Preceitua o Código Civil, em seu artigo 1º, que “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”, conceito válido para pessoa física e jurídica.
A inscrição do ato constitutivo da empresa dá início à sua existência – perante a lei – garantindo a essa a chamada “personalidade jurídica”. Sendo assim, correto afirmar que sua inscrição no órgão competente equivale ao seu marco existencial perante a Administração, tornando-se possuidora de obrigações e direitos.
O Decreto número 3.708 de 1919 estabeleceu a limitação da responsabilidade dos sócios, por meio da criação da sociedade de responsabilidade limitada. Neste aspecto, a personalidade jurídica assemelha-se a um véu protetor do patrimônio dos sócios, cuja função é não permitir que possíveis problemas financeiros da empresa afetem os bens dos sócios.
A limitação da responsabilidade societária abriu precedentes para o abuso cometido por diversas empresas perante credores de boa-fé. Consequentemente, surge a desconsideração da personalidade jurídica. Inicialmente incorporada ao nosso ordenamento jurídico pelo artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, passando a ser regulamentada posteriormente pela Lei nº 8.884/1994 (Lei do CADE), em seu artigo 18; pela Lei nº 9.605/1998 e pelo artigo 50 do Código Civil de 2002, cujo objetivo é o de evitar exageros e prejuízos causados contra tais credores, tal instrumento surgiu para coibir os abusos societários.
A desconsideração poderá ocorrer em casos de desvio da finalidade empresarial, pela sua confusão patrimonial, podendo ser requerida pela parte adversa ou pelo Ministério Público, devendo ser decidida pelo Juiz, conforme preceitua o artigo 50 do Código Civil.
Atualmente, existe muita divergência acerca da desconsideração da personalidade jurídica nos grupos econômicos, especialmente no que concerne às dívidas tributárias. Nossa legislação pátria não possui uma definição específica do que é grupo econômico, estando a doutrina incumbida de tal fato, dificultando ainda mais a discussão sobre o tema ante as diversas opiniões antagônicas sobre o tema.
No Direito Tributário, a responsabilização das empresas integrantes do mesmo grupo econômico só possui respaldo legal na Lei nº 8.212/1991, em seu artigo 30, IX. Importante frisar que a referida lei – Lei de Custeio da Seguridade Social – determina a solidariedade quanto ao pagamento dos tributos contidos em seu escopo, como, por exemplo, a contribuição do segurado (art. 20), a contribuição previdenciária patronal (art. 22, I) e contribuição ao SAT (art. 22, I).
Há quem defenda a utilização dos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional em relação à responsabilização solidária do grupo econômico, pensamento incorreto, vez que o artigo 134 trata de casos específicos em que há o mesmo fato gerador para diferentes empresas do mesmo grupo, enquanto o artigo 135 trata apenas da responsabilização de pessoa física.
O próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ), inclusive, já decidiu acerca do assunto:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. EXECUÇÃO FISCAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. EMPRESAS PERTENCENTES AO MESMO CONGLOMERADO FINANCEIRO. SOLIDARIEDADE. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 124, I, DO CTN. NÃO-OCORRÊNCIA. DESPROVIMENTO. 1. “Na responsabilidade solidária de que cuida o art. 124, I, do CTN, não basta o fato de as empresas pertencerem ao mesmo grupo econômico, o que por si só, não tem o condão de provocar a solidariedade no pagamento de tributo devido por uma das empresas” (HARADA, Kiyoshi. “Responsabilidade tributária solidária por interesse comum na situação que constitua o fato gerador”). 2. Para se caracterizar responsabilidade solidária em matéria tributária entre duas empresas pertencentes ao mesmo conglomerado financeiro, é imprescindível que ambas realizem conjuntamente a situação configuradora do fato gerador, sendo irrelevante a mera participação no resultado dos eventuais lucros auferidos pela outra empresa coligada ou do mesmo grupo econômico. 3. Recurso especial desprovido. (RESP 834.044, Rel. Min. Denise Arruda, disponibilizado em 11 de novembro de 2008).
Em relação às contribuições previdenciárias contidas no artigo 8.212/91, o STJ tem sido contundente ao aceitar a aplicação do artigo 30 da referida lei, responsabilizando de forma solidária a cadeia de empresas existentes no grupo econômico. Entretanto, o órgão ainda não enfrentou questões sobre o tema envolvendo o quesito tributário desses grupos, sendo a desconsideração da pessoa jurídica somente permitida em casos de abuso, como os já citados anteriormente.
Atualmente, a aplicação do instituto se faz sem a apresentação de defesa por parte dos réus, evidenciando mais uma ilegalidade a despeito do tema. A decisão sem a oitiva da empresa ré é ilegal, vez que a Constituição Federal garante a todos os acusados o direito à ampla defesa (defender-se por todos os meios cabíveis no direito) e ao contraditório (rebater todos os atos imputados a si).
Novo Código de Processo Civil
O Novo Código de Processo Civil (NCPC, Lei nº 13.105/15) traz em seu conteúdo (art. 133 a 137) um capítulo específico à desconsideração da personalidade jurídica (Capítulo IV), contido no Título III (Intervenção de Terceiros), de forma a remediar o tema ora exposto. Determina o Novo Código de Processo Civil que a sociedade não mais possui qualidade de parte, sendo caracterizada como terceiro. Há, também, a previsão de que tal pedido poderá ser feito na Execução Fiscal, em sua petição inicial, sendo citado o sócio ou a pessoa jurídica. Caso não haja tal pedido na inicial, ele poderá ser feito em incidente processual, na Execução, suspendendo o curso desta até que tal incidente seja julgado. Ademais, não poderá haver decisão sem que seja facultada à acusada a apresentação de defesa pelo prazo de 15 dias.
Ante o exposto, conclui-se que a desconsideração da personalidade jurídica das empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, no que concerne à dívida tributária, possui aplicabilidade nebulosa, sendo apenas possível em casos de abuso e fraude ou em casos de dívida de contribuição previdenciária previstas na Lei de Custeio da Seguridade Social. O futuro próximo, entretanto, parece trazer a resposta a tais divergências, graças ao Novo Código de Processo Civil, que passa a tratar acerca do referido instituto, respeitando-se os direitos fundamentais, tal qual o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.
Guilherme Bebber
Trainee de Consultoria Tributária
BLB Auditores e Consultores