Na última quarta-feira, dia 19 de dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe uma atualização importante para o cenário tributário. Com a maioria dos votos, o STF fixou a tese de que o não pagamento do ICMS declarado é crime, mediante dolo e prática reiterada do contribuinte.
Os ministros que votaram a favor construíram suas teses com base no seguinte argumento: o não recolhimento de ICMS declarado, que seja comprovado o dolo, ou seja, a intenção de não pagar o tributo, se enquadra como crime de apropriação indébita e o contribuinte responderá pelo artigo 2º, II da Lei 8.137/90, com pena de 6 meses a 2 anos de detenção e multa. Ressalta-se que também foi dito que o contribuinte deve ser contumaz.
Nas palavras do presidente do STF Dias Toffoli:
“Há que se demonstrar o elemento subjetivo do tipo que é o dolo, vale dizer, não é qualquer inadimplemento. É necessário demonstrar que o responsável ou o contribuinte tem consciência e tem a vontade explícita e contumaz de não adimplir com o Fisco, ou seja, ter a vontade deliberada e consciente de apropriação dos valores do Fisco”.
Até então, o simples não recolhimento de tributos pelo contribuinte enseja diversos prejuízos à empresa, como o pagamento de multa e juros altíssimos, a dificuldade para conseguir linhas de crédito por eventuais protestos, inscrição no CADIN, penhoras e execuções fiscais. Porém, o que o STF trouxe agora é a responsabilização por crime do contribuinte que não recolher o ICMS declarado, além de todas sanções políticas já existentes.
Dessa forma, por mais que não exista sonegação do imposto, mesmo que o contribuinte informe e tenha ciência da incidência do ICMS, caso não seja recolhido, poderá responder por crime, e inclusive o administrador da empresa poderá ser responsabilizado e ter afetado seu patrimônio pessoal, caso o patrimônio da empresa não seja o suficiente.
Percebe-se que o não pagamento ao ICMS declarado era considerado um ilícito administrativo. Agora, com o enquadramento a crime tributário, desde o primeiro momento de inadimplência, o contribuinte já estará coagido a realizar o pagamento, diante da ameaça de prisão por dívida, o que, inclusive, para alguns especialistas da área, fere o inciso LXVII, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, cuja redação proíbe a prisão civil por dívida, salvo algumas exceções que não se aplicam nesse caso.
Cabe lembrar que em linhas gerais o ICMS é um Imposto de Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços, de competência estadual e do Distrito Federal, incidente nas operações comerciais, e é informado na nota fiscal, em coluna própria.
Ademais, o ICMS não é um imposto cumulativo, ou seja, há a compensação do que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços, com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. Isso quer dizer que quando ocorre a circulação da mercadoria, se dá o fato gerador do ICMS, e o contribuinte “embute” o valor do imposto no preço da mercadoria ou serviço.
Assim, ocorre sucessivas repassagens do encargo do ICMS, até que a mercadoria chegue ao consumidor final, que é quem de fato irá suportar a carga financeira do imposto. Então, até que o produto chegue ao consumidor final, geralmente, ele já passou pela indústria, que embute o valor do ICMS no valor da mercadoria que passa para o varejista, e por sua vez o varejista, ao colocar a mercadoria à venda, repassa também a carga tributária ao comércio, e por fim, chegará ao consumidor final com o valor do ICMS embutido no preço que ele irá pagar.
Diante desse ciclo de venda que a mercadoria percorre, pode-se notar que o ICMS acaba sendo um imposto indireto, já que que é o consumidor final quem realmente suporta o ônus econômico de fato, logo, o comerciante que declara o ICMS e não o paga, estaria cometendo uma apropriação indébita, segundo o STF, pois estaria deixando de cumprir a obrigação de repasse do tributo aos cofres públicos e quebrando essa cadeia contributiva, levando vantagem em cima do valor que foi vendida a mercadoria, e que ainda, o empresário estaria se beneficiando em relação aos demais e, consequentemente, ferindo o princípio constitucional da concorrência desleal.
De acordo com o voto do ministro relator do caso, Luís Carlos Barroso, o devedor contumaz de ICMS declarado, poderia utilizar isso como uma estratégia empresarial, dando-lhe uma vantagem competitiva, logo, o possibilitaria a venda de mercadorias mais baratas do que os outros empresários, e que de certa forma isso incentiva os demais a também cometerem essa prática criminosa.
O que pode-se auferir com esse julgamento, é que existe uma tendência do judiciário em punir criminalmente não só mais aquele que comete a sonegação fiscal, aquela que comumente está associada a ato fraudulento, mas também, a falta de recolhimento de tributos ou contribuições, ou seja, a simples inadimplência, o que vem causando profundas divergências entre hermeneutas da área, e acima de tudo, preocupando a classe empresária do país, a qual se sente cada vez mais desafiada a conseguir se manter estável e regular no mercado, diante de tanta complexidade do sistema tributário.
Alguns especialistas econômicos já indicam a possibilidade desestímulo de investidores e do empreendedorismo no Brasil, visto que o presente julgamento não estabelece um cenário sadio e seguro para investidores do ramo privado.
A crise econômica e financeira das empresas atualmente é algo frequente e isso consequentemente gera inadimplência, por algumas vezes momentâneas, mas até que se prove a falta de dolo numa eventual imputação de apropriação indébita pelo não recolhimento de ICMS, a empresa já estará “manchada” no ramo mercantil e caso não consiga comprovar que a inadimplência decorreu-se por falta de recursos financeiros não intencional, poderá ter seu patrimônio e de seu administrador afetados.
Por outro lado, a procura por programas de parcelamento de dívidas tributárias, como o Programa Especial de Parcelamento (PEP) de dívidas de ICMS do estado de São Paulo, tende aumentar. Após a fixação da tese, espera-se o aumento da liquidez nos cofres públicos, assim como a diminuição de ações judiciais que versem sobre essa matéria, visto o aumento da procura pela via consensual.
Segundo Camila Pintarelli, subprocuradora-geral adjunta do estado de São Paulo, em matéria dada ao site Valor Econômico, ao se referir ao aumento da procura pelos parcelamentos:
“Considerando os termos do programa, os desdobramentos no Supremo da ação que criminaliza a conduta do devedor contumaz de ICMS e o aumento da ideia de compliance tributário entre os empresários, a adesão superou nossas expectativas”.
Em suma, a decisão do STF em aplicar o direito penal em um assunto eminentemente tributário irá impactar diretamente o ramo empresarial que está sujeito à incidência de ICMS, com a imputação de crime a inadimplência de ICMS declarado. Apesar de não ser um julgamento de repercussão geral, obrigatória, deve ser usada como orientação para as demais instâncias ao se depararem como a mesma situação.
Por mais que tenha sido destacada a necessidade de auferir dolo e que o contribuinte seja contumaz, para que não haja a responsabilização por crime os empresários devem adotar como forma de segurança à sua atividade empresarial, um sistema de “Compliance Tributário” a fim de se evitar a inadimplência tributária, assim como contar com uma boa escrituração contábil, caso seja necessária a comprovação de algo que o escuse do dolo, caso esteja inadimplente.
Fernanda Melo
Divisão de Tributos da BLB Brasil Auditores e Consultores