Em agosto de 2020, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) decidiu a redução da taxa Selic de 2,25 % para 2,00% ao ano. Com isso, a taxa atingiu novamente seu patamar mais baixo em toda a sua história (desde 1999). Um fato importante é que, com a taxa Selic em um patamar mais baixo, os custos de investimento como a taxa de administração dos fundos e a taxa de administração/corretagem do Tesouro Direto representam um peso bastante significativo no desempenho destes investimentos, quando aplicável. Dessa forma investidores estão buscando alternativas para diversificarem a sua carteira de investimentos.
Por que empreendedores/startups buscam investidores?
A dificuldade de acesso ao crédito (instituições financeiras) e a necessidade de “caixa” para validação do modelo de negócio fazem empreendedores procurarem alternativas de alavancagem, como muitas empresas/startups com o caixa afetado pela pandemia.
Durante essas validações, pessoas e serviços serão contratados, gerando renda, o que por sua vez resultará em consumo. De olho nessa procura de investimentos, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu flexibilizar temporariamente a captação por equity crowdfunding.
Essa modalidade permite vender uma participação na empresa em troca de recursos por meio de uma plataforma 100% digital. Trataremos brevemente do crowdfunding e outras modalidades de investimentos a seguir.
Por que investir em startups?
Investir em empresas de capital fechado, especialmente em startups, tem um papel relevante no crescimento dessas empresas, na geração de empregos e, consequentemente, no nível de renda de um país. Esse é um dos fatores que tornam o ecossistema de startups tão relevante, especialmente em momentos de crise como o cenário atual trazido pelo COVID-19.
Investir em uma startup é comprar uma parte da empresa – uma fatia de participação societária (equity) e controlada via captable.
Os retornos dessas “compras de quota da sociedade” geralmente acontecem quando o investidor vende sua participação no futuro por um preço maior. Contudo, dependerá do sucesso da startup para realizar um bom retorno nessa venda. O retorno no investimento será a diferença entre o preço que o investidor pagou por sua parte da empresa (valor investido) e o preço que recebeu na venda. Investidores-anjos e fundos de venture capital chamam essa venda de “saída” (exit) do investimento, e é a grande meta ao investir em startups.
O cenário de aumento dos investimentos (PF) em startups no Brasil
Muitos investidores individuais (pessoa física) também começaram a investir em startups. O acesso a esse tipo de investimento cresceu pela facilidade de investimentos em plataformas de crowdfunding e a Taxa Selic baixa.
O chamado crowdfunding de investimentos (por um bom tempo chamado de equity crowdfunding, hoje em desuso) foi regulamentado pela CVM em 13/07/2017 por meio da Instrução Normativa CVM 588. De acordo com normas regulatórias, as empresas que desejam fazer oferta pública de investimentos coletivos podem arrecadar um montante de até 5 milhões de reais.
No total, quase 9 mil investidores usaram as plataformas digitais, conhecidas como crowdfunding, para investir em startups, segundo dados da CVM, dados divulgados pela Folha de S. Paulo.
Segundo levantamento realizado pela CapTable, em 2019 foram contabilizados R$ 78.758.300 em aportes na modalidade, 71,19% maior em relação ao aportado em 2018. Os números levaram em consideração as informações de rodadas concluídas em 13 plataformas de crowdfunding de investimentos com atuação no Brasil registradas pela CVM.
O que é investimento-anjo?
A Anjos do Brasil define investimento-anjo como investimentos em empresas nascentes inovadoras (startups) efetuado por pessoas físicas com capital próprio, agregando valor aos empreendedores através de sua experiência, conhecimento e rede de relacionamento.
O investimento-anjo normalmente é efetuado por um grupo de investidores em conjunto, visando tanto à diluição de riscos quanto ao aumento e à diversidade no apoio aos empreendedores.
Abaixo o gráfico extraído do relatório “O crescimento do Investimento-anjo – Pesquisa 2020 ano base 2019”, realizada pela Anjos do Brasil.
Quais são os contratos/meios de investimentos mais utilizados em startups?
Dentro deste cenário surge o Contrato de Mútuo Conversível ou Notas Conversíveis em Ações. Em curtas palavras, esse contrato se assemelha a um empréstimo no qual o valor investido pode ser convertido em ações na empresa no futuro, conforme estipulado em contrato.
Portanto, o investidor interessado realiza um aporte na empresa, tornando-se um credor, e ao cumprir as condições e termos compactuados ou encerrando o prazo determinado, o investidor terá duas opções: receber o crédito com correção ou converter em participação societária da empresa. Os valores das participações e maiores detalhamentos deverão ser especificados no contrato.
Esse contrato é muito comum no mundo empresarial e amplamente reconhecido nos setores jurídicos. Nesse sentido, encontra-se uma segurança maior para os investidores aplicarem, tendo em vista que esse tipo de aporte nas empresas o investidor não ingressa imediatamente no quadro social da sociedade, adiando esse momento até que algumas etapas já tenham sido alcançadas pela startup investida.
Assim, resta claro que esse modelo contratual vem para trazer uma segurança no mundo imprevisível das startups. Ademais, para que o Mútuo tenha sua finalidade adequada, é de suma importância a elaboração de um memorando de entendimentos.
Insight ao empreendedor: é fundamental compreender que, na busca pela captação de recursos, a sociedade passará a contar com novos sócios e haverá a diluição da participação dos fundadores. Essa redução – o fato de que o sócio passa a deter uma parcela menor do capital social – não significa o encolhimento do valor patrimonial de sua participação. Ele terá uma fatia percentualmente menor da empresa, mas sua participação poderá ter um valor maior como resultado de uma operação de investimento.
Além do Mútuo Conversível em ações existe outra possibilidade de investimento?
Sim, existe o contrato de participação em investimento-anjo e opção de compra ou subscrição, de que falaremos a seguir:
· Contrato de Participação em Investimento-anjo
A Lei Complementar 155/2016 criou uma nova modalidade de investimento-anjo e trouxe seu respectivo instrumento, o Contrato de Participação. A principal novidade da lei, que gera benefícios para o empreendedor e o investidor, é a distinção entre investimento-anjo e participação societária. O investidor-anjo não se torna sócio da empresa.
Esse modelo, por conta de a lei complementar definir uma série de obrigações e garantias, possui menos flexibilidade contratual que o mútuo conversível, por exemplo.
· Opção de Compra ou Subscrição
O contrato de opção de compra é, por sua própria natureza, uma obrigação alternativa: cabe ao titular da opção de compra (i) exercer seu direito de comprar quotas ou ações da empresa (ou subscrever quotas ou ações do capital social), conforme os preços e prazos fixados em contrato, ou (ii) renunciar a esse direito, hipótese em que não há qualquer efeito contratual para as partes.
Em geral, os valores previstos em um contrato de opção somente são aportados na data de exercício da opção, caso ocorra (o chamado preço de exercício da opção). Há a possibilidade de disponibilizar um valor para a empresa a partir da assinatura do contrato, a título de prêmio de opção; todavia, essa modalidade é sujeita à tributação do Imposto de Renda, à alíquota de 15%.
A importância do memorando de entendimentos antes dos contratos definitivos?
Tendo em vista que o investidor não é um sócio da empresa durante a vigência do contrato, é pertinente a elaboração de um documento que contenha detalhadamente tudo o que foi acordado e a previsão de solução para hipóteses. Assim, o memorando é uma forma complementar do contrato, de forma a deixar claro o que foi compactuado, alinhar expectativas, entrada e saída de sócio, entre outros.
Vale ressaltar que em investimentos coletivos via crowdfunding não é prática a elaboração do memorando com os investidores, devido à quantidade de investidores e o montante investido não ser tão expressivo.
Quais são os riscos dos investimentos em startups para o investidor?
Como falamos anteriormente, o contrato possui um prazo pelo qual o investidor disponibiliza seus recursos. Nesse tipo de contrato, o investidor é isento de qualquer risco de ser responsável por passivos da empresa (ação trabalhista, imposto não pago, indenizações etc.), pois no momento do investimento, o investidor não se torna sócio nem acionista, e somente no futuro (em 4 anos, por exemplo), ou seja, após o vencimento do contrato, o investidor poderá converter o valor investido em uma porcentagem da startup/ações ou também separar-se do negócio (varia muito conforme negociações e alinhamento).
O risco que vai se tomar é inversamente proporcional ao estágio da empresa. Quanto mais no início, maior é o risco. Assim como o tempo de retorno, quanto mais no início, maior será o tempo para retorno. Portanto maior será o retorno sobre o investimento, caso o projeto e a execução deem certo.
O risco real a que o investidor está exposto é a perda integral do valor investido se a empresa não atingir a eficiência operacional desejada ou deixar de existir após o investimento. É um investimento de alto risco, já que não há como garantir que esta irá prosperar ou se irá faturar os valores previstos inicialmente no projeto de captação de investimento.
Portanto, o fato de investir por meio do Mútuo Conversível é um modo mais seguro de investimento, sim. As cláusulas contratuais, bem como o memorando de investimentos afastam diversas hipóteses que causariam atrito entre investidor e empreendedor. No entanto, como qualquer investimento, poderá haver a imprevisibilidade, estando configurado o risco da operação.
Descrevemos abaixo os principais riscos relacionados a esse investimento, contudo não se limitam somente ao citado aqui:
- Risco relacionado à liquidez
O retorno do investimento dependerá do sucesso da sociedade empresária de pequeno porte e que pode variar das apresentadas nesta análise.
- Riscos relacionados à rentabilidade do investimento
O investimento em um projeto é uma aplicação de renda variável, o que pressupõe que a rentabilidade do investidor dependerá do resultado da empresa que desenvolverá o projeto, podendo inclusive perder todo o capital investido.
- Não existência de garantia de eliminação de riscos por parte da administradora das sociedades empresárias de pequeno porte
A exposição do investidor aos riscos aos quais as sociedades empresárias de pequeno porte estão sujeitas poderá acarretar perdas para os investidores.
- Tributários
O risco tributário consiste basicamente na possibilidade de perdas decorrentes de eventual alteração da legislação tributária, mediante a criação de novos tributos, interpretação diversa da atual sobre a incidência de quaisquer tributos ou a revogação de isenções vigentes, sujeitando as sociedades empresárias de pequeno porte ou seus investidores a novos recolhimentos não previstos inicialmente.
- Relacionados à economia brasileira e a fatores macroeconômicos
Os investimentos em sociedades empresárias de pequeno porte, estão sujeitos às políticas governamentais, que podem influenciar de forma significativa (positiva ou negativa) os rendimentos dos ativos que comporão o patrimônio da sociedade empresária de pequeno porte e, consequentemente, de seus investidores.
- Risco institucional
Por sermos um país em desenvolvimento estamos sujeitos a reformas administrativas, sociais, fiscais, políticas, trabalhistas, dentre outras, as quais se fazem necessárias para dotar o Brasil de estrutura mais moderna, de forma a alcançar níveis sociais e econômicos capazes de torná-lo socialmente mais desenvolvido e competitivo no âmbito da economia mundial, atraindo dessa forma os capitais de que necessita para o seu crescimento.
- Relativos à atividade comercial
É característica das vendas sofrerem variações em seus valores em função do comportamento da economia como um todo. Deve ser destacado que alguns fatores podem ocasionar o desaquecimento de diversos setores da economia, principalmente em decorrência das crises econômicas, sejam elas oriundas de outros países ou mesmo do nosso, com reflexo na redução do poder aquisitivo em geral, ou até mesmo pela falta de segurança na cidade onde atuam as sociedades empresárias de pequeno porte, acarretando, por exemplo, redução nos valores das vendas ou na redução da velocidade de venda.
- Da taxa de mortalidade das empresas de pequeno porte no Brasil
Segundo o Estudo de Sobrevivência das Empresas no Brasil realizado pelo Sebrae e publicado em 10/2016, a taxa de mortalidade de microempresas de 2 anos é de 45%, enquanto de empresas de pequeno porte é de 2%. O estudo foi realizado levando em conta empresas que foram constituídas em 2012.
Conclusão
Diante do aumento dos investidores em capital de risco e novas startups surgindo, o empreendedorismo ainda carece de incentivos não só do governo, mas da sociedade como um todo.
Como o sistema tributário no Brasil não foi estruturado pensando nessa fomentação, cabe a empreendedores e investidores se resguardarem por uma assessoria jurídica especializada, pelas plataformas de crowdfuding e fundos de venture capital.
Quanto às modalidades de investimentos aqui tratadas: cada contrato possui suas peculiaridades, que será mais benéfico à medida que se adequar à realidade de cada startup e investidor.
Na BLB Ventures consideremos que o Mútuo, alinhado a um acordo de sócios ou memorando de entendimentos, estruturado em princípios de governança corporativa e com as devidas disposições contratuais adequadas, dará um melhor apoio na relação entre investidor e fundador, respeitando a segurança e responsabilidades das partes.
Destaca-se que a construção de um portfólio diversificado, aliado a contratos jurídicos bem estruturados por parte do investidor é o maior mitigador dos riscos envolvidos no investimento em sociedades empresárias de pequeno porte. Nossa recomendação é que o investidor defina sua tese de investimentos, procurem por startups com boa estrutura de Governança Corporativa (adequado à sua fase). Fundos private equity, venture capital e plataformas de crowdfunding são também uma excelente alternativa, visto sua regulamentação e a competência destes fundos.
Henrique Martins Galvani (CFO da BLB Ventures) e Salwa Nessrallah (Consultora tributária pela BLB Brasil Auditores e Consultores)