O tema em torno das doações de avós para netos tem se tornado cada vez mais comum, especialmente devido à busca por formas mais eficientes de planejamento sucessório. Contudo, para analisar essa questão, é importante considerar alguns fatores específicos, como as dinâmicas familiares, as necessidades patrimoniais e o papel do direito sucessório nesse contexto.
Além disso, outros aspectos, como a equidade entre herdeiros, os impedimentos e limites legais e o impacto na sociedade também devem ser observados para maior entendimento acerca desse tema. Sendo assim, torna-se fundamental compreender as razões e as motivações por trás dessas doações para uma análise mais abrangente dos benefícios envolvidos.
Aspectos financeiros e patrimoniais da doação de avós para netos
O planejamento sucessório é de extrema importância para assegurar a transmissão do patrimônio de forma eficiente e segura em diferentes cenários. Ao lançar mão desse recurso, torna-se possível evitar conflitos familiares por conta de eventuais disputas e gastos com inventário no futuro, garantindo, assim, a vontade do doador.
Estratégias como a doação de avós para netos podem fazer parte desse planejamento, possibilitando a redução da carga tributária e a preservação dos bens no seio familiar, assim como de seus respectivos valores. Além disso, esse tipo de planejamento também possibilita a antecipação da transmissão de patrimônio, contribuindo para a organização e a proteção do acervo familiar.
Em suma, a doação de avós para netos pode proporcionar benefícios tributários significativos, especialmente no que diz respeito à diminuição da carga tributária de ITCMD, imposto estadual que incide sobre a doação de bens e direitos. O cálculo desse tributo é feito com base no valor dos bens ou dos direitos doados, podendo envolver uma avaliação específica do bem para a apuração da base de cálculo. É importante observar que os percentuais do ITCMD variam de acordo com cada estado. Assim, em São Paulo, a alíquota é de 4%, mas em alguns estados a alíquota pode atingir até 8%.
Contudo, com a Reforma Tributária (EC nº132/2023), a alíquota do ITCMD passará obrigatoriamente a ser progressiva, uma vez que alguns estados ainda utilizavam alíquota única. Ou seja, sua alíquota aumentará proporcionalmente ao valor do bem doado. No estado de São Paulo, que até então utilizava uma alíquota única de 4%, já existe um Projeto de Lei (PL) que prevê alíquotas que variam de 2% até 8%, o que também ocorrerá em outros estados, conforme tema abordado neste artigo do nosso blog. Assim, de acordo com esse PL, há um risco de a carga tributária até mesmo dobrar.
Considerando tanto as etapas da sucessão, isto é, a transferência do patrimônio do avô para o filho e do filho para o neto, quanto a incidência do ITCMD na transferência de bens entre uma geração e outra, a doação realizada diretamente de avós para netos implicaria eliminar a etapa do ITCMD que incidiria na doação do avô para o filho. Isso significa que o ITCMD incidente seria recolhido apenas na doação direta do avô para o neto.
Nesse contexto, a doação direta de avós para netos se mostra vantajosa quando o doador possui filhos vivos. Caso contrário, os netos já seriam automática e inevitavelmente chamados à sucessão como herdeiros, de modo que não haveria necessidade de excluir a etapa no recolhimento do ITCMD.
Assim, a doação como planejamento sucessório se mostra uma ferramenta eficaz para otimizar tais benefícios, garantindo a transmissão patrimonial de forma mais vantajosa para as futuras gerações.
Enquadramento legal da doação de bens
Ao fazer uma doação de bens dos avós para os netos, muitas vezes surge o desafio de equilibrar a equidade entre os herdeiros. A decisão de doar para apenas alguns netos, e não todos, pode gerar conflitos familiares e questionamentos éticos. Nesse sentido, é importante considerar a sensibilidade e as emoções dos demais herdeiros, buscando formas de comunicação e transparência tanto para minimizar possíveis impactos negativos quanto para respeitar a equidade entre todos os beneficiados.
Dessa forma, para além das questões éticas, a doação de avós para netos conta com forte regulação da legislação brasileira. Os impedimentos legais para a doação de bens dos avós para netos estão relacionados, principalmente, às regras de herança estabelecidas pelo Código Civil brasileiro.
Embora a doação seja um ato voluntário do doador em dispor de seu patrimônio particular, a legislação brasileira estabelece critérios e limites para que ela seja realizada. Assim, de acordo com a lei, é permitida a doação de no máximo 50% do patrimônio do doador, enquanto a outra metade, chamada de “legítima”, é reservada obrigatoriamente para os herdeiros necessários, conforme dispõem os artigos 1.789 e 1.846 do Código Civil:
Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.
Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.
A lei qualifica como “herdeiros necessários” os descendentes (filhos, netos, bisnetos etc.), os ascendentes (pai, avô, bisavô etc.) e o cônjuge. Assim, dentre os descendentes, são chamados aqueles que possuem o grau mais próximo em detrimento do mais distante. Dessa forma, os netos não possuem direito à herança direta dos avós, a menos que não haja descendentes, ascendentes ou cônjuge vivos:
Art. 1.833. Entre os descendentes, os em grau mais próximo excluem os mais remotos, salvo o direito de representação.
Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
Assim, ainda que os netos sejam qualificados como descendentes pela legislação civil, caso tenham pais vivos, esses últimos serão considerados os herdeiros necessários.
Além disso, é relevante destacar que, de acordo com o diploma legal, será considerada inválida a doação que descumprir o artigo 549, o qual proíbe a doação que desrespeite o direito à legítima:
Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.
Nesse sentido, o avô tem permissão para fazer uma doação aos netos, desde que respeite a parcela mínima legal. Isso quer dizer que ele pode presentear os netos com até metade de seus bens, sem afetar a herança destinada aos herdeiros necessários.
Instrumentos jurídicos para a efetivação da doação
Os instrumentos jurídicos para a efetivação da doação de bens dos avós para netos incluem a doação em vida, o testamento e também a constituição de holding patrimonial, conforme detalharemos a seguir.
A doação em vida é feita por meio da lavratura de escritura pública em cartório, em que os avós doadores transferem diretamente seus bens para os netos, estabelecendo as condições e as limitações desejadas.
Já o testamento é outra forma de doação, que permite a disposição do patrimônio em vida, mas cuja transferência efetiva ocorrerá apenas após a morte do doador, seguindo as regras estabelecidas na legislação brasileira.
Outra ferramenta bastante utilizada para efetivar a doação de bens é por meio da constituição de holding familiar. Nela, o doador integraliza o seu patrimônio na sociedade e, posteriormente, faz a doação das quotas dessa sociedade aos donatários.
A holding facilita a doação e a sucessão, pois os bens são transferidos através da alienação de quotas ou ações da holding, em vez de transferências individuais de cada bem. Além disso, os doadores podem manter o controle da gestão do patrimônio mesmo após a transferência das quotas ou das ações para os herdeiros, por meio de acordos de acionistas ou outras estruturas de governança. Essas e outras vantagens da holding patrimonial podem ser conferidas no artigo elaborado pela Dra. Liz Azevedo.
Todas essas ferramentas possuem requisitos e formalidades específicas de acordo com a legislação brasileira, garantindo, assim, a efetividade e a segurança jurídica do processo de doação.
A BLB, por meio de sua divisão especializada em planejamento patrimonial e sucessório, conta com uma equipe gabaritada para fornecer informações adicionais.
Autoria de Letícia Izo e revisão técnica de Liz Azevedo
Consultoria Societária e Patrimonial
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