Saúde financeira: indicadores de alavancagem, liquidez e solvência

Saúde financeira: indicadores de alavancagem, liquidez e solvência

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Após a publicação do artigo “Papel dos indicadores financeiros de rentabilidade no processo de geração de valor”, que aborda a geração de valor por meio dos indicadores de rentabilidade, sentimos a necessidade de aprofundar um pouco mais sobre o tema dos indicadores financeiros. Sendo assim, o presente texto visa destacar os indicadores de alavancagem, solvência e liquidez, pilares da saúde financeira de uma empresa.  

No âmbito da administração de empresas, uns dos principais objetivos das firmas são gerar valor aos stakeholders e assegurar a perpetuação das atividades ad eternum, ou seja, a continuidade das operações em longo prazo. 

Para atingir plenamente esses dois objetivos, os administradores da empresa devem buscar observar fatores como a rentabilidade, o risco do negócio e a sustentabilidade das práticas financeiras adotadas, metrificando, assim, a incerteza assumida durante o processo e se preparando para variações em qualquer um desses três pilares. 

Com isso, buscam-se estabelecer parâmetros para a saúde financeira da empresa, de modo que, caso a rentabilidade dos produtos seja afetada negativamente, a capacidade de pagamento das obrigações da firma permaneça intacta, permitindo a continuidade das operações. 

Outro exemplo de dificuldade operacional é o crescimento do risco atrelado a um mercado específico, como o aumento na inadimplência de muitas empresas de um determinado setor. Tal fenômeno intensifica a incerteza para os stakeholders, podendo resultar no encarecimento dos investimentos da empresa. 

Todos esses aspectos estão de alguma forma relacionados à saúde financeira, uma vez que a preocupação das empresas reside na seguinte questão: a saúde financeira de um negócio é determinada pela capacidade de seus administradores em identificar as forças e as fragilidades tanto da empresa quanto do modelo de negócio adotado, sendo que tais aspectos se manifestam financeiramente de forma inevitável. 

Diante disso, este artigo tem como objetivo apresentar os principais indicadores de saúde financeira que nos permitem compreender a estrutura de capital de uma empresa e a relação entre seus ativos e passivos. 

Esses indicadores incluem os índices de endividamento, liquidez, solvência e alavancagem, os quais avaliam a saúde financeira da empresa e a sua capacidade de cumprir suas obrigações. 

Nesse sentido, o conjunto desses indicadores é utilizado para realizar uma análise abrangente das demonstrações contábeis. O principal objetivo é identificar possíveis fragilidades na empresa e observar como os índices se comportam diante de variações em diversos cenários de sensibilidade. 

Indicadores de alavancagem 

Ao analisar o balanço patrimonial de uma companhia, um dos pontos de atenção é a forma como se constitui o capital dessa empresa. Esse capital pode ser próprio, expresso em ações e representado pelo capital social, ou de terceiros, evidenciado por empréstimos e endividamentos presentes tanto no passivo circulante quanto no passivo não circulante.  

Há também formas discretas de se representar o capital próprio e o capital de terceiros. Um exemplo claro é a dívida com fornecedores, que não se configura da mesma maneira que a dívida com bancos em empréstimos de curto prazo, mas representa uma obrigação para com terceiros com um custo relativamente baixo em comparação ao custo do capital próprio. 

Outra figura que atua como capital próprio é a dos lucros e prejuízos acumulados. Esses são retidos e reinvestidos quando não distribuídos aos sócios na forma de dividendos, sendo assim transferidos de uma conta de capital próprio para uma conta de capital de terceiros como dividendos a pagar. 

Levando isso em consideração, cada forma de financiamento tem um propósito muito específico. O capital social, por exemplo, é destinado à empresa e serve como base de valor para a compra de ativos e o início das operações. Esse valor não será corrigido ao longo do tempo, mantendo-se estático até que ocorram aportes futuros ou ações de desinvestimento.  

Já o capital de terceiros desempenha um papel fundamental na alavancagem das operações e no impulsionamento das atividades da empresa, sendo utilizado para suprir as necessidades de reposição de ativos em períodos de descompasso entre compras e recebimentos. Além disso, também pode ser utilizado para investimentos em maquinário, cujo retorno superará a taxa paga pelo empréstimo, entre tantos outros exemplos. 

Uma das grandes virtudes das empresas perenes é compreender os ônus e os bônus de cada forma de captação de recursos, utilizando-os para maximizar os ganhos a longo prazo. 

Levando isso em consideração, os indicadores de alavancagem são empregados nesses casos para fornecer insights cruciais sobre a estratégia de saúde financeira de uma empresa. Dentre eles, destaca-se a Estrutura de Capital: 

Além desse índice, há também o indicador Debt-to-Equity, ou em português, Participação do Capital de Terceiros, que se propõe a demonstrar a relação entre dívida e capital próprio investido, sendo demonstrado abaixo: 

 

Outra preocupação significativa por parte das empresas geralmente envolve a capacidade de as operações remunerarem os investimentos recebidos em forma de capital. Um exemplo é o indicador CFO-toLiabilities, também conhecido como Cash Flow Coverage Ratio, que mede a relação entre o fluxo de caixa das operações e o total dos passivos da empresa, conforme apresentado abaixo: 

Além dos ganhos financeiros possíveis, também é importante considerar o índice de Cobertura de Juros, que determina a capacidade de remunerar o capital de terceiros sem comprometer a geração de valor para os acionistas. Tal indicador pode ser representado pela figura do EBIT sobre as despesas financeiras, ou detalhando cada componente do EBIT, como mostrado na equação a seguir: 

Indicadores de solvência e liquidez 

Após uma cuidadosa análise sobre o endividamento da firma e a compreensão da dinâmica entre o capital próprio e o capital de terceiros, deve-se observar a liquidez. Esse índice mostra a relação entre os ativos e os passivos em um determinado momento do tempo. 

No que diz respeito à liquidez, uma das principais preocupações da empresa refere-se ao pagamento das obrigações de curto prazo, pois caso não seja possível realizá-lo, o custo das obrigações aumenta. 

Nesse contexto, surge o indicador de Liquidez Corrente, que reflete a relação direta entre as obrigações de curto prazo e os ativos de curto prazo, conforme demonstrado logo abaixo: 

Porém, tal indicador não consegue refletir completamente as possibilidades de pagamento no curto prazo, pois contas como o estoque podem não se realizar conforme o esperado no curto prazo. 

Assim, uma alternativa viável para alterar o índice é considerar exclusivamente os ativos de clientes, caixa e equivalentes de caixa, além das aplicações financeiras de liquidez imediata, resultando no índice de Liquidez Seca, tal qual demonstrado na seguinte fórmula: 

Ou, analogamente: 

A partir desse ponto, a fórmula pode ser ajustada para contemplar apenas os ativos que podem ser alocados imediatamente para satisfazer as obrigações de curto prazo. Tal ativo figura como disponível, englobando o caixa e os equivalentes de caixa, além das aplicações de liquidez imediata. Sendo assim, tem-se o índice de Liquidez Imediata, explicitado na fórmula abaixo: 

Também é importante considerar os ativos e os passivos de curto e longo prazo pelo índice de Liquidez Geral. Esse indicador consiste na soma dos ativos circulantes com o realizável em longo prazo, comparado à soma do passivo circulante somado com os exigíveis de longo prazo. Assim, a Liquidez Geral é representada da seguinte forma: 

Quando a dívida é bem-vinda? 

A decisão de alterar a estrutura de capital de uma empresa é crucial, pautando-se na possibilidade de geração de valor, ao longo do tempo, a qual supere os custos apresentados. 

Ao reduzir sua dívida, a companhia opta por utilizar recursos próprios para realizar seu crescimento e manter suas funções. Para tal decisão, espera-se que a empresa tenha capacidade de gerar recursos para o investimento e possua uma janela de oportunidade que permita o acúmulo de tais recursos. 

Essa abordagem revela-se ideal, pois inibe a geração de despesas a longo prazo para o pagamento das dívidas e mantém os frutos do sucesso da decisão nas mãos dos sócios. 

Como sugere a teoria de Pecking Order Theory (POT), as companhias preferem financiar seus projetos primeiro com recursos próprios, depois com dívidas, e, por fim, com a emissão de ações. 

As companhias mais rentáveis tendem a ter menos dívidas devido à sua capacidade de financiar seus projetos sem recorrer a empréstimos ou a papéis. Esse fenômeno já foi observado pelos pesquisadores Charles Myers e Nicolas Majluf em seu artigo “Finanças corporativas e decisões de investimentos quando firmas têm informações que investidores não tem” (em tradução livre), de 1984.  

Porém, nem sempre tal cenário pode ser alcançado. Muitas empresas possuem pouca disponibilidade em caixa para realizar grandes investimentos, fazendo-as recorrer a recursos de terceiros, resultando em dívidas que se apresentam como um passivo perante diversas categorias de credores. 

Independentemente da categoria do credor, a dívida tem seu custo definido na definição do contrato e impacta diretamente a perspectiva ressaltada pelos indicadores apresentados. 

Ademais, o recurso oriundo da dívida pode apresentar riscos escondidos, principalmente ao se tratar de cenários de grande incerteza. Além do elevado custo, muitas vezes a empresa não consegue gerar resultados satisfatórios o suficiente para remunerar seus credores. Com isso, é comum que a companhia se veja obrigada a contrair novas dívidas, pelo processo conhecido como “rolagem” de dívida, ou decrete sua incapacidade de pagamento, iniciando o processo de recuperação judicial. 

Nota-se que o recurso da dívida, por mais interessante que possa parecer, esconde riscos e problemas em cenários de incerteza de mercado. Dessa forma, é necessário que se quantifique a possibilidade de retorno dos investimentos, mesmo em cenários adversos, a fim de verificar a possibilidade de pagamento da dívida. 

Em suma, o custo da dívida não deve suplantar o retorno do investimento nem ser maior do que o custo de oportunidade recebido de não realizar o aporte em um determinado momento. Em outras palavras, a dívida é benéfica quando se pode obter ganhos maiores do que seus custos, gerando valor para a empresa.  

Um debate do século passado sobre saúde financeira

Ao longo da história, a ciência econômica tem debatido sobre a geração de dívida e o seu impacto nas empresas envolvidas nesse processo. 

Durante a década de 1950, os estudos de David Durand sugeriam a possibilidade de elaboração de uma estrutura de capital exemplar que pudesse maximizar o valor da empresa. Essa teoria foi amplamente aceita por parte dos acadêmicos da época, mas enfrentou intensos conflitos com os trabalhos desenvolvidos por dois pesquisadores, Franco Modigliani e Merton Miller, que desenvolveram o Teorema de Modigliani Miller em 1958. 

Segundo os trabalhos de Modigliani e Miller, a relação entre a estrutura de capital e o valor da empresa não é simples de ser verificada, dado que o fator determinante para o valor é a geração de fluxos de caixa e seu desconto à taxa apropriada, de acordo com a situação de um negócio. Considerando que a empresa, ao contrair uma dívida, aumenta sua exposição ao risco, ela, em contrapartida, permite uma ampliação dos fluxos de caixa, balanceando a adição de risco com a adição de fluxos de caixa. 

Diante de perspectivas tão divergentes, cabe aos profissionais de mercado avaliar qual teoria tem se mostrado mais relevante em relação ao cenário brasileiro. 

Assim, ao analisar os trabalhos desenvolvidos pelos pesquisadores brasileiros Luiz Machado, José Prado, Kelly Carvalho, Antonio dos Santos e Luiz Antonialli, considerando a utilização dos indicadores descritos acima, é plenamente possível afirmar que, durante o período analisado, as variáveis apontaram uma correlação positiva entre o endividamento e a performance. Isso indica que, para as empresas de grande porte, a dívida é um recurso importante para um maior aproveitamento das oportunidades vigentes. 

Entretanto, esse estudo não pretende ser uma resposta definitiva, pois as características da dívida se modificam conforme o mercado em que ela se apresenta. 

Nesse sentido, em ambientes com maior risco sistêmico, pouco se pode analisar sobre a possibilidade de contração de dívida para a geração de valor. Ademais, os impactos da economia comportamental nas atitudes dos gestores também são relevantes, especialmente diante da estrutura de capital observada. 

Saúde financeira na prática 

Contudo, ainda que os pesquisadores, em sua análise cross-section (em um determinado período de estudo), tenham observado pouco impacto da estrutura de capital na geração de valor, busca-se agora verificar como a governança corporativa de uma dada empresa influencia o risco, o desempenho financeiro e a geração de valor dessa companhia. 

Essa premissa de pesquisa foi adotada pelos pesquisadores João Nascimento, Marcello Angotti, Marcelo Macedo e Patricia Bortolon. Eles verificaram, por meio de Equações Estruturais em Mínimos Quadrados Parciais, que evidências práticas corroboram com as conexões previstas entre endividamento, desempenho financeiro, risco, valor de mercado e governança, tanto em análises gerais quanto segmentadas por tamanho das empresas.  

Dessa maneira, as conexões entre endividamento e valor de mercado, risco e desempenho financeiro, e governança e valor de mercado foram confirmadas para companhias de grande porte. 

Já as associações entre risco e valor de mercado, governança e desempenho financeiro, e governança e risco foram confirmadas para empresas menores. Diante dessa descoberta, a dimensão das empresas se mostrou uma variável relevante.  

Além disso, a instabilidade política e econômica do período analisado (2013 a 2015), quando o Brasil enfrentava um crescente descontentamento com a gestão presidencial, interferiu significativamente nessas relações. Tal situação destaca a importância de se considerar o fator tempo para compreender as complexas interações entre governança corporativa, risco, estrutura de capital, desempenho e valor da organização.  

Por fim, os pesquisadores demonstram que, mesmo em um nível relevante de governanças corporativas, o porte da empresa é capaz de influenciar suas decisões de financiamento e sua capacidade de exposição ao risco. 

Conclusão  

Independentemente da situação atual de uma empresa, é de extrema relevância observar as suas limitações e as oportunidades de geração de valor. Assim, para capturar o valor atual da companhia e as possibilidades futuras de crescimento, faz-se necessário um laudo de avaliação.  

Como já explicado no artigo “Avaliação Econômica da Empresa”, o processo de valuation é capaz de identificar vantagens e desvantagens do modelo de negócios da empresa e traduzir as informações contábeis e gerenciais em informações econômicas de valor. Isso abre novos caminhos para mudanças de paradigmas na gestão, ao passo que incentiva as boas práticas que contribuem para a valorização de um negócio. 

Autoria de Israel Torres e revisão técnica de Raphael Bloch
Consultoria em Finanças e M&A
BLB Auditores e Consultores 

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