Publicamos abaixo e indicamos a você o artigo “Liderança 4.0” do professor da BLB Brasil Escola de Negócios Léo Bruno. Este estudo foi apresentado no mês de junho de 2019 no 18º Congresso de Gente e Gestão promovido pela ABRH/AM. Boa leitura!
Primeiramente, devo dizer que todas as vezes que tenho de abordar este tema eu fico muito constrangido, visto que muito se pensa, muito se fala, muito se escreve e pouco se faz em termos de liderança. Vejamos por que através de alguns fatos. O planeta tem hoje em torno de 7,5 bilhões de habitantes, sendo que dois terços, ou seja, cinco bilhões de habitantes, neste exato momento, estão passando fome e morrendo, e, portanto, não estão nem no mercado de trabalho, nem no mercado de consumo; logo, desde o homo sapiens até nossos dias prevalecem as desigualdades e iniquidades. Se considerarmos os outros 2,5 bilhões de habitantes, veremos que as desigualdades e as injustiças continuam, uma vez que 1,5 bilhão de habitantes têm um rendimento anual entre US$ 1.500,00 a US$ 15.000,00 por ano, e o outro um milhão ganha acima de US$ 15.000,00 por ano, sendo que a moda desta distribuição está pouco acima dos US$ 30.000,00 anuais. Referimo-nos às parcelas economicamente ativas destas populações.
Analisemos agora a atuação das lideranças no âmbito das nações. Se considerarmos o indicador das Nações Unidas, a saber, o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, veremos que a grande maioria das nações, no intervalo de “0” a “1” (quanto mais próximo de “1” melhor), situam-se abaixo de 0,85, que é o mínimo desejável para se assegurar que a nação esteja razoável no que tange à educação, saúde e distribuição de renda. Se considerarmos o caso do Brasil, por exemplo, veremos que o IDH é abaixo de 0,85, decorrente do fraco desempenho nas três partes do índice, sendo que a má distribuição de renda é a mais nociva de todas. Isso se justifica, uma vez que, medindo-se pelo índice de Gini, que vai de “0” a “1” (nesse caso, quanto mais próximo de “0” melhor a distribuição da renda), o Brasil situa-se em torno de 0,60, que é a causa-raiz da pobreza crônica em que vive a maior parte da população brasileira, desempregada ou subempregada. Já dizia o falecido Sabin, “a pobreza é a pior doença que existe”. Quando se levanta o aspecto subemprego, foca-se o fato de que a maior parte dos assalariados no país tem um salário mensal inferior a 1,5 salário mínimo (subemprego). Aí cabe a pergunta: como sustentar uma família com essa renda mensal, assegurando qualidade de vida mínima a ela, ou seja, como assegurar educação, saúde, vestimenta, alimentação e lazer, considerando-se uma família de quatro membros? Seria cabível agora a pergunta: por que essas situações permanecem dessa forma por tanto tempo? Existe a explicação, que não justifica essa inação, que tem a ver com as posturas que a sociedade toma, que podem ser sintetizadas como a seguir:
- damos meias respostas a perguntas mal formuladas;
- damos belas respostas a perguntas específicas através de notáveis procedimentos metodológicos, sendo que nem as perguntas nem as respostas têm a ver com os problemas da vida (risco dos acadêmicos); ou
- ignoramos as perguntas para não precisarmos dar resposta alguma (postura de alienação).
Vamos agora entrar no âmbito das lideranças nas organizações. A Figura 1, a seguir, ilustra os valores pessoais que têm a ver com a vida organizacional e foram propostos por Spranger, um pesquisador de Harvard, há algum tempo.
Nas últimas cinco décadas, vem sendo feito levantamentos do perfil de valores pessoais, à luz da categorização de Spranger, de presidentes das maiores e melhores empresas no globo, e o último resultado pode ser visto na Figura 2, a seguir, sem o valor apelidado de Religioso que está sendo estudado à parte devido a sua complexidade:
Observando-se a Figura 2, percebemos que existe um desequilíbrio entre os valores considerados, com predominância do valor Econômico sobre os demais. Note-se que esse perfil tem-se mantido imutável nas últimas cinco décadas, o que é preocupante, pois os valores Estético e Social são os menos pontuados, sendo que eles têm a ver com criatividade/inovação e pessoas, que são elementos essenciais face às demandas da era do conhecimento e inovação na qual nos encontramos – Indústria 4.0. Além disso, devemos sempre nos lembrar de que os sistemas e os recursos materiais tornam as coisas possíveis, mas são as pessoas que fazem com que elas aconteçam.
Outro aspecto relevante a ser ressaltado é que as pessoas decidem de acordo com, ou influenciadas pelo perfil de valores pessoais que esposam. Observando-se a Figura 2 novamente, notaremos que se trata de um perfil de GESTOR, cuja primeira preocupação quando decide é com resultados e a última com o impacto de suas decisões sobre as pessoas. Se, por outro lado, estratificarmos da amostra as respostas dos presidentes das melhores empresas em desempenho econômico-financeiro, e construirmos novamente o perfil médio, notaremos que as pontuações dos vários valores irão gravitar em torno de 12, que é a média da escala para cada valor. Teremos, então, o perfil de um LÍDER, ou seja, um perfil equilibrado, uma vez que todos os valores pessoais considerados são importantes para o desempenho das empresas.
Devemos nos preocupar, portanto, em quebrar o paradigma vigente de liderança, que é baseado em poder e autoridade, e focado apenas em um dos stakeholders, que é o acionista, e que, por via de regra, leva-nos à prática de jogos de “ganha-perde” em nossas organizações. Esses se tornam, inevitavelmente, jogos de “perde-perde”, com o passar do tempo, prejudicando, portanto, o desempenho dessas organizações, e trazendo grandes perdas à sociedade.
Um novo paradigma sugerido recentemente no 8º Fórum Global de Liderança, patrocinado pela UNESCO em junho de 2006 em Istambul, define liderança como sendo “um processo de influência, levando ao desenvolvimento humano e social”, devendo o líder ser:
- uma influência responsável, e, portanto, equilibrada;
- perseguidor de objetivos de interesse comum;
- coerente, andar da forma que fala;
- fecundo, ou seja, os líderes devem ser, juntamente com suas equipes e através delas, construtores do progresso por meio de contínuas superações; devem desafiar continuamente os determinismos do universo, assegurando organizações longevas e que adicionem valor para a sociedade.
Esse novo paradigma nos levará ao estabelecimento de jogos de “ganha-ganha” nos quais todas as partes interessadas saem ganhando, de forma contínua.
Liderança, nas palavras de Adel Safty, cadeira de Liderança da UNESCO, “em última instância tem a ver com o desenvolvimento humano; além disto ela não pode ir; menos do que isto não é liderança”.
Dessa forma, o atual cenário aponta para organizações que privilegiam valores equivocados, uma vez que esse é o perfil de executivo que perdura há décadas. Isso ocorre por três motivos: tal perfil é aceito nas organizações sem contestação, os conselhos de administração cobram dos executivos predominantemente resultados econômico-financeiros, e as próprias empresas que, ao selecionar “talentos” no mercado, optam por esse tipo de profissional.
Por tudo isso, ainda perpetua no universo organizacional um perfil de executivo totalmente inadequado às demandas da sociedade para as empresas do Século XXI. Não resta dúvida, portanto, que a liderança continua a ser, há milênios, um artigo de luxo no planeta. Outro aspecto é que liderança não é cargo, como quer mostrar a literatura a respeito do assunto, confundindo, por exemplo, cúpula das organizações como liderança. Como resolver este problema? A resposta é simples, apesar de a solução ser complexa: por meio do investimento na educação da população. Líderes se formam desde os primeiros anos da escola. Líderes que desenvolvam competência e autonomia nas pessoas, assegurando o desenvolvimento de sucessores, o crescimento prudente das empresas e, sobretudo, seu desempenho diferenciado, assegurando empresas longevas de forma sustentável. É neste momento que entra em ação a importância do uso de modelos no desenvolvimento e implantação de liderança nas organizações. Sabemos que modelos são reducionistas, porém quando eles são adequadamente construídos eles separam as poucas variáveis vitais das triviais permitindo, assim, o entendimento uniforme dos conceitos usados no modelo, bem como seu uso permite mensurações, auxiliando na definição de entregas críticas com métricas e metas ao longo de todos os níveis hierárquicos da organização, ou seja, todos passam a ter foco e trabalhar em prol do atingimento das metas estratégicas definidas no Planejamento Estratégico da organização, com o mesmo sendo desdobrado assegurando diálogo contínuo entre superiores imediatos e subordinados, forçando o relacionamento entre eles para possibilitar o processo de influência. Um modelo extremamente eficaz é o de Liderança Situacional de Hersey e Blanchard que já foi utilizado no treinamento de mais de 14 milhões de executivos em mais de 30 países.
Particularmente no momento atual, onde vivemos a quarta revolução industrial, com grande influência da evolução tecnológica (Inteligência Artificial/Robôs, Business Intelligence, internet das coisas etc.), ainda teremos como protagonista principal o lado humano das organizações, ou seja, mais importante do que hardware e software sempre teremos o peopleware. Aliás, as pesquisas atuais têm demonstrado que o grande desafio no desenvolvimento de lideranças é o lado comportamental (soft skills), mais do que o lado técnico e analítico, que serão mais bem desempenhados por avanços tecnológicos.
Para finalizar gostaria de abordar o tema motivação. Ninguém motiva ninguém, a motivação vem de dentro das pessoas, porém uma das características marcantes do líder é criar ambientes motivantes, e isso é feito através da estruturação do trabalho das pessoas aumentando gradativamente o escopo e a complexidade do trabalho (desafios), tendo um comportamento que leva os colaboradores aos sentimentos de pertença, ser compreendido, ser apreciado, fazer a diferença e ver que a vida no trabalho faz sentido. Como resultados para a organização teremos mais compromisso por parte de todos, maior produtividade e melhor bem-estar, tudo isso vai levar a organização à diferenciação em todos os aspectos.
Léo Bruno
Professor da BLB Brasil Escola de Negócios, consultor e membro do Global Leadership Forum da UNESCO.
Referência
BRUNO, Léo F. C. Personal Values and Leadership Effectiveness. Journal of Business Research, Vol. 1, No. 6, June, 2008.