, regras essas que foram regulamentadas por meio do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC).
Apesar de haver mais de dez anos da implementação do padrão internacional, percebemos ainda muitos questionamentos, principalmente pelos gestores das pequenas e médias empresas, da obrigatoriedade e possíveis penalidades pela não observância do IFRS. Nesse ponto fica claro que um dos impactos, inclusive do ponto de vista tributário, está no resultado apurado sem a observação do padrão internacional.
Percebam que desde 2014 o único conceito de lucro para efeito de distribuição sem a incidência de imposto de renda é aquele apurado respeitando, criteriosamente, as regras definidas pelos CPCs. A não observação dessas regras pode resultar na apuração de lucros superiores, o que traria um risco tributário na sua distribuição, ou ainda lucros inferiores, o que seria prejudicial aos sócios e acionistas da empresa.
Além disso, outros riscos tributários começam a surgir como, por exemplo, a apuração do Juros Sobre Capital Próprio (JSCP) sobre um saldo de patrimônio líquido (considerando o acúmulo de lucros apurados indevidamente) calculado sem a observância do padrão internacional.
Como se não bastasse, existe também o risco societário, uma vez que a legislação societária também prevê que o resultado – consequentemente o lucro a ser distribuído – deve ser apurado com base na legislação comercial brasileira, que por sua vez foi atualizada visando à padronização à norma internacional.
Assim, fica evidente que uma possível distribuição de lucros acima do que é permitido pela legislação societária pode significar um crime de responsabilidade pelos administradores das empresas.
Apuração do lucro
Para não ficarmos apenas nos conceitos, vamos analisar um exemplo do impacto na apuração do lucro contábil decorrente da não aplicação dos CPCs.
Para isso vamos considerar que uma empresa possui um ativo imobilizado de R$ 10 milhões cuja taxa de depreciação, considerando o critério fiscal (utilizado pela empresa), seja de 5% ao ano, porém, levando consideração o critério contábil (CPC 27) a taxa seria de 20% ano.
Com essas premissas, vamos aos efeitos na apuração do lucro contábil passível de distribuição:
Percebam que ao não observar o critério contábil (CPC 27) para efeitos societários, o lucro apurado seria R$ 1,5 milhão maior e fatalmente seria distribuído. Nesse caso, fica claro que o lucro distribuído está acima do valor do lucro levando em consideração os critérios contábeis conforme condiciona a legislação para efeito de distribuição de lucro isento do imposto de renda.
Vejam que estamos falando de apenas um exemplo (depreciação) de impacto na apuração do lucro decorrente da não observação dos CPCs e, considerando que já possuímos 49 CPCs publicados, o efeito pode ser ainda mais relevante neste sentido.
Fica evidente, portanto, a necessidade de observação integral da contabilidade com padrão internacional. A BLB Brasil possui uma equipe absolutamente preparada para implementar o IFRS na sua empresa ou, caso sua empresa já aplique, certificar da correta interpretação e aplicação das normas contábeis por meio de nosso trabalho de auditoria das demonstrações financeiras.
Daniel de Faria
Diretor de Tributos do Grupo BLB Brasil
O autor fala em pequenas e médias empresas, no sentido de também seguirem os procedimentos ditados pelas Normas IFRS ou mesmo as normas CPCs que podem ser um pouco diferentes em alguns aspectos. Mas o que eu considero mais importantes são as normas ditadas pelo Conselho Federal de Contabilidade para as microentidades. Seria interessante um artigo sobre essas microentidades.