Aprovada pelo Senado Federal e sancionada pela Presidência da República, a Reforma Trabalhista já se mostra um dos grandes marcos na história das relações de trabalho.
Com grande enfoque nos acordos individuais, levando à diminuição do poder dos sindicatos frente às necessidades de cada trabalhador individualmente considerado, a Reforma Trabalhista concede às partes das relações de trabalho e emprego uma autonomia mais refinada, buscando fugir, por vezes, da grosseira interpretação do bem comum que se vê exarada pelas deliberações de caráter coletivo.
Os principais aspectos, diretamente vinculados às relações de trabalho e emprego, que sofreram alguma alteração pela Reforma Trabalhista são: a Jornada de Trabalho, a Remuneração e a Rescisão do Contrato de Trabalho.
Também sofreram alterações aspectos da Sobrevalia da Lei sobre o Negócio, normas da Terceirização e diversos outros pontos relevantes para as relações de trabalho e emprego – como a representação de empregados da empresa, contribuições sindicais, modalidades especiais de trabalho etc –, mas nossa seara neste artigo deverá se restringir a dar um pouco de elucidação acerca das alterações principais, e não esgotar o tema.
Em outros artigos, porém, comentaremos com mais profundidade tudo aquilo que foi objeto de mudanças da Reforma Trabalhista, comentando seus reflexos aos empregados e empregadores.
Jornada de Trabalho
Banco de Horas: comentemos inicialmente sobre o banco de horas, que somente poderia ser instituído por negociação coletiva, deveriam ser compensadas ainda em um ano. A reforma, em contrapartida, autoriza a criação do banco de horas mediante acordo individual com o empregado, cujo limite é de 6 meses para compensação das horas extras. Ou seja, ao passo que a reforma passou a permitir que o empregado, individualmente, deliberasse quanto à criação de um banco de horas, também encurtou o prazo para que o empregador pague o saldo de tal banco.
Compensação de Jornada: no mesmo sentido, temos as compensações de horas na jornada, outrora somente autorizada por norma coletiva ou acordo individual escrito, em que horas extras habituais descaracterizavam a compensação. Agora será autorizada a compensação por acordo individual tácito, pelo qual as horas extras habituais não descaracterizam mais o regime de compensação. Observemos que, para fins de resguardo de direitos, não houveram perdas de nenhum dos polos da relação de trabalho – o empregador terá um prazo menor para pagar seu empregado, quando da ocorrência de existir saldo em banco horas extras, além de abrir a possibilidade de flexibilizar as jornadas, conforme a necessidade das partes.
Horas in itinere: o tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou mesmo quando não servido por transporte público regular, era computado na jornada de trabalho. Pós reforma, o tempo que o empregado levar para ir e voltar do trabalho, independentemente da condução, não será computado na mesma. Esse é um dos aspectos mais questionados por quem se opõe à Reforma Trabalhista, mas não cremos que seja razoável a contabilização das horas in itinere como parte da jornada em si, justamente por não haver labor que se verifique no trajeto. Obviamente, continua a possibilidade de responsabilização do empregador no caso de ocorrer, em sendo prestado transporte por este, qualquer dano ao transportado.
Jornada 12 por 36: pela norma atual, somente seria possível a jornada de 12 por 36 ser pactuada mediante negociação coletiva – mais uma vez, demonstrando a ingerência do sindicato na vida profissional dos trabalhadores, sem competência ou possibilidade de atender suas necessidades e possibilidades individuais –, e na mesma, caso estabelecida, feriados trabalhados deveriam ser remunerados em dobro. Com a sanção da Reforma, poderá a aludida jornada ser pactuada mediante acordo individual, caso em que a remuneração mensal incluirá o descanso semanal remunerado e os feriados, sendo considerados compensados os feriados e as prorrogações de trabalho noturno.
Remuneração
Intervalo intrajornada não usufruído: a última das mudanças referentes à Jornada de Trabalho, seguramente é a mais benéfica ao empregado e ao empregador. Até então, caso não fosse integralmente usufruído, pelo intervalo intrajornada era devido o pagamento do período inteiro como extra, com natureza salarial. Com a nova regra, não sendo o referido intervalo integralmente usufruído, é devido o pagamento apenas do período não gozado, com natureza indenizatória. Em outras palavras, o valor referente ao intervalo não usufruído não constituirá salário-contribuição, portanto, não será tributado por contribuições previdenciárias. Em suma, redução de custos para o empregador e menos descontos nos vencimentos do empregado.
Salário: o salário era integrado pela importância fixa estipulada, comissões, percentagens, gratificações ajustadas e abonos pagos pelo empregador. Diárias para viagens eram consideradas salário, salvo poucas exceções, somente se excedessem 50% do valor do salário do empregado. Agora, com a nova regra, o salário passa a ser constituído apenas pela monta fixa estipulada, gorjetas, gratificações legais e comissões pagas pelo empregador; as diárias para viagens deixam de ter natureza salarial, independentemente do seu valor mensal, e seguindo semelhante determinação, prêmios podem ser negociados livremente entre as partes, sem natureza salarial e sem se incorporar à remuneração do empregado, ainda que pagos com habitualidade.
Cabe dizer que, por força dessa nova configuração do salário, os empregadores poderão incorporar aos salários de seus empregados valores extras, com segurança jurídica de não ser, eventualmente, autuado por deixar de tributar tais verbas em sua folha de pagamentos, por haver a Receita Federal interpretado como salarial a sua natureza – e isso sem contar com a possibilidade, até então vedada, de diferenciar os salários daqueles que, em igual função se destacam, sem grandes temores quanto à equiparação salarial.
Equiparação Salarial: eis um dos grandes problemas observados pelas empresas que possuem unidades em localidades economicamente distintas. Isso porque a equiparação salarial fazia com que um empregado que exercesse uma determinada função numa região cujo custo de vida fosse maior, ou numa unidade produtiva em que se percebe maiores resultados financeiros, ou pelo motivo que fosse, não poderia ter um salário maior que outro, em igual função – desde que tivesse menos de 2 anos de diferença na mesma e trabalhasse para o mesmo empregador para fazer jus à equiparação – em condições regionais circunstanciais distintas. Somente se os empregados fossem organizados em quadro de carreira (plano de cargos e salários) homologado pelo Ministério do Trabalho, a equiparação salarial não era devida.
Com a presente Reforma, além de ter menos de 2 anos de diferença na função, empregados devem trabalhar no mesmo estabelecimento comercial e ter menos de 4 anos de diferença de tempo de serviço o mesmo empregador. Aliado à possibilidade da criação de quadro de carreira por regulamento interno da empresa ou via norma coletiva de trabalho, o novo teor normativo acerca da equiparação salarial, abre novos horizontes, mais seguros e menos burocráticos, para a gestão de pessoas.
Rescisão do Contrato de Trabalho
Homologação: sob a norma antiga, havia a necessidade de assistência pelo sindicato ou Ministério do Trabalho no pedido de demissão de empregados com mais de um ano de serviço, bem como, havia a necessidade de homologação da rescisão pelo sindicato ou pelo Ministério do Trabalho. Com a aprovação da reforma, ambas necessidades são deixadas para trás. Tal prática se salutarmente realizada, dará mais dinâmica aos empregadores pois, com pouca burocracia, somente com o adimplemento do que for devido ao empregado que será demitido, facilmente cortará os vínculos contratuais, sem intervenção de terceiros.
Verbas Rescisórias: essas, até então, devem ser pagas no dia seguinte ao término do aviso prévio trabalhado, ou dez dias após a concessão do aviso prévio indenizado. Pela Reforma Trabalhista, ocorrera o estabelecimento em 10 dias, a contar do término do contrato, o prazo para pagamento das verbas rescisórias.
Demissão Coletiva: as entidades sindicais, quando dirigidas por líderes sindicais inescrupulosos, servem para atender a interesses que, muito raramente, vão de encontro aos dos empregados os quais representam. Tal ocorrência faz com que a necessidade de prévia negociação coletiva com o sindicato, quando da realização de demissões coletivas, turve o real propósito de tal negociação. Sob a nova norma, desnecessária se faz a negociação coletiva prévia para a realização de demissões coletivas. Tal permissibilidade pode parecer, num primeiro momento, exagerada, mas com um modus operandi nefasto por parte dos sindicatos brasileiros, de uma forma geral, os únicos que sairão prejudicados serão os próprios sindicalistas, pois serão atingidos na própria glutonia por poder e dinheiro que não lhes pertence, mesmerizando cuidados aos trabalhadores – aos quais pouco ou quase nada se presta à proteção devida.
Extinção Contratual por Mútuo Acordo: diferentemente das demais mudanças acima elencadas, a extinção contratual por mútuo acordo é uma inovação jurídica, portanto inédita no ordenamento pátrio, por meio do qual empregado e empregador estão autorizados a convencionar a extinção do contrato de trabalho, sendo devida a metade do aviso prévio (se indenizado), e da indenização do FGTS (20%), sendo as demais verbas pagas na sua integralidade. Neste caso, o empregado poderá levantar 80% da sua conta do FGTS, porém não poderá se habilitar para o seguro desemprego. Observemos, pois, a resolução de muitos problemas – tanto para empresas quanto para empregados – pois aquele que encontra novos caminhos profissionais, quando não é demitido por seu empregador, vê-se em condição desvantajosa por nada receber se sua rescisão. Vê-se também o equilíbrio na tratativa que, ao invés de obrigar o empregador ao pagamento das verbas rescisórias em sua integralidade, o que ocorre quando o próprio é quem motiva a rescisão, prevê um percentual sobre algumas dessas verbas.
Sobrevalia da Lei sobre o Negócio
Hipóteses autorizadas: não podiam, até então, ser objeto de negociação temas relativos à saúde e segurança no trabalho. Cabe dizer que a jurisprudência dava uma interpretação ampla ao conceito de “saúde e segurança”, nele incluindo, por exemplo, limites de jornada e intervalos. Com a nova redação, a norma trabalhista amplia o escopo do que pode ser objeto de negociação, a exemplo de: Jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; Intervalo intrajornada (com o mínimo de 30 minutos); Identificação dos cargos de confiança; Regulamento empresarial; E representantes dos trabalhadores no local de trabalho.
Interferência do Poder Judiciário no Conteúdo da Negociação: o Poder Judiciário tinha plena autonomia para declarar nulas cláusulas incluídas em convenções e acordos coletivos de trabalho, caso entendesse excessivamente negativas para os empregados. Sancionada a Reforma, passam as normas coletivas a ter prevalência sobre a lei, salvo quanto aos objetos ilícitos previstos na própria lei e na Constituição; estabelece-se também que a Justiça do Trabalho deverá pautar sua atuação pelo “princípio da intervenção mínima”, garantindo maior segurança jurídica às especificidades dos contratos de trabalho, de acordo com a necessidade.
Ultratividade: o Tribunal Superior do Trabalho possuía o entendimento de que as normas coletivas se incorporavam em definitivo aos contratos de trabalho, muito embora o STF tenha decidido contrariamente quanto ao tema. Para trazer pacificidade e reforçar a segurança a qual deve ser dotado o vínculo trabalhista e empregatício, a Reforma estabeleceu que as normas coletivas só valem durante a vigência do acordo ou convenção coletiva, deixando de ser invocáveis pelos empregados após expirado o prazo destes.
Terceirização
Atividade Fim: até a presente configuração da normativa brasileira, não havia admissão ou autorização expressa quanto à terceirização da atividade fim das empresas. Com a vigência da nova legislação do trabalho, torna-se explicita a possibilidade de terceirização da atividade fim da empresa, ressalvada a vedação da contratação de ex-empregado como terceirizado no prazo de 18 meses a partir de sua demissão.
Com a exposição acima, cremos haver sido possível estimarmos o alcance e tamanho das mudanças que deverão ocorrer em razão da Reforma Trabalhista.
Como dito a princípio, não nos objetivamos aqui a dar cabo de todos os aspectos que foram modificados – muito ainda há que se falar sobre a Reforma e disso, seguramente, trataremos em futuros artigos – mas fora, sim, nosso objetivo mostrar que, com a reforma nas leis do trabalho e emprego será garantida maior autonomia entre as partes, maior segurança jurídica daquilo que for estabelecido entre as mesmas (respeitando limites legais e constitucionais) e, não menos importante que os demais bônus, uma menor intervenção de terceiros, sobretudo dos sindicatos, no que é convencionado, no caso concreto, e entre os envolvidos (empregado e empregador).
Talvez com a Reforma Trabalhista, possamos ver florescer uma nova conduta entre empregados e empregadores – maior dinamismo e empoderamento concedidos àqueles que se propõem a estabelecer regras para suas próprias relações e negócios.
Luiz Felipe Baggio
Consultor Tributário
Grupo BLB Brasil