Tributação do etanol: irregularidade do Decreto 9.101/17 e o aumento indevido de PIS e Cofins

Tributação do etanol: irregularidade do Decreto 9.101/17 e o aumento indevido de PIS e Cofins

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Contextualização

Podemos dizer que os tributos são a principal fonte de renda dos entes federados, em estrito respeito ao Sistema Tributário Nacional, insculpido na Constituição Federal. Tal afirmativa, nos leva sem dúvida a uma constatação óbvia, qual seja, a de que o cenário político é quem rege o panorama tributário.

Dito isso, lembramos que em meados de 2014 o país já apresentava sinais de recessão econômica, fato que se concretizou no ano de 2015 com o recuo do PIB brasileiro em cerca de 3,8% segundo o IBGE, em comparação ao ano anterior, fator esse apontado por especialistas como um dos motores que, junto à desastrosa gestão e à perda de popularidade, resultou no impeachment da Presidente Dilma Roussef em 2016.

O governo empossado na sequência, alinhado com o discurso de recolher maiores valores aos cofres da União e recompor as perdas com desonerações fiscais setoriais irresponsáveis, ensaiou uma possível solução com a promulgação do Decreto 9.101 de 2017, o qual junto com outras medidas, possibilitaria o cumprimento da meta fiscal, segundo dizeres do então Presidente da República Michel Temer.

Conteúdo e inconstitucionalidade

O objetivo do Decreto era simples: aumentar a arrecadação por meio da suspensão de benefícios e da majoração das alíquotas relativas às contribuições de PIS e Cofins e, para os objetivos de nosso estudo, nos ateremos somente às alterações relativas ao etanol.

O texto fixa em R$ 23,38 (vinte e três reais e trinta e oito centavos) o PIS e R$ 107,52 (cento e sete reais e cinquenta e dois centavos) a Cofins, por metro cúbico de álcool, no caso de venda realizada por produtor ou importador, enquanto no caso de venda realizada por distribuidor os valores são de R$ 35,07 (trinta e cinco reais e sete centavos) e R$ 161,28 (cento e sessenta e um reais e vinte e oito centavos) por metro cúbico de álcool.

Segundo a Procuradoria da Fazenda Nacional em defesa de questionamentos judiciais ao referido Decreto, as Leis nº 9.718/1988 e nº 10.865/2004, nos arts. 5º, §8º e 27, §2º, respectivamente, sustentariam uma suposta prerrogativa ao Poder Executivo para alterar as alíquotas supracitadas, assunto que iremos tratar mais à frente.

Importante ressaltar que tal legislação, menos de 15 dias após sua publicação, teve suas alíquotas revistas, com consequente diminuição, pois até mesmo a Receita Federal admitiu que a alteração estava acima do permitido, o que denota inconsistências desde a confecção do texto legal.

Não obstante o Decreto foi além, impondo eficácia imediata para as novas cobranças, causando estranheza até mesmo aos não operadores do direito, pouco familiarizados com os ditames jurídicos e procedimentais que regem a vacância das leis.

Princípio da Anterioridade e Legalidade Tributária

Ora, o imediatismo não é comum ao meio jurídico, tampouco admitem-se surpresas injustas em qualquer ramo do Direito, por exemplo no âmbito processual podemos vislumbrar o Princípio da Não Surpresa, consagrado no Novo Código de Processo Civil de 2015, que garante o processo justo e equânime a todos que compõem a relação processual.

Não sem motivo, a Constituição Federal do Brasil de 1988 (CF), em seu art. 150, III, “c”, prevê que somente decorridos 90 dias da publicação de uma lei é que a mesma pode produzir alguma cobrança. Estamos tratando então de um dos mais importantes princípios do Direito Tributário, o da Anterioridade, segundo o qual o pagamento feito antes do exaurimento do prazo legal deve ser entendido como em pagamento indevido, culminando em crédito ao contribuinte.

Entretanto, defeito mais grave e com efeitos mais danosos, resulta da clara afronta do Decreto ao princípio da Legalidade Tributária, o qual exige análise mais apurada, pelo que tecemos alguns comentários em seguida.

Em primeiro lugar, nos convém lembrar da “Pirâmide de Kelsen” figura que ilustra a hierarquia das normas brasileiras, estando a Constituição Federal no topo, abarcando as demais, num significado claro de que todas a ela e devem ser submetidas.

Sabiamente, o art. 150, I, da CF, veda expressamente à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, exigir ou aumentar tributos sem que haja prévia aprovação de lei para tanto. Trata-se de garantia constitucional, e, portanto, lhe é conferido a interpretação mais extensiva possível, já que na esteira desse preceito, não há possibilidade de aumento, se não por lei, de forma direta, a exemplo da majoração de alíquotas, tampouco indireta, uma vez que a suspensão de benefícios resultará em maior encargo tributário.

Esse princípio no ordenamento tributário brasileiro é ainda mais rigoroso, em que pese possuir um adendo ao seu conceito, a ideia de estrita legalidade, onde diferencia-se da legalidade “lato sensu” previsto no art. 5º, II, também da CF. Isso fica evidenciado nos ditames do art. 108, §1º do Código Tributário Nacional, pelo qual entende-se de não ser possível a adoção de analogia para majoração de uma tributação.

Em segundo plano, para que não seja feita injustiça, existem exceções ao princípio, a saber:

I) Artigo 153 § 1º da CF: “É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I [importação de produtos estrangeiros], II [exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados], IV [produtos industrializados] e V [operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários].” É o que se convencionou denominar de “legalidade aparente”;

II) A segunda exceção está contida no artigo 177, § 4º, I, “b” da CF, que se refere a contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE). Diz o texto constitucional: “A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I – a alíquota da contribuição poderá ser: a) diferenciada por produto ou uso; b) reduzida e estabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no artigo 150, III, b;”;

III) A terceira refere-se ao artigo 155, § 4º, IV da CF que permite aos Estados e Distrito Federal definir as alíquotas do ICMS monofásico incidente sobre combustíveis, através de convênio específico;

IV) Ainda o artigo 97, § 2º do Código Tributário Nacional prevê que “não constitui majoração de tributo, para fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo; e, finalmente,

V) Em caso de relevância e urgência, as medidas provisórias (artigo 62 § 2º da CF).

Convém ressaltar que essas exceções possuem caráter restritivo e, conforme já mencionamos anteriormente, não se permite o uso de analogias, portanto, como não há menções às contribuições de PIS/PASEP e Cofins, não há que se falar em enquadramento da matéria tratada pelo referido Decreto.

É importante esclarecer que a CIDE, pela própria natureza tributária, foi criada com o intuito de assegurar um montante mínimo de recursos para investimentos em infraestrutura de transporte, em projetos ambientais relacionados à indústria do petróleo e gás, e em subsídios ao transporte de álcool combustível, de gás natural e derivados, e de petróleo e derivados.

Em contrapartida, as contribuições de Cofins, tem como finalidade o financiamento da seguridade social, prevista no artigo 195, I, b da CF. e o PIS/PASEP, tem o intuito de financiar o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º do artigo 239 da CF, não confundindo-se então com a CIDE, exceção à regra da estrita legalidade.

Efeito prático e aplicabilidade

Em termos palatáveis, os efeitos econômicos trazidos pelo Decreto foram: para os produtores de etanol, cada litro acarretou em um aumento de 0,0109 de real, enquanto para o distribuidor, esse aumento foi de cerca de 0,1964 real. Assim, em cada 1.000.000 de litros vendidos pelo produtor, R$10.900 (dez mil e novecentos reais) foram pagos a maior, e por conseguinte, para o distribuidor, R$196.400 (cento e noventa e seis mil e quatrocentos reais) foram cobrados indevidamente.

Posto isso, o contribuinte deve se perguntar qual é a possibilidade de ter seu direito reconhecido, questão que se divide em dois fatos e pedidos distintos, em que cada uma tem por base um princípio ímpar, sobre os quais discorremos anteriormente. A primeira tem como alicerce o princípio da Legalidade, na qual o direito a créditos inicia-se desde os pagamentos feitos em 20 de julho de 2017 até aos mais atuais e, o segundo está embasado no princípio da Anterioridade, em que pese, os créditos serem calculados na mesma data de início do primeiro, restringe-se ao período de 90 dias após a inicial.

Deixamos claro que um pedido não tem o condão de excluir o outro, sendo o segundo feito de forma subsidiaria ao primeiro, ou seja, caso o primeiro não seja atendido, requeremos o provimento do segundo.

Importante a atenção para esta parte, pois a questão que versa sobre afronta ao princípio da Legalidade encontra dificuldade para aceitação nas justiças de 1º e 2º instâncias e, aguarda apreciação pelos ministros do STF, diferentemente da tratativa dada para a arguição sobre inobservância ao princípio da Anterioridade, haja vista que O Tribunal Regional Federal da 4ª Região por meio da AC 50566767520174047100 RS 5 julgou que tal princípio não fora observado pelo Decreto 9.101/2017.

Torna-se mais nítido ainda o direito supra, quando o STF através de seu julgado RE 5005457-17.2017.4.04.7005 PR, diz ser entendimento já sedimentado de que a norma que majora tributos, ainda que indiretamente, na forma de alteração ou revogação de benefício fiscal, deve observar limitação prevista pelo princípio da Anterioridade, em citação ao voto do eminente Ministro Marco Aurélio, Relator da “ADI 2.325 – MC”.

Considerações finais

Em virtude de todo o exposto, é possível questionarmos o ato de majoração das alíquotas, cuja prerrogativa do Executivo está embasada apenas nas Leis nº 9.718/1988 e nº 10.865/2004, inclusive por tal ato estar eivado de inconstitucionalidade.

Nossa afirmativa baseia-se na alarmante constatação de que não há respaldo constitucional, uma vez que há clara afronta à hierarquia consagrada no ordenamento jurídico, o que de per si, impede que a norma surta os devidos efeitos legais.

Dessa forma, não se sustenta o argumento de que o Decreto não trata sobre majoração de tributos, mas apenas revoga benefícios, uma vez que fica evidente o aumento da carga tributária suportada pelo contribuinte, mesmo que de forma indireta, inclusive não respeitando o período de vacância, direito legítimo consagrado constitucionalmente, em clara sanha arrecadatória, prejudicando o planejamento tributárias das empresas, implicando em prejuízo ao desenvolvimento da atividade empresária.

Concluímos então que o empresariado brasileiro tem direito à compensação pelos valores pagos a maior em decorrência da alteração das alíquotas sobre as contribuições supracitadas e, em que pese o Decreto ter sua eficácia iniciada em 20 de julho de 2017, com as flagrantes inconstitucionalidades mencionadas, o montante a ser ressarcido poderá ser mensurado desde a data inicial de vigência da nova redação até o último pagamento feito e, em segundo plano, de forma subsidiária, de 90 dias após a data inicial.

André Noboru Sakamoto
Trainee de Consultoria Tributária na
BLB Brasil Auditores e Consultores

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