Nos últimos anos o Brasil ganhou destaque no cenário econômico mundial, atraindo o interesse de estrangeiros para os investimentos imobiliários. É sabido que a legislação brasileira adota uma postura defensiva em relação à soberania e à segurança nacional, limitando, portanto, alguns direitos do estrangeiro no que diz respeito à aquisição de bens no País. Dessa forma, resta o seguinte questionamento: pessoas estrangeiras podem realizar a aquisição de bens imóveis no Brasil?
A resposta imediata é sim, desde que o estrangeiro, pessoa natural ou pessoa jurídica estrangeira ou brasileira equiparada à jurídica estrangeira, seja residente e esteja adquirindo imóvel urbano no Brasil, caso em que a legislação atual não impõe nenhuma restrição.
Quais são as regras e as limitações para a aquisição de imóvel rural no Brasil por um estrangeiro (pessoa natural)?
Atualmente, o referido tema é regulado por uma lei de 1971, anterior, inclusive, à própria Constituição Federal. A Lei nº 5.709/1971, em conjunto com a Instrução Normativa nº 88/2017 do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), institui regras e restrições à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros residentes no Brasil.
Tem-se como regra que a aquisição de bens imóveis rurais ou o arrendamento desses cuja área contínua ou descontínua – compreendida entre 3 (três) e 50 (cinquenta) módulos de exploração indefinida –, realizado por uma pessoa natural estrangeira residente no Brasil, dependerá de autorização do Incra.
Mas o que seria o citado módulo de exploração indefinida (MEI)? É uma unidade de medida, expressa em hectares, a partir do conceito de módulo rural, para o imóvel com exploração não definida e é, basicamente, utilizada em processos relacionados à aquisição de terras por estrangeiros. A dimensão do MEI varia entre 5 e 100 hectares, de acordo com a Zona Típica de Módulo (ZTM) do município de localização do imóvel rural.
O MEI é analisado a partir da concepção e da metodologia de cálculo dos demais módulos rurais, ou seja, da exploração hortigranjeira, lavoura permanente e temporária, pecuária e do extrativismo. As áreas do MEI buscam refletir também as condições socioeconômicas de cada uma das nove ZTMs. Assim, quanto mais desenvolvida for a zona típica de módulo, menor será a área do módulo de exploração indefinida, bem como, quanto menor o nível de desenvolvimento, maior a respectiva dimensão. Já a competência para a fixação e a modificação do MEI para cada região do Brasil ficou a cargo do, também, Incra.
A IN nº 88/2017 ainda traz algumas especificações caso o imóvel rural adquirido tenha área superior a 20 (vinte) MEIs, pois, nesse caso, a autorização para a aquisição ou o arrendamento será condicionada à aprovação do projeto para a exploração da área pelo Incra.
Outra limitação relevante que a legislação traz se refere à área do município em que se encontra a propriedade rural de interesse do estrangeiro, pois o total da referida área não poderá ultrapassar 25% da superfície territorial do município de localização do imóvel rural pretendido. E, ainda, há a limitação referente ao grupo de nacionalidade do promitente adquirente, pois pessoas da mesma nacionalidade não poderão ser proprietárias no mesmo município de mais de 10% de sua superfície territorial.
Em contrapartida, a legislação também traz algumas exceções em relação às limitações referentes à área de município, conforme apresentaremos a seguir:
Ficam excluídas das restrições acima citadas as aquisições de áreas rurais: I) inferiores a 3 (três) MEIs (nesse caso, a aquisição será livre, independendo de qualquer autorização ou licença); II) quando o adquirente tiver filho brasileiro ou for casado com pessoa brasileira sob o regime de comunhão de bens; e III) em caso de sucessão legítima.
Contudo, é necessário esclarecer que as exceções supramencionadas não se confundem com a regra geral de limitação territorial trazida pela Lei nº 5.709/1971, de que o estrangeiro poderá adquirir ou arrendar imóvel rural no Brasil até o limite de 50 (cinquenta) módulos de exploração indefinida.
Por fim, caso o imóvel objeto da pretendida aquisição por um estrangeiro tenha área superior a 50 (cinquenta) MEIs, será necessária a autorização do Congresso Nacional.
Quais são as regras e as limitações para a aquisição de bem imóvel rural no Brasil por pessoa jurídica estrangeira (ou pessoa jurídica brasileira equiparada à estrangeira)?
Ao considerarmos que a aquisição de bens imóveis rurais seja realizada por uma pessoa jurídica estrangeira, ou por uma pessoa jurídica brasileira equipara à estrangeira, as regras divergem em alguns pontos. Mas, antes de abordarmos essas especificidades, é preciso esclarecer um conceito importante para esta discussão.
Qual é a definição de pessoa jurídica brasileira equiparada à estrangeira? Considera-se como sendo aquela pessoa constituída, segundo as leis brasileiras, com sede no Brasil, e que possua participação majoritária, a qualquer título, de capital estrangeiro, desde que os sócios sejam pessoas naturais ou jurídicas estrangeiras, respectivamente, e residam ou tenham sede no exterior. E, ainda, para que ocorra a referida equiparação, é necessário que seus sócios estrangeiros detenham a maioria do capital social, ou que a sua participação societária lhes assegure os seguintes poderes: de conduzir as deliberações da assembleia geral, de eleger a maioria dos administradores, de dirigir as atividades sociais e de orientar o funcionamento dos órgãos da sociedade, conforme estabelece o artigo 15 da IN nº 88, de 2017.
A legislação ainda impõe que a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil, ou a pessoa jurídica brasileira a ela equiparada, só poderá adquirir ou arrendar imóvel rural destinado à implantação de projetos agrícolas, pecuários, florestais, industriais, turísticos ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários ou sociais, condicionada à aprovação do projeto de exploração pelo Incra e pelo Ministério da Agricultura.
Quando a referida pessoa jurídica se enquadrar como empresa particular de colonização – que teria, portanto, a finalidade de executar programa de valorização de área ou de distribuição de terras, das quais participem pessoas naturais, brasileiras ou estrangeiras, residentes ou domiciliadas no Brasil, ou jurídicas constituídas e sediadas no país –, a legislação também apresenta uma particularidade: nos loteamentos rurais efetuados por essas pessoas jurídicas, a aquisição e a ocupação de, no mínimo, 30% (trinta por cento) da área total deverão ser feitas, obrigatoriamente, por brasileiros.
Quais são os questionamentos ou as propostas de alterações das normas instituídas pela Lei nº 5.709/1971?
Atualmente estão em andamento ou em discussão o Projeto de Lei nº 2.963/2019, a ADPF 342 e a Lei do Agro (Lei nº 13.986/2020), os quais serão abordados, individualmente, a seguir:
Projeto de Lei (PL) nº 2.963/2019
Segue em tramitação, na Câmara dos Deputados, aguardando apenas a criação de uma Comissão Temporária, o Projeto de Lei nº 2.963/2019, que propõe a revogação integral da Lei nº 5.709/1971.
O PL facilita a compra, a posse e o arrendamento de imóveis rurais no Brasil por pessoas físicas ou pessoas jurídicas estrangeiras, trazendo, basicamente, duas grandes mudanças em relação à regulamentação atual:
- A possibilidade de pessoas jurídicas brasileiras, ainda que constituídas ou controladas direta ou indiretamente por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras, não sofrerem as restrições impostas a essas pessoas estrangeiras; e
- Pessoas físicas e jurídicas estrangeiras podem adquirir até 15 MEIs de forma livre, sem a necessidade de autorização do Incra ou de outro órgão público, retirando também a exigência de apresentação de projetos de exploração da terra.
Contudo, no texto do PL, permanecem inalterados os limites atuais relativos à área dos municípios, tanto para aquisição de bens imóveis quanto para arrendamento, que são de 25% da superfície de cada município, com a restrição de 10% da área total para cada nacionalidade.
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 342
Ainda sobre o tema, segue em andamento, no Supremo Tribunal Federal, o julgamento da ADPF 342, que discute o art. 1º, parágrafo 1º, da Lei nº 5.709/71, que estende o regime jurídico aplicável à aquisição de imóvel rural por estrangeiro à pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no exterior.
Lei do Agro (Lei nº 13.986/2020)
A entrada em vigor da chamada “Lei do Agro”, por meio de seu art. 51, trouxe alterações na Lei nº 5.709/71, ao estabelecer que as limitações dessa norma não seriam aplicáveis à aquisição de terras brasileiras por estrangeiros (pessoas físicas ou jurídicas) nos casos de sucessão legítima, com a ressalva às áreas consideradas indispensáveis à segurança nacional, bem como às hipóteses de constituição de garantia real (incluindo a propriedade fiduciária) e aos casos de recebimento de imóvel em liquidação de transação com pessoa jurídica, por meio de realização de garantia real, de dação em pagamento ou de qualquer outra forma.
Contudo, tal alteração segue sendo objeto de debates no meio jurídico, pois especialistas questionam a inconstitucionalidade do art. 51 da Lei do Agro, em face do contido no art. 190 da Constituição Federal, sob o argumento do que prescreve a própria Carta Magna, que a “lei regulamentará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira”. Dessa forma, para estar de acordo com a Constituição, a Lei do Agro deveria não só regulamentar, como também limitar o direito do estrangeiro no tocante à aquisição e ao arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira.
Claramente, os questionamentos acerca das regras e das limitações para a aquisição de bens imóveis rurais por estrangeiros seguirão pela via judiciária, tendo em vista que o Projeto de Lei nº 2.963/2019 continua, ainda, em tramitação na Câmara dos Deputados e a ADPF 342 permanece sendo discutida pelo STF. Por ser uma lei considerada recente, a Lei do Agro segue chamando a atenção de especialistas quanto às suas particularidades, mas ainda não ingressou em nenhuma discussão no âmbito judiciário.
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Gabriela Prieto Borges
Consultora Jurídica
Divisão Societária e Patrimonial do Grupo BLB