Convênio ICMS nº 109 elucida questões da transferência interestadual entre filiais

Convênio ICMS nº 109 elucida questões da transferência interestadual entre filiais

10 minutos de leitura

No último dia 7 de outubro, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) publicou o Convênio ICMS nº 109, que dispõe sobre os aspectos relacionados ao ICMS nas remessas interestaduais de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade. Com essa nova determinação, revoga-se, então, o polêmico Convênio ICMS nº 178/2023. 

Já de início, podemos notar que, desta vez, todas as unidades federadas foram signatárias do Convênio ICMS nº 109. Esse fato nos permite concluir que suas disposições serão implementadas uniformemente em todo o território nacional, ao contrário do que ocorreu com o convênio anterior, agora revogado.  

Vale lembrar que o Convênio ICMS nº 174/2023, que originalmente tratava desse tema, acabou sendo rejeitado devido à não ratificação pelo estado do Rio de Janeiro. Por esse motivo, foi editado o Convênio ICMS nº 178/2023, que, a rigor, reproduziu o texto do convênio rejeitado, porém sem a necessidade de aprovação pelos estados. 

Flexibilidade com o Convênio ICMS nº 109 

O novo convênio adequa sua redação às disposições da Lei Complementar nº 204/2023 e da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, afastando a obrigatoriedade da transferência dos créditos do imposto prevista anteriormente pelo Convênio ICMS nº 178/2023 para permitir ao contribuinte optar: 

a) Pela transferência do crédito para o estabelecimento de destino, correspondente ao imposto apropriado nas operações anteriores e limitado à aplicação dos percentuais pertinentes às operações e às prestações interestaduais. Esse crédito será aplicado sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada. Podemos notar que o contribuinte poderá realizar a gestão dos créditos de ICMS, uma vez que ele terá a opção de decidir para quais operações será transferido ou não o crédito do imposto. 

b) Por equiparar a operação de transferência a uma operação tributada, mediante opção formalizada no livro de Registro de Utilização de Documentos e Termos de Ocorrências (RUDFTO), sendo aplicável a todos os estabelecimentos do contribuinte.  

Caso o contribuinte decida equiparar a transferência a uma operação tributada, a opção será irretratável para todo o ano-calendário, devendo ser feita até o último dia de dezembro para vigorar a partir de janeiro do ano subsequente. Para o restante do ano de 2024, tal opção deverá ser feita até 30/11/2024.  

Uma vez realizada a opção do item “b” acima, a sua renovação será automática a cada ano até que uma opção diversa seja consignada, devendo ser respeitado o prazo de opção relativo ao último dia de dezembro para vigorar a partir de janeiro do ano subsequente. 

Podemos notar que o Convênio nº 109/2024 traz mais flexibilidade ao contribuinte, permitindo a escolha entre a sistemática de transferência de créditos ou a equiparação da operação a uma tributada. Em contraste, o Convênio nº 178/2023 era totalmente rígido ao obrigar a transferência de créditos de ICMS entre os estabelecimentos. 

Além disso, no Convênio ICMS nº 109, o crédito a ser transferido corresponderá ao imposto apropriado das operações anteriores, relativo às mercadorias transferidas, observando que esse valor fica limitado ao resultado da alíquota interestadual aplicado sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada.  E, ainda, fica assegurado ao contribuinte remetente da mercadoria o direito à parcela positiva do crédito, decorrente da diferença entre os créditos das operações e das prestações anteriores e o resultado da aplicação das alíquotas interestaduais sobre a transferência realizada.

Composição do valor atribuído à transferência

Diferenças foram notadas quanto a composição do valor atribuído à operação de transferência realizada, a qual destacamos abaixo:

No antigo Convênio o cálculo era realizado tendo como base:

i) entrada mais recente da mercadoria;

ii) o custo da mercadoria produzida (soma de: matéria prima, material secundário, mão de obra e acondicionamento);

iii) custo de produção de mercadorias não industrializadas (a soma de: insumos, mão-de-obra e acondicionamento);

já o novo Convênio disciplina que o cálculo terá como base:

i) o valor médio da entrada da mercadoria em estoque na data da transferência;

ii) o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, insumo, material secundário e de acondicionamento (foi excluído a mão de obra).

iii) tratando-se de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção, assim entendidos os gastos com insumos, e material de acondicionamento (foi excluído a mão de obra).

Temos um ponto a ser destacado aqui. A lei Complementar 204/2023 disciplina que o crédito a ser transferido será calculado sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada, porém, nada disciplinou sobre quem seria o sujeito competente para sua definição. Sabemos que não cabe ao Convênio dispor sobre base de cálculo de operações e que tal assunto deve ser tratado exclusivamente através de Lei Complementar.

As demais cláusulas com o mesmo teor entre os dois convênios não foram alteradas, a saber: 

a) A transferência do crédito entre estabelecimentos de mesma titularidade será procedida a cada remessa, mediante a consignação do respectivo valor na Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) no campo destinado ao destaque do imposto. 

b) Ainda, o crédito a ser transferido será lançado: 

I – a débito na escrituração do estabelecimento remetente, mediante o registro do documento no registro de saídas; 

II – a crédito na escrituração do estabelecimento destinatário, mediante o registro do documento no registro de entradas; 

c) O valor atribuído à operação de transferência realizada será: 

I – o valor médio da entrada da mercadoria em estoque na data da transferência; 

II – o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, do insumo, do material secundário e do acondicionamento; 

III – tratando-se de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção, assim entendidos os gastos com insumos, e material de acondicionamento. 

d) No cálculo do crédito a ser transferido, os percentuais equivalentes às alíquotas interestaduais devem integrar o valor das mercadorias. 

O direito ao crédito relativo às operações anteriores

Podemos notar que as normas estaduais e o Convênio ICMS nº 109/2024 não necessariamente dialogam com a Lei Complementar 204/2023, principalmente quando ao assunto é o direito a manutenção do crédito relativo as operações anteriores.

O § 4º do Artigo 12 da Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir), incluído pela LC 2024/2023, garante ao contribuinte o crédito relativo às operações anteriores, vejamos:

“§ 4º Não se considera ocorrido o fato gerador do imposto na saída de mercadoria de estabelecimento para outro de mesma titularidade, mantendo-se o crédito relativo às operações e prestações anteriores em favor do contribuinte, inclusive nas hipóteses de transferências interestaduais em que os créditos serão assegurados:

I – pela unidade federada de destino, por meio de transferência de crédito, limitados aos percentuais estabelecidos nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, aplicados sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada;

II – pela unidade federada de origem, em caso de diferença positiva entre os créditos pertinentes às operações e prestações anteriores e o transferido na forma do inciso I deste parágrafo.”

Podemos notar que que na Lei Kandir é mantido o direito ao crédito relativo as operações anteriores, inclusive quando o contribuinte optar pela transferência dos créditos nas operações interestaduais; ficando assegurado tanto pela unidade de destino (o valor calculado com base nas alíquotas interestaduais sobre o valor atribuído a operação), quanto pela unidade de origem (em caso de diferença positiva entre os créditos relativo à aquisição e o efetivamente transferido) o direito ao crédito.

Já o Convênio ICMS nº 109/2024 dispõe que a apropriação e o aproveitamento do crédito atenderão às mesmas regras previstas na legislação tributária da unidade federada de destino aplicáveis à apropriação do ICMS incidente sobre operações ou prestações recebidas de estabelecimento pertencente a titular diverso do destinatário; e assegura ao contribuinte remetente da mercadoria apenas o direito à parcela positiva do crédito, decorrente da diferença entre os créditos das operações e das

prestações anteriores e o resultado da aplicação das alíquotas interestaduais sobre a transferência realizada.

No âmbito das legislações estaduais, quando o assunto é o direito da manutenção dos créditos de ICMS os estados obrigam o contribuinte ao estorno do crédito quando a mercadoria for objeto de saída não tributada ou isenta. Tomamos como exemplo o que disciplina o Artigo 67 do Decreto 45.490/2000:

“Artigo 67 – Salvo disposição em contrário, o contribuinte deverá proceder ao estorno do imposto de que se tiver creditado, sempre que o serviço tomado ou a mercadoria entrada no estabelecimento:

(…)

II – for objeto de saída ou prestação de serviço não tributada ou isenta, sendo esta circunstância imprevisível à data da entrada da mercadoria ou da utilização do serviço;”

Assim, pode ocorrer de os Estados ilegalmente começarem a obrigar o estorno dos créditos relativo as aquisições objeto de transferência, uma vez que há uma Lei Complementar – norma hierarquicamente superior ao Regulamento do ICMS – que garante o direito ao crédito. Neste caso, recomendamos que o contribuinte garanta via medida judicial o direito aos seus créditos.

Por fim, o Convênio ICMS nº 109/2024 produzirá efeitos a partir de 1/11/2024. 

Ação Declaratória de Constitucionalidade 49 está sendo parcialmente cumprida

Também é importante destacarmos que, com a publicação do Convênio ICMS nº 109/2024, a decisão do STF na ADC 49 passa a ser cumprida pelos estados. Lembrando que a decisão proferida foi no sentido de que: 

  • Não deve haver a incidência de ICMS nas operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. 
  • O contribuinte tem direito de manter os créditos de ICMS referentes às operações anteriores, pois não há incidência desse imposto nas operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Portanto, não há o que se falar em estorno de crédito, devido ao fato de essas saídas não serem isentas ou não tributadas (hipóteses em que se exige o estorno pela regra geral). 
  • O contribuinte pode transferir os créditos de ICMS gerados em decorrência das operações anteriores. A decisão ainda estabelece que os estados disciplinem o tratamento dos mencionados créditos e, caso não o façam até o prazo limite de 31/12/2023, os contribuintes ficam autorizados a transferi-los mesmo sem a autorização dos estados. 

Acreditamos que com a edição do novo Convênio, algumas dúvidas, medos e anseios dos contribuintes foram solucionados, porém, ainda há pontos de conflito com a Lei Complementar 204/2023 que poderá gerar contencioso acerca do assunto.

Ficou interessado neste tema? Conte com a inteligência fiscal do Grupo BLB para assessorá-lo no desenrolar dos novos capítulos sobre a incidência do ICMS em transferências interestaduais entre estabelecimentos do mesmo titular.

Conte também com nossa equipe de consultoria tributária e jurídico tributária para garantir o seu direito ao crédito através de medidas judiciais cabíveis.

Autoria de André Luiz Moiz e revisão técnica de Rodrigo Barbeti 
Consultoria Tributária
BLB Auditores e Consultores 

* Artigo atualizado em 12/11/2024

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *