DIFAL não contribuinte: saiba tudo sobre a mudança da Lei Kandir

DIFAL não contribuinte: saiba tudo sobre a mudança da Lei Kandir

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O ano de 2022 já começou com algumas alterações legislativas que impactam diretamente o contribuinte, em especial a alteração da Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/96) pela Lei Complementar 190/22, que regulamenta a cobrança do chamado DIFAL— diferencial de alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre vendas de produtos e prestação de serviços ao consumidor final localizado em outro estado.

Tudo se iniciou com a Emenda Constitucional nº 87/15 com a adoção da alíquota interestadual nas operações e prestações que destinem bens ou serviços a consumidor final localizado em outro estado não contribuinte do imposto, desencadeando mais de uma obrigação ao mesmo sujeito: uma com o estado de origem, para o qual deve recolher o imposto com base na alíquota interestadual, e outra, no caso de destinatário não contribuinte do imposto, com o estado de destino, para o qual deve recolher o imposto correspondente ao diferencial de alíquotas, considerando-se a alíquota interna dessa unidade federada.

Constitucionalidade

A Constituição Federal em seu art. 155, § 2º, XII, a, b, c, d e i, é clara ao estabelecer que cabe à Lei Complementar dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária, bem como estabelecer normas gerais sobre os contribuintes, bases de cálculo, substituição tributária; fixar o local das operações para fins de cobrança do imposto e de definição do estabelecimento responsável por seu recolhimento, entre outros.

Em razão disso, o Convênio 93/15, ao traçar os procedimentos a serem observados nas operações interestaduais correspondentes ao diferencial de alíquotas na hipótese de o consumidor final não ser o contribuinte do imposto, regulamentando o tema, estaria invadindo a competência normativa atribuída à lei complementar. Por isso, foram ajuizadas a ADI 5.469 e o RE 1.287.019, questionando a sua constitucionalidade.

Decisão do STF e projeto de lei

Em 24 de fevereiro de 2021, o STF, em decisão conjunta do Recurso Extraordinário (RE) 1.287.019, com repercussão geral (Tema 1093), e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.469, decidiu que o Estado de destino de operações e prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto só pode cobrar o DIFAL após Lei Complementar disciplinando a matéria, mantendo os efeitos do Convênio 93/15 até 31/12/2021.

Dessa forma, com a decisão do STF, surgiu o Projeto de Lei 32/2021 a fim de regulamentar a cobrança do DIFAL prevista na Emenda Constitucional 87/2015 e consequentemente alterar a Lei Complementar 87/96, conhecida como Lei Kandir.

Alteração da Lei Kandir e seus reflexos

Em 5 de janeiro de 2022, o referido projeto foi convertido em norma (Lei Complementar 190/2022), sendo publicado no Diário Oficial da União nessa mesma data.

Entretanto, um ponto importante citado por essa Lei Complementar 190/2022 em seu art. 3º, vem gerando discussões e divergências interpretativas:

“Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea “c” do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal.”

O inciso III, alínea “c”, do art. 150, da CF, que trata do princípio da anterioridade nonagesimal está intrinsicamente ligado ao princípio da anterioridade do exercício (anual). Ou seja, o tributo só pode ser exigido após 90 (noventa) dias da publicação da lei, além de só poder ser exigido no exercício seguinte ao que foi publicado (a partir do ano-calendário de 2023).

Além disso, o ICMS é um tributo que exige a observância tanto do princípio da anterioridade anual quanto nonagesimal (90 dias), quando ocorrida a sua instituição ou majoração, de modo que, eventuais leis estaduais que forem instituídas em 2022 para a cobrança do DIFAL somente poderão entrar em vigor em 2023.

Todavia, alguns estados, como São Paulo (Lei nº 17.470/2021), já editaram leis antes mesmo da publicação da Lei Complementar Federal instituindo a exigência da cobrança do DIFAL, observando somente o princípio nonagesimal, não se atentando às previsões constitucionais da anterioridade anual, vez que possuem o interesse em manter a arrecadação do imposto no ano corrente.

O estado do Paraná, por exemplo, publicou lei (Lei nº 20.949, de 31 de dezembro de 2021) editando a cobrança do DIFAL para operações com não contribuintes com efeitos a partir de 6 de abril de 2022, ou seja, após noventa dias da publicação da Lei Complementar 190/22. O mesmo se valeu com o Estado do Ceará, que já manifestou no mesmo sentido.

A argumentação trazida pelos entes federativos é de que a nova lei não institui ou majora um tributo, mas sim regulamenta a repartição do ICMS entre o estado do remetente o do destinatário, estimulando o desenvolvimento regional e minimizando a desigualdade na distribuição de arrecadação desse imposto.

Em complemento à argumentação dos estados, o julgamento do RE 1.221.330 realizado em junho de 2020 pelo STF, quando decidiu que lei estadual que institui a cobrança de imposto antes da edição de Lei Complementar tratando do assunto não seria inconstitucional, mas teria a sua vigência postergada para a data em que foi publicada a Lei Complementar; poderá ser usado como situação análoga a do DIFAL, de modo que os Estados que já editaram lei interna antes mesmo de publicada a LC 190/2022, possam exigir a cobrança do diferencial de alíquota, desde que observado o princípio da anterioridade nonagesimal.

De fato, o valor da arrecadação com essa nova tributação é significativo e os estados não estão preparados para “abrir mão” desse valor, por isso deve-se atentar as movimentações de legislações estaduais frente ao tema.

De outra face, o princípio da anterioridade tributária tem como finalidade assegurar que o contribuinte não seja pego de surpresa pelo Fisco, indo ao encontro da necessidade de o contribuinte se preparar para o evento compulsório da tributação.

Nesse ínterim, é inegável dizer que, porquanto o próprio STF julgou o convênio 93/15 inconstitucional, bem como a LC 87/95 não mencionava nada a respeito ao ICMS correspondente ao diferencial de alíquotas na hipótese de o consumidor final não contribuinte, a LC 190/22 instituiu uma nova tributação, de modo que os entes tributantes não podem cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei majoradora ou instituidora do tributo.

Por tudo isso, apesar da Lei Complementar publicada prever a cobrança após 90 dias, a partir de sua publicação (5/1/2022), há fortes argumentos jurídicos que permitem impetrar Mandado de Segurança, pleiteando que a DIFAL nas operações interestaduais para não contribuinte, consumidor final, não seja exigido ao longo de todo o ano de 2022.

No entanto, o contribuinte deve ponderar os riscos envolvidos para a sua decisão face ao recolhimento do DIFAL após a vigência da lei de seu estado, tendo em vista que poderá encontrar empecilhos por parte do Fisco, como o impedimento do trânsito de mercadorias ou a sua apreensão pela fiscalização (“barreira fiscal”), o cancelamento de inscrição estadual, entre outros.

Convênio ICMS nº 236/2021

Nesse meio tempo, houve a edição do Despacho Confaz nº 1/2022, pelo qual foi divulgado o Convênio ICMS nº 236/2021 que dispõe sobre os procedimentos a serem observados nas operações e prestações que destinem mercadorias, bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, localizado em outra Unidade da Federação (UF), revogando o Convênio 93/15 que foi dado como inconstitucional pelo STF.

A promulgação desse convênio acalora ainda mais os debates sobre o assunto, tendo em vista que a norma produz efeitos a partir de 1º de janeiro de 2022. No entanto, esse Convênio é resultado da 343ª Reunião Extraordinária do CONFAZ realizada em 27 de dezembro, período em que se imaginava a publicação da Lei Complementar regulamentando a cobrança do DIFAL ainda em 2021.

Para mais, a norma do Confaz prevê em seu § 4º da cláusula segunda que será considerado para o cálculo da diferença entre o ICMS dos Estados o valor do imposto acrescido do adicional de até 2 pontos percentuais destinado ao financiamento dos Fundos Estaduais e Distrital de Combate à Pobreza, cujo recolhimento deve observar a legislação da respectiva unidade federada de destino.

Cálculo do diferencial de alíquota consumidor final não contribuinte: como fica depois da mudança?

A princípio, convém destacar a Lei Paulista nº 17.470/2021 que, além de trazer previsão sobre a diferença entre a alíquota interna do Estado de destino ou do Distrito Federal e a alíquota interestadual das operações ou prestações interestaduais destinadas a consumidor não contribuinte, incluiu o ICMS devido na própria base de cálculo do imposto (“cálculo do ICMS por dentro”); inclusive nos casos de aquisições interestadual de mercadorias para o uso e consumo, contratação de serviços de transporte interestadual e vendas de mercadorias interestaduais para não contribuinte do imposto.

Assim, o recolhimento do diferencial de alíquotas em mercadorias com destino a São Paulo, mudou tanto para contribuinte, quanto para o não contribuinte.

Com essa inovação legislativa, na situação em que o destinatário paulista for não contribuinte, o remetente (quem está vendendo a mercadoria) de outro estado, deverá observar o cálculo da base dupla na guia do DIFAL não contribuinte. Já na situação em que o destinatário paulista for contribuinte, o contribuinte paulista é quem deverá recolher o DIFAL realizando a base dupla.

Em remate, vale ressaltar que a Lei nº 17.470/21, também está sujeita ao princípio da anterioridade nonagesimal, de modo que, produzira seus efeitos após noventa dias de sua publicação, ou seja, terá validade a partir de abril de 2022.

A título de exemplo, utilizando a base dupla também adotada em Minas Gerais, o infográfico abaixo elucida como o DIFAL nas operações de venda e prestação de serviços a consumidor final não contribuinte deverá ser calculado e para quem será devido:

novo cálculo difal não contribuinte

Criação do Portal do DIFAL

O Confaz através do Convênio ICMS 235/2021, instituiu o Portal Nacional do DIFAL, cujo permite o direcionamento para a emissão das guias de recolhimento para cada Unidade Federada, além de reunir as legislações aplicáveis e respectivas alíquotas; os benefícios fiscais de cada ente federado que influenciam no cálculo do DIFAL, bem como as indicações de obrigações acessórias, dentre outras.

É um ambiente novo que facilita o acesso as normas e cumprimento de obrigações acessórias por parte dos contribuintes. O portal pode ser acessado por meio deste link: https://difal.svrs.rs.gov.br/inicial

NF-E – suspensão da validação do campo destinado ao DIFAL

A equipe da NF-e (Nota Fiscal Eletrônica) divulgou dia 28 de dezembro de 2021 que a partir de 1 de janeiro de 2022 a validação da NA01-20, implementada a partir da NT2015/003, para criação de novos campos no grupo de totais da Nota Fiscal, para identificar a distribuição do ICMS Interestadual para a UF de destino na operação interestadual de venda para consumidor final não contribuinte, atendendo ao disposto na Emenda Constitucional 87 de 2015, está suspensa.

O Grupo BLB Brasil fica à disposição para auxiliar seus clientes e tirar dúvidas sobre esse assunto e outros temas tributários.

Gabriela Costa Martins
Divisão de Consultoria Tributária na BLB Brasil Auditores e Consultores

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