No intuito de proteger e preservar o funcionamento de determinadas instituições e produtos, a Constituição Federal os concede imunidade tributária, ignorando completamente a capacidade econômica de tais entes ao não exigir destes o pagamento de impostos.
A imunidade tributária é explicada por alguns doutrinadores como uma limitação do poder de tributar, posição da qual discordo. Concordo com a definição do Luciano Amaro¹, que assim descreve:
“Não se trata de uma amputação ou supressão do poder de tributar, pela boa razão de que, nas situações imunes, não existe (nem preexiste) poder de tributar.”
Partindo da descrição supra, percebe-se que, àqueles agraciados com a imunidade, não haverá incidência de tributação justamente por não existir poder de tributar em relação a estes. Nesta baila, a Constituição Federal assim determina, em seu artigo 150:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
III – cobrar tributos:
(…)
VI – instituir impostos sobre: (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 75, de 15.10.2013).
Há, em relação ao ICMS, uma discussão acerca de sua incidência nos produtos vendidos e adquiridos por empresas abrangidas no artigo 150 da CF. Até que ponto o pagamento de tributos pode ser cessado, em virtude da imunidade?
O STF já se manifestou acerca da não incidência de ICMS na venda de produtos, cujo valor seria integrado às suas atividades essenciais (RE 210.251, Rel. Min. Ellen Gracie, ATA Nº 5, de 26/05/2003). No caso em questão, uma entidade sem fins lucrativos realizava a venda de pão para arrecadação de fundos que permitiam sua manutenção.
Perceba, entretanto, que a abrangência só se dará em relação a bens que venham a integrar o patrimônio da entidade imune, desde que necessários à sua manutenção. Vejamos:
Ementa: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. C.F., Art. 150, VI, “c”. I – Não há invocar, para o fim de ser restringida a aplicação da imunidade, critérios de classificação dos impostos adotados por normas infraconstitucionais, mesmo porque não é adequado distinguir entre bens e patrimônio, dado que este se constitui do conjunto daqueles. O que cumpre perquirir, portanto, é se o bem adquirido, no mercado interno ou externo, integra o patrimônio da entidade abrangida pela imunidade. II – Precedentes do STF. III – RE não conhecido.”(STF, Recurso Extraordinário nº 193969, DJ de 08.11.96, p. 43221)
Não há, entretanto, uma posição definitiva do STF acerca do assunto. Como exemplo, citamos o Recurso Extraordinário de número 608.872, no qual o Min. Rel. Antonio Dias Toffoli determinou que se desse ao caso Repercussão geral. Inclusive, citou-se nesse processo o voto do Min. Gilmar Mendes nos autos da Suspensão de Segurança 3353, que argumenta não ser possível tornar tão abrangente a imunidade, sob pena de causar um rombo orçamentário nos estados.
De fato, a não-incidência do ICMS nos produtos adquiridos pelas entidades imunes causaria grande insegurança jurídica, tendo em vista que o crédito já realizado por esta, deveria ser estornado e o valor do ICMS (que é calculado por dentro da operação), deveria ser abatido. Há também que se frisar que, apesar de o pagamento do ICMS ser de responsabilidade do contribuinte (neste caso a indústria), o valor do imposto é repassado ao consumidor, que acaba pagando-o de forma involuntária, o que, de certa forma, diminui sua capacidade de realizar os serviços que a Constituição gratificou ao dar tal imunidade.
O julgamento do Recurso Extraordinário 608.872 será histórico, visto que poderá abrir grandes precedentes, caso favorável às entidades, ou selará de vez o entendimento, caso favorável aos estados. Enquanto não há qualquer decisão de caráter geral em relação ao assunto, caberá às entidades arcarem com o repasse do imposto, contabilizados na operação já no valor total do produto, afinal, os contribuintes continuarão pagando por tais impostos. Neste caso, devemos considerar as entidades como não-contribuintes e realizar a venda à luz da Emenda Constitucional 87, em caso de operação interestadual, e com base no regulamento de cada estado, no caso de operação interna.
[1] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 110.Guilherme Bebber
Trainee de Consultoria Tributária
BLB Brasil Auditores e Consultores