Em outubro de 2016, publicamos em nosso blog uma notícia abordando as principais alterações trazidas pela Lei Complementar 155/2016 que, dentre outros assuntos, aprovou novas regras e limites para o Simples Nacional e inovou ao regulamentar a figura do “investidor-anjo” e a permissão desse tipo de investimento para sociedades participantes do Simples Nacional.¹
A Lei Complementar (LC) 155/2016 originou-se com o “Projeto Crescer Sem Medo”, cujo objetivo principal, traduzido no próprio nome do projeto, é o fomento e incentivo às micro e pequenas empresas mediante aportes de capital realizados pelos denominados investidores-anjo, e, de uma forma geral e mais ampla, por meio dos demais mecanismos de incentivo trazidos pela LC 155/2016 e já mencionados acima.
Investidor-anjo
Este objetivo de fomento com aporte de capitais está bem definido e especificado no art. 61-A da Lei Complementar 155/2016 e a definição da nomenclatura “investidor-anjo” e de quem poderá se enquadrar como tal, em seu parágrafo 2º, conforme abaixo transcrito:
“Art. 61-A. Para incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos, a sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos desta Lei Complementar, poderá admitir o aporte de capital, que não integrará o capital social da empresa.
2º O aporte de capital poderá ser realizado por pessoa física ou por pessoa jurídica, denominadas investidor-anjo.”
A LC garante também aos fundos de investimento a possibilidade de aportarem capital, na qualidade de investidores-anjo, em micro e empresas de pequeno porte participantes do Simples Nacional.¹
O investimento-anjo surgiu apenas com a LC 155/2016?
Embora a permissão e a regulamentação desse tipo de investimento para as micro e pequenas empresas inscritas no Simples Nacional¹ só tenha ocorrido neste ano, há algum tempo já se fala sobre os chamados investidores-anjo, mesmo em terras tupiniquins.
Essa é uma prática já muito difundida em países como os Estados Unidos, Portugal e tantos outros da Europa, onde os chamados investimentos-anjo já se encontram muito mais desenvolvidos e são realizados em grande escala e onde a regulamentação desse tipo de investimento também já está muito mais solidificada.
No Brasil, já existem alguns sites que funcionam como uma plataforma para aqueles que querem se lançar como investidores-anjo e investir em uma sociedade/empresa com potencial de crescimento, como as startups. Muitos deles são, inclusive, anteriores à LC 155/2016. Na outra ponta, estes mesmos sites também servem para que as sociedades/empresas lancem suas ideias e negócios na busca de investidores.
Embora a figura do investidor-anjo não tenha surgido no Brasil apenas com a Lei Complementar, com a nova regulamentação e a possibilidade de haver investimentos nas micro e pequenas empresas participantes do Simples¹, tanto por pessoas físicas, como jurídicas e Fundos de Investimento, acredita-se que esse tipo de investimento ganhará notoriedade, ao passo que há muito mais informação e principalmente certa proteção para aqueles que deliberarem por realizar o chamado investimento-anjo.
O investidor-anjo se enquadra como sócio?
O aporte feito pelo investidor-anjo não lhe confere a qualidade de sócio da sociedade investida, tampouco o valor investido comporá o capital social. Assim, a atividade social continuará sendo exercida única e exclusivamente pelos sócios e o investidor não responderá por qualquer dívida da sociedade, nem mesmo em caso de recuperação judicial.
Quais são as vantagens tributárias?
Como consequência importante, esse aporte realizado pelo investidor-anjo, além de não constituir-se como capital social da sociedade investida, também não será considerado como parte das receitas do investidor. Logo, o investidor-anjo não sofrerá um acréscimo em seu patrimônio e o investimento não será tido como receita tributável.²
Nesse mesmo sentido, também não haverá qualquer risco deste investidor-anjo vir a ser desenquadrado do Simples Nacional, caso assim esteja enquadrado.
Quais são as outras vantagens?
Obviamente, ainda que não se enquadre como sócio, uma remuneração será devida ao investidor-anjo frente ao seu investimento e correspondente aos resultados distribuídos. Esses valores serão acordados conforme contrato de participação, mas, conforme previsto pela legislação específica, não poderão ser superiores a 50% dos lucros da sociedade investida.
Quanto ao direito de resgate, a LC estabeleceu ser necessário um prazo mínimo de dois anos do efetivo aporte de capital, podendo, contudo, ser estabelecido um prazo superior no Contrato de Participação.
Os haveres do investidor, salvo disposição contratual em contrário, serão pagos tendo como base o montante efetivamente realizado e a situação patrimonial da sociedade, na data em que forem devidos os valores, e os quais serão verificados mediante levantamento de balanço especial. Não poderão, contudo, ultrapassar o valor investido e devidamente corrigido.
Possibilidade de transferência
Outro ponto que merece destaque é a possibilidade de que haja a transferência da titularidade do aporte realizado a um terceiro interessado. Claro que, via de regra e salvo estipulação em sentido contrário no contrato de participação, essa transferência a terceiro alheio à sociedade dependerá do consentimento dos sócios e da própria sociedade/empresa investida.
Por fim, cabe ressaltar que, caso os sócios da sociedade ou empresa investida deliberem pela venda da empresa e/ou da sociedade, o investidor-anjo terá direito de preferência em sua aquisição, como também direito de venda conjunta da titularidade do aporte por ele realizado.
Investimento-anjo como alternativa
Frente a todas essas características e regras estipuladas para o investidor-anjo, pode-se dizer que esse tipo de investimento configura-se como uma alternativa àquelas sociedades e/ou investidores que muitas vezes operam com o modelo de compra e venda de parte das quotas das chamadas startups, com celebração de acordos de investimento bem elaborados, obrigações e responsabilidades pré-estabelecidas para cada uma das partes envolvidas, para posterior compra da integralidade das quotas de referida sociedades e/ou de, pelo menos, o suficiente para que tenham o controle da sociedade investida.
Também se faz como alternativa a outros modelos de contratos/negócios com startups costumeiramente utilizados no mercado, como os contratos de parceria, de concessão de mútuo conversível em participações e de subscrição de debêntures conversíveis em participações.
Podemos dizer também que se assemelha e pode ser uma alternativa às denominadas “sociedades em conta de participação”. Estas possuem como característica principal o fato de apenas o(s) sócio(s) aparentes (ostensivo), via de regra, responderem pela sociedade, sendo o sócio participante um mero investidor do negócio, com participação nos resultados correspondentes.
Frente às inúmeras vantagens e à nova regulamentação objeto deste artigo, não restam dúvidas que o investimento-anjo ganhará mais notoriedade e que tem grandes chances de cair no gosto dos investidores e de possíveis novos investidores brasileiros.
Como já mencionado, há muitos sites que auxiliam tanto aqueles que querem se lançar como investidores-anjo como aquelas empresas/sociedades que buscam o investimento e que se abrem ao mercado como sociedades/empresas a serem investidas.
A importância da contabilidade
Para aquelas que buscam um investidor, especialistas destacam que uma boa contabilidade é a chave do negócio para atrair investidores-anjo. A manutenção de uma contabilidade regularizada com todas as informações em dia, bem como a possibilidade de se demonstrar fatos financeiros relacionados ao negócio a ser investido, são essenciais para quem busca investidores deste tipo. Consequentemente, aqueles que querem se lançar como investidores-anjo também deverão dar atenção a tais pontos.
Uma coisa é fato: com as novas mudanças trazidas com a Lei Complementar 155/2016, ainda que o atual momento econômico não seja favorável, o investimento-anjo tem grandes chances de ganhar mais espaço e adeptos em todo o país. Parece, aliás, ser um bom momento para estudar e conhecer mais o assunto e para a prospecção de possíveis negócios a serem investidos.
Liz Christante Pinheiro Azevedo
Divisão Societária e Patrimonial
BLB Auditores e Consultores
Atualizações e notas importantes
¹ Em 21 de julho de 2017, foi publicada a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil 1719, a qual dispõe, dentre outras informações, sobre a tributação relacionada aos denominados investimentos anjo.
Dentre as outras disposições contempladas na IN n.º 1719/2017, previu-se em seu art. 1º, parágrafo único, que não é condição para recebimento dos aportes de capital via investimento anjo que as micro e pequenas empresas sejam optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional).
² Sobre a tributação referente aos rendimentos decorrentes de aportes de capital efetuados na modalidade de investimento anjo, com a instituição da IN n.º 1719/2017, definiu-se quanto à sujeição e incidência do imposto de renda retido na fonte, calculado mediante a aplicação de alíquotas regressivas.
As alíquotas são regressivas e vão de 22,5% a 15%, sendo aplicadas conforme prazo do contrato de parceria. Via de regra, ter-se-á sempre a incidência da alíquota mínima de 15%, haja vista que a própria LC estabelece prazo mínimo de 2 anos para os contratos, sendo o prazo máximo de 7 anos.
Assim, sofrem retenção na fonte, conforme tabela regressiva prevista no art. 5º da IN n.º 1719/2017, os rendimentos periódicos e o ganho obtido no resgate do aporte realizado pelos investidores anjo, sejam eles pessoa física ou jurídica. O imposto retido na fonte é considerado definitivo para investidores pessoas físicas e jurídicas isentas ou optantes pelo Simples Nacional.
Também haverá a incidência do imposto de renda retido na fonte na hipótese de alienação da titularidade dos direitos do contrato de parceria (cessão), incidindo-se as mesmas alíquotas regressivas previstas no parágrafo 5º da IN, calculado o prazo a partir da data até a data de alienação dos direitos.
Quando o aporte é feito por fundo de investimento ficam dispensadas as retenções do imposto de renda nas operações do fundo, todavia, no resgate das quotas aplicam-se as regras estabelecidas para fundos de investimento regidos por norma geral e as regras estabelecidas para os fundos de investimentos constituídos sob a forma de condomínio fechado.