Em mais uma da série Subvenções Governamentais do atual Governo Federal, desta vez tendo como principal protagonista o Exmo. Ministro da Economia, que assina a Medida Provisória (MP) 1185/2023, publicada na manhã do dia 31 de agosto de 2023, é difícil não pensar que por trás dessa ação há um plano de vingança contra setores importantes do mercado, principalmente do agro.
A medida é bastante polêmica, pois não só acaba com a equiparação das Subvenções de Custeio às Subvenções para Investimentos realizada pela Lei Complementar 160 de 2017, mas sobretudo porque passa a exigir a tributação dessas receitas pelo PIS, COFINS, CSLL e IRPJ, prevendo a devolução por meio de uma sistemática de crédito fiscal somente do IRPJ, a partir do ano seguinte à concretização do benefício (subvenção). E mais, esse crédito aplicar-se-á somente sobre a parte da Subvenção que for efetivamente utilizada e comprovada seu investimento cujos ativos tenham relação com as despesas de depreciação/amortização ou exaustão, com exceção daqueles que naturalmente não estão sujeitos.
Vejamos um rápido exemplo de aplicação da MP 1185:
- Benefício na forma de créditos presumido de ICMS, tendo como contrapartida do contribuinte a implantação de uma fábrica no estado concedente.
- Na construção dessa fábrica serão investidos R$ 10 milhões, sendo R$ 4 milhões para aquisição do terreno (não sujeito a depreciação), R$ 4 milhões para edificação e aquisição dos equipamentos (sujeitos a depreciação) e mais R$ 2 milhões com outros gastos não sujeitos a depreciação, amortização ou exaustão, como por exemplo, despesas com mão-de-obra e outras.
- Após comprovado o investimento junto ao estado, a empresa, de acordo com as normas contábeis vigentes, reconhecerá a receita de subvenção sobre a qual incidirá PIS, COFINS, CSLL e IRPJ e somente após o segundo ano poderá requerer a título de crédito fiscal somente o IRPJ pago, remanescendo o pagamento dos demais tributos.
- Esse crédito estará limitado somente a parte do benefício que foi utilizada para aquisição dos ativos sujeitos a depreciação e o ativo não sujeito (terrenos), somando R$ 8 milhões.
- Na prática haverá tributação de 43,25% (soma alíquotas do IR/CS, PIS e COFINS) sobre a receita de subvenção total (10 mm x 43% = R$ 4,3 mm) e posterior devolução via crédito fiscal somente de R$ 2,5 milhões (R$ 8 mm x 25% [IR] = R$ 2 mm).
Pelo exemplo acima, o benefício que até então mediante a legislação ainda vigente (art. 30 da lei 12.973/14) não era tributado, visto que não faz sentido tributar benefícios concedidos por entes da Federação (estados) pelo Governo Federal (princípio constitucional da imunidade tributária reciproca – art. 150, inciso VI), agora, com a nova sistemática, será gravemente onerado.
Com isso, o discurso do Governo de apenas acabar com o “jabuti da subvenção” que equiparou as Subvenções de Custeio à Subvenções para Investimentos, com efeito na arrecadação estimada para este ano em torno de R$ 80 bi, haverá não só uma redução nesse quadro, mas sobretudo uma reversão e consequentemente acréscimo na arrecadação com a tributação adicional trazida pela nova sistemática. Por isso, pode-se interpretar essa medida como uma forma de retaliação por parte do Governo, já que não apenas desfez os efeitos da LC 160/17 que igualou as subvenções, mas passou a onerá-las completamente.
Fragilidade da MP 1185
No que diz respeito aos aspectos legais da Medida Provisória, se levarmos a sério o processo de sua conversão em lei, fica claro que não deverá ser aprovada da forma como está, pois viola algumas regras fundamentais do direito tributário. Um ponto crucial é que a mudança proposta não poderia ser feita por meio de uma Medida Provisória, uma vez que a equiparação das Subvenções de Custeio às Subvenções para Investimentos foi estabelecida por meio de uma Lei Complementar (LC 160/17) e não por uma lei ordinária.
Também é importante ressaltar que a Medida Provisória tem um prazo de 120 dias para ser aprovada pelo Congresso (60 dias, podendo ser prorrogados por mais 60 dias) e, caso seja aprovada, só entrará em vigor a partir de 1º de janeiro de 2024. Por enquanto, trata-se apenas de uma proposta apresentada pelo Governo, ou seja, ainda não é uma situação definitiva. Com isso, espera-se que a medida seja alvo de críticas por parte de importante entidades representativas de diversos setores empresariais, como Confederação Nacional das Indústrias (CNI), Associação Brasileira do Agronegócios (ABAG), Associação Nacional dos Distribuidores Agrícolas e Veterinários (ANDAV), Distribuidores Associação Brasileira dos Supermercados (ABRAS) e outras mais.
Sobre os benefícios atuais
A fim de que as novas regras trazidas pela MP possam ser válidas, foi revogado o artigo 30 da Lei 12.973/14 e dispositivos das Leis do PIS e da COFINS (10.637/02 e 10.833/03), que tratavam da não tributação das subvenções para investimento. No entanto, se a MP 1185/2023 prevalecer e for convertida em lei, a atual sistemática está garantida até dezembro deste ano. Isso significa que o artigo 30 da Lei 12.973/14 continuará em vigor até essa data, reforçado pela jurisprudência recente do STJ no Tema 1.182.
Vale ressaltar que as empresas que possuem benefícios na forma de crédito presumido ou outorgado, independentemente da natureza da subvenção (se para investimento ou custeio), e que já possuem decisões judiciais transitadas em julgado ou estão aguardando sentença final com base na tese do pacto federativo devido à decisão vinculante do STJ, não serão afetadas por essa discussão. Para essas empresas, nada mudará.
Para as empresas que possuem benefícios fiscais, como isenção, redução de base de cálculo, diferimento, dispensa e outros, cuja subvenção é destinada ao custeio e não ao investimento, é esperado que o impacto seja apenas na economia do IRPJ e da CSLL. No entanto, se faz necessário uma análise mais aprofundada, especialmente após a regulamentação da nova MP pela Receita Federal.
O ponto crucial aqui é como o Fisco lidará com a obrigatoriedade de contabilização das receitas de subvenção para custeio e, consequentemente, a incidência do PIS e da COFINS. Além disso, é importante destacar que o Tema 843, que trata da tributação das Subvenções para Investimento na forma de crédito presumido pelo PIS e a COFINS, ainda está pendente de julgamento no STF e pode afetar significativamente esse cenário. No entanto, existem alguns pedidos adicionais no processo para que o STF possa reabrir a discussão do Pacto Federativo, que já foi decidido pelo STJ.
Considerações finais acerca da MP 1185
O assunto das Subvenções Governamentais tem sido alvo de debate há quase meio século, desde que surgiu em 1978. Desde então, inúmeras discussões foram travadas nos tribunais administrativos e judiciais, e esperava-se que a edição da LC 160, em agosto de 2017, resolvesse essas demandas e trouxesse uma certa segurança jurídica sobre o assunto.
No entanto, mais uma vez, estamos testemunhando um governo que, pressionado pela necessidade de aumentar a arrecadação, adota medidas que tiram das empresas o poder econômico de fazer investimentos e, consequentemente, gerar empregos e renda.
Acredito que teremos muitas emoções até o final deste ano, não apenas por causa dessa medida, mas também por outras, como a aprovação do projeto de lei que acaba com os juros sobre capital próprio, a tributação de fundos exclusivos e outras mais.
Existe um ditado popular que diz que “a vingança é um prato que se come frio”, mas não explica o motivo. Talvez possamos pensar que se come frio simplesmente porque é uma imposição.
Caso você tenha dúvidas sobre como a MP 1185 pode afetar seu negócio, temos um time preparado para auxiliar e orientar sua empresa em assuntos tributários.
Rodrigo Barbeti
Sócio-diretor de Consultoria Tributária, Societária e M&A
BLB Auditores e Consultores
Parabéns, Sr. Rodrigo, pela clareza nas suas colocações, de um assunto tão complexo.