Com o intuito de dinamizar a arrecadação tributária, o Fisco paulista, recentemente, reforçou o aperfeiçoamento na sua fiscalização, buscando mitigar a sonegação em troca de uma maior eficiência na aquisição e na utilização do crédito outorgado e crédito acumulado de ICMS para o produtor rural.
Por sua vez, a Reforma Tributária, por meio da PEC 132/2023, em seu artigo 9º, inaugurou uma nova modalidade de tributação sobre o produtor rural, focando, principalmente, na classificação conforme a receita auferida anualmente por ele.
Presume-se, assim, com base no próprio texto da lei, que o legislador optou pela exclusão automática dos produtores rurais que obtenham rendimentos anuais inferiores a R$ 3,6 milhões. Diante disso, torna-se evidente que os produtores rurais que logrem receitas superiores a esse valor serão considerados contribuintes.
Ainda assim, existe a possibilidade de esses produtores facultativos optarem por se tornarem contribuintes tanto do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) quanto da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Por conseguinte, há a necessidade do cumprimento de suas obrigações acessórias, também possibilitando a tomada e a transferência de créditos.
De acordo com o artigo 9º, § 5º, da PEC nº 132/2023, os adquirentes de produtores rurais que passarem a ser classificados como contribuintes poderão optar por créditos na aquisição de bens ou serviços provenientes desses.
Sendo assim, neste artigo veremos que, no estado de São Paulo, durante o período de transição da Reforma Tributária, os produtores rurais poderão optar pelo crédito presumido de ICMS, sendo esse crédito transferido para terceiros, ou optar pela apuração do crédito acumulado de ICMS que disciplina a Portaria SRE 65/2023 – E-CredAc.
O que é e como funciona o crédito outorgado/presumido de ICMS?
O crédito outorgado, também conhecido como crédito presumido, é um benefício fiscal concedido pelo estado, geralmente de forma opcional, que se refere a uma opção para o contribuinte de creditar-se de um valor presumido em substituição ao aproveitamento de quaisquer outros créditos de ICMS.
Esse mecanismo tem como objetivo desonerar o contribuinte da carga tributária incidente sobre as operações praticadas, como forma de incentivar determinado segmento, tornando a atividade mais competitiva.
Deste modo, deve-se destacar a importância de uma análise cuidadosa sobre a viabilidade de adoção do regime, visto que a opção pelo benefício pode reduzir a carga tributária final do contribuinte, além de simplificar o preenchimento das obrigações acessórias.
O crédito outorgado/presumido de ICMS para o produtor rural paulista
Disciplinado pelo Decreto 68.178/2023, que incluiu o artigo 49 ao Anexo III do Regulamento do ICMS Paulista, o crédito presumido para o produtor rural paulista que promover a saída interna da produção própria com não incidência ou isenção será de:
I – 1% (um por cento) do valor da saída de café cru, em grão ou em coco;
II – 2,4% (dois inteiros e quatro décimos por cento) do valor das saídas das demais mercadorias.
Em contrapartida, haverá uma renúncia aos créditos oriundos das entradas de mercadorias tributadas pelo ICMS, o que, dependendo do caso concreto, pode ser mais benéfico para o produtor.
Cabe mencionar que, de acordo com o § 2º do mesmo artigo 49, a opção por esse crédito presumido deve ser firmada por meio da lavratura de termo no livro Registro de Utilização de Documentos Fiscais e Termo de Ocorrências (RUDFTO). Portanto, após a apuração do crédito presumido de ICMS, o valor apurado pelo produtor rural poderá ser diretamente transferido, conforme demonstraremos adiante.
Da transferência do crédito presumido/outorgado
A grande novidade no estado de São Paulo ficou por conta da possibilidade de transferência do crédito presumido apurado pelo produtor rural para as empresas com as quais o produtor mantém suas operações.
Para efetuar a transferência do crédito presumido, deverão ser observadas as regras disciplinadas pela Portaria SRE 03/2024. Levando isso em consideração, o benefício da transferência do crédito presumido está limitado aos estabelecimentos predeterminados pelo artigo 1º, incisos I e II da Portaria:
“Artigo 1º – O produtor rural localizado neste Estado que optar pelo crédito previsto no artigo 49 do Anexo III do RICMS transferirá o referido crédito nas saídas internas destinadas:
I – tratando-se de operações com café:
a) à cooperativa;
b) ao estabelecimento industrial de moagem e torrefação;
c) ao estabelecimento preponderantemente exportador;
d) ao armazém geral;
e) ao estabelecimento atacadista que promover a transferência da mercadoria em operação interna para estabelecimento preponderantemente exportador de mesma titularidade;II – tratando-se de operações com as demais mercadorias:
a) à cooperativa;
b) ao estabelecimento industrial;
c) ao estabelecimento exportador.”Assim, a transferência do crédito fica condicionada à emissão, pelo produtor rural, da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), modelo 55, para acobertar a saída da mercadoria. Além dos demais requisitos previstos na legislação, nessa NF-e, tanto o valor do crédito transferido quanto a expressão “Crédito de ICMS transferido de Produtor Rural” devem constar no quadro “Dados Adicionais”, campo “Informações Adicionais de Interesse do Fisco” – artigo 49 do Anexo III do RICMS.
Também é necessário realizar o efetivo ressarcimento ao produtor rural, por parte do adquirente, do valor correspondente ao crédito transferido, em moeda corrente, mercadorias ou serviços. O adquirente das mercadorias remetidas pelo produtor rural deverá emitir a NF-e relativa ao ressarcimento do valor correspondente ao crédito recebido em transferência, a qual indicará:
I – como destinatário, o produtor rural;
II – no campo “Natureza da Operação”, a expressão “Crédito de ICMS recebido de Produtor Rural em transferência”;
III – no campo “Código Fiscal de Operações e Prestações – CFOP”, o código 1.949;
IV – no campo “Código da Situação Tributária – CST”, o código 090;
V – no campo “Valor do ICMS”, o valor do crédito recebido;
VI – no quadro “Dados Adicionais”, campo “Informações Adicionais de Interesse do Fisco”:
a) a expressão “Crédito de ICMS recebido de Produtor Rural em transferência – artigo 49 do Anexo III do RICMS”;
b) os números das Notas Fiscais Eletrônicas (NF-es) emitidas pelo produtor rural, conforme inciso I do artigo 2º.
Diante disso, a NF-e relativa ao ressarcimento poderá ser emitida, ao final de cada mês, de forma englobada, e individualizada pelo produtor rural remetente e deverá ser escriturada nos registros próprios da Escrituração Fiscal Digital (EFD).
Impactos positivos e negativos atrelados às mudanças
Dentre as principais vantagens relacionadas às atualizações comentadas, destaca-se a simplificação do procedimento para o ressarcimento dos créditos para os produtores rurais.
A sistemática utilizada anteriormente às alterações era baseada em arquivos digitais compostos pelas notas fiscais de entradas do produtor. Esse enviava os arquivos relativos ao crédito acumulado por meio do sistema e-CredRural, que, em seguida, passavam por um processo de análise e deferimento pelo Fisco.
Após a liberação do crédito no sistema, o produtor negociava o valor disponível diretamente com os seus fornecedores, e esse valor era utilizado como pagamento de seus insumos adquiridos.
Com a nova sistemática, o produtor rural emitirá a nota fiscal de produtor rural para acobertar a saída das suas mercadorias e já realizará a transferência do crédito presumido diretamente ao seu fornecedor, recebendo em moeda ou em produtos como pagamento pelo mesmo. Ou seja, o processo se tornou muito mais ágil e lucrativo para os produtores.
No entanto, o prazo de adequação para as mudanças sofridas pela legislação é efetivamente curto. Assim, algumas alterações exigem providências a serem tomadas por parte dos contribuintes paulistas (produtores rurais), como é o caso da utilização dos créditos já existentes até 30 de junho deste exercício, data em que o sistema e-CredRural será descontinuado.
É importante levar em consideração os possíveis adquirentes dos referidos créditos, pois alguns estabelecimentos já acumulam saldo credor do ICMS. De fato, não seria viável para eles realizarem um desembolso financeiro para a aquisição de um crédito.
Fim do e-CredRural
Como já dito anteriormente, o crédito acumulado de ICMS do produtor rural era realizado por meio de um arquivo digital, composto por notas fiscais de entradas, através do e-CredRural. Esse arquivo era transmitido para a posterior liberação do crédito no sistema. Quando deferido pelo Fisco, o crédito era negociado com fornecedores de insumos.
Com a publicação da Portaria SRE nº 03/2024, fica revogada, a partir de 1º de julho de 2024, a Portaria CAT 153/11. Essa última institui o Sistema Gerenciador de Crédito de Produtor Rural e de Cooperativa de Produtores Rurais (Sistema e-CredRural), além de dispor sobre as obrigações relativas ao uso do crédito de ICMS e outras providências. Assim, os contribuintes credenciados no Sistema e-CredRural devem observar o seguinte:
I – até 30 de abril de 2024, o Sistema e-CredRural receberá arquivos digitais de apropriação transmitidos pelos contribuintes credenciados;
II – até 30 de junho de 2024, os valores existentes ou disponibilizados em conta corrente do Sistema e-CredRural poderão ser utilizados pelos contribuintes credenciados;
III – em 1º de julho de 2024, o Sistema e-CredRural será descontinuado.
Ou seja, os produtores rurais têm até o dia 30 de abril para enviar os seus arquivos digitais de apropriação de créditos e até o dia 30 de junho para utilizar os valores existentes ou disponibilizados pela Sefaz. A partir de 01 de julho o sistema será descontinuado.
E os produtores rurais que não optarem pelo crédito presumido?
No caso dos produtores rurais que produzam mercadorias tributadas ou diferidas, ou mesmo em situações em que o crédito outorgado não é vantajoso, ainda há a possibilidade de recuperação de créditos por meio de crédito acumulado (E-CredAc), como estabelecem os artigos 71 a 84 do RICMS/00. Para isso, ele deverá entregar as Escriturações Fiscais Digitais (EFDs) e os arquivos de apuração de crédito acumulado, conforme disciplina a Portaria SRE 65/2023.
Por meio da escrituração a ser realizada pelo produtor rural na EFD-ICMS/IPI, há uma mudança na tomada do crédito, anteriormente realizado por meio do e-CredRural. Se antes o creditamento era realizado apenas para as aquisições de insumos ou máquinas, agora, com a sistemática do crédito acumulado, também será possível o aproveitamento do crédito dos serviços relacionados a eles, como serviços de transporte e/ou de comunicação.
Além disso, ao optar pelo crédito acumulado de ICMS, conforme disciplina a Portaria SRE 65/2023, o valor deferido pelo Fisco poderá ser transferido para:
– Outro estabelecimento da mesma empresa;
– Estabelecimento de empresa interdependente, mediante reconhecimento da interdependência pela Sefaz;
– Estabelecimento de fornecedor, quando do pagamento das aquisições feitas por estabelecimento industrial, nas operações de compra de:
- Matéria-prima, material secundário ou de embalagem para uso pelo adquirente na fabricação de seus produtos;
- Mercadoria ou material de embalagem a ser empregado pelo adquirente no acondicionamento ou reacondicionamento de produtos;
- Máquinas, aparelhos ou equipamentos industriais novos, para integração no ativo imobilizado;
- Carroceria nova de caminhão, bem como reboque e semirreboque novos, inclusive refrigerados, para a utilização direta em sua atividade no transporte de mercadoria.
– Estabelecimento fornecedor, a título de pagamento das aquisições feitas por estabelecimento comercial, nas operações de compra de:
- Mercadorias inerentes ao seu ramo usual de atividade, para comercialização neste estado;
- Bem novo, exceto veículo automotor, destinado ao ativo imobilizado, para a utilização direta em sua atividade comercial;
- Caminhão ou chassi de caminhão com motor, novos, para a utilização direta em sua atividade comercial no transporte de mercadoria;
- Carroceria nova de caminhão, bem como reboque e semirreboque novos, inclusive refrigerados, para a utilização direta em sua atividade comercial no transporte de mercadoria.
– Fornecedor de leite situado no estado de Minas Gerais, observado o disposto em acordo celebrado pelas unidades federadas envolvidas;
– Estabelecimento industrializador de petróleo bruto, decorrente de operação com combustível líquido ou gasoso ou lubrificante, derivado de petróleo;
– Estabelecimento industrializador, decorrente de operação interna, realizada por estabelecimento atacadista, com amendoim em baga ou em grão adquirido de produtor paulista;
– Estabelecimento de cooperativa centralizadora de vendas de que faça parte, por estabelecimento fabricante de açúcar ou álcool, observada a disciplina estabelecida pela Secretaria da Fazenda;
– Venda a terceiros;
– Quitação de débitos próprios junto à Sefaz/SP;
– Quitação de débitos de terceiros junto à Sefaz/SP.
Sendo assim, são inúmeras as alterações introduzidas pela nova sistemática de aproveitamento aos créditos de ICMS acumulados pelos produtores rurais. Contudo, apesar de se tratarem de alterações que implicarão em resultados positivos ao contribuinte, é de extrema importância que estes estejam cientes dos impactos causados pela nova legislação, para se adequarem em tempo hábil, aos novos procedimentos implantados.
Caso permaneçam dúvidas quanto às mudanças relativas à legislação que dispõe sobre o crédito presumido do produtor rural, ou sobre os procedimentos de recuperação do crédito de ICMS, temos uma equipe altamente qualificada à disposição para atendê-los.
Atualização em 22/03/2024
No último dia 21 de março, o governo Paulista publicou o Decreto n° 68.406/2024, introduzindo alterações no Decreto n° 68.178/2023. Essas alterações referem-se aos procedimentos para a transferência de crédito por estabelecimento rural ou por estabelecimento de cooperativa de produtores rurais, previstos nos Artigos 70-A a 70-H do RICMS/SP.
Com isso, o artigo 3° do Decreto n° 68.178/2023 que previa a revogação dos artigos 70-A a 70-H do RICMS/SP para a partir de 1° de julho de 2024, fica prorrogada para a partir de 1° de outubro de 2024.
Em breve o fisco deverá publicar nova Portaria SRE, alterando também os prazos disciplinados pelo Artigo 5° da Portaria SRE 03/2024.
Autoria de Davi Pontes e Lais Faustino, com revisão técnica de André Luiz Moiz
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