Neste artigo iremos abordar acerca do ressarcimento de PIS e Cofins sobre as vendas de cigarros com base no julgado do STF Tema 228, permeando as questões práticas do levantamento do crédito, bem como as controvérsias que surgiram após a decisão do STF. Este assunto é de interesse de varejistas de cigarros com volume significativo de vendas.
Síntese inicial
A questão do ressarcimento do tributo pago de forma antecipada (via substituição tributária) – que, na etapa final da comercialização, se concretiza em uma base inferior à estabelecida pela legislação – já é objeto de análise do ICMS há bastante tempo via pedido administrativo. Porém, para a mesma situação, quando os tributos são PIS e Cofins, o assunto se encontrava no limbo com restrições de se discutir o tema na seara administrativa.
O assunto do ressarcimento de PIS e Cofins chegou ao STF no final de 2009, visando à discussão do ressarcimento de produtos derivados do petróleo que eram tratados como substituição tributária, antes de passarem a ser monofásicos. A ação foi dotada de repercussão geral e, em 2020, a partir do Recurso Extraordinário (RE) 596.832 (Tema 228), de relatoria do ministro Marco Aurélio, foi proferida a decisão favorável ao contribuinte substituído (comerciante varejista/atacadista), firmando a seguinte tese:
É devida a restituição da diferença das contribuições para o Programa de Integração Social – PIS e para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins recolhidas a mais, no regime de substituição tributária, se a base de cálculo efetiva das operações for inferior à presumida. (grifo nosso)
Com a tese firmada pelo STF, o assunto, que até então era problemático, gerou segurança jurídica para os contribuintes buscarem o ressarcimento de PIS e Cofins quando sujeitos à substituição tributária e praticados com um preço de venda inferior à base de cálculo estabelecida pela legislação.
Na atualidade, existem poucos produtos que estão enquadrados na substituição tributária do PIS e da Cofins, visto que a maioria dos produtos que recolhem esses tributos em etapa única hoje está abarcada pelo sistema monofásico. Portanto, a principal – e, talvez, a única – hipótese para o pedido de ressarcimento é para as vendas de cigarros.
Substituição tributária do cigarro e valor do ressarcimento de PIS e Cofins
A substituição tributária tem previsão constitucional, conforme disposto no § 7º, art. 150 CF/88 e nos tributos que incidem sobre o consumo, e é um instrumento utilizado pelo sujeito ativo (União, estados e municípios) tanto para antecipar a arrecadação quanto para facilitar a fiscalização, isso porque concentra a tributação no primeiro sujeito passivo da cadeia, ao qual impõe uma base de cálculo presumida para o recolhimento dos tributos.
A presunção da base de cálculo pode ser atribuída por valor agregado (IVA) ou pelo preço praticado no mercado (pauta). Os demais contribuintes da cadeia estão dispensados do recolhimento da parcela dos tributos que seria cabível, pois o agente substituto (primeiro da cadeia) já cuidou do recolhimento para as demais etapas.
A previsão da substituição tributária para vendas de cigarros foi estabelecida nos dispositivos do art. 3º da Lei Complementar 70/1991 e do art. 62 da Lei 11.196/2005, a qual também pode ser consultada nos artigos 502 e 506 da Instrução Normativa 2.121/22.
O cálculo de PIS e Cofins ST, devidos pelos fabricantes e importadores de cigarros e cigarrilhas na condição de contribuinte substituto (dos comerciantes varejistas e atacadistas), é realizado multiplicando o preço de venda no varejo (ST calculada por pauta) pelos coeficientes 3,42 para PIS e 2,9169 para Cofins, conforme determinado no art. 503 da IN 2.121/2022:
Art. 503. Para fins de apuração da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins no regime de apuração cumulativa, devidas pelos fabricantes e importadores de cigarros e cigarrilhas na condição de contribuintes e de substitutos dos comerciantes varejistas e atacadistas, aplica-se ao preço de venda do produto no varejo multiplicado pela quantidade total de produtos vendidos, os seguintes coeficientes multiplicadores:
I – 3,42 (três inteiros e quarenta e dois centésimos) para a Contribuição para o PIS/Pasep; e
II – 2,9169 (dois inteiros e nove mil, cento e sessenta e nove décimos de milésimo) para a Cofins.
É importante destacar que a base de cálculo da substituição tributária do cigarro é definida por pauta, na qual o preço de varejo do cigarro foi atribuído. Ou seja, a base de cálculo do PIS e da Cofins é o preço do cigarro que está na prateleira, ao qual o consumidor final tem acesso, multiplicado pelo coeficiente estabelecido.
Com base no art. 16, § 2º da Lei 12.546/2011 e na Instrução Normativa 1.204/2011, os fabricantes e as distribuidoras de cigarro estão obrigados a divulgar o preço sugerido para a comercialização de cigarros. Inclusive, a título de consulta, tais preços podem ser acessados por meio deste link. Em suma, o valor divulgado pelas fabricantes é o mesmo que serve de base de cálculo para o recolhimento do PIS e da Cofins.
Dessa maneira, os varejistas que realizam a venda de cigarro ao consumidor final – como, por exemplo, supermercados, conveniências, bares e etc. – são, basicamente, quem têm o direito do ressarcimento de PIS e Cofins tratado neste artigo.
Em relação ao valor do ressarcimento sobre a venda de cigarro, o cálculo ocorre pela diferença da base do PIS e da Cofins destacada e recolhida pelo fabricante/distribuidor subtraído do valor de venda do varejista, como foi destacado no exemplo 2 que encontrará mais adiante. Como os cigarros estão no regime cumulativo, a alíquota aplicável é de 3% de Cofins e de 0,65% de PIS, independentemente se a empresa está inserida no Lucro Real ou no Simples Nacional.
Vale também enfatizar que é recomendável que o cálculo seja realizado em formato de movimentação de estoque, levando em consideração a base de cálculo utilizada pelos fornecedores. Essa metodologia permite a comprovação do valor a recuperar.
Para se ter uma estimativa, a cada R$ 1 milhão de vendas de cigarros, há um potencial de ressarcimento de R$ 73 mil de PIS e Cofins. Ademais, é possível fazer o levantamento do ressarcimento das vendas de cigarros dos últimos 5 anos, sendo que o valor pode ser corrigido pela Selic. O pedido é realizado de maneira administrativa, de modo que é habilitado um crédito tributário passível de compensação com outros tributos vincendos.
Não obstante, apesar de a jurisprudência ser favorável ao contribuinte, atualmente surgiu uma nova controvérsia sobre a possibilidade de ressarcimento como veremos a seguir.
Controvérsia sobre o assunto
Apesar de o STF ter julgado favorável a possibilidade de ressarcimento do PIS e da Cofins quando o preço de venda praticado for inferior à base de cálculo presumida, ainda há discussão por parte da Fazenda Nacional em relação a esse tema, conforme veremos a seguir.
Com a publicação do Acórdão do STF em novembro de 2020, a Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB) se pronunciou logo em seguida, por meio da Nota Cosit/Sutri/RFB nº 446/2020, em que, de maneira expressa, menciona a possibilidade de ressarcimento do PIS e da Cofins nas vendas de cigarros, vejamos:
13. Portanto, lastreando-se no artigo 150, § 7º, da Constituição Federal e tendo em vista que a substituição tributária ainda é atualmente aplicada no âmbito da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins em alguns outros setores econômicos, como motocicletas (art. 43 da MP 2.135-35/2001), cigarros (art. 3º da Lei Complementar nº 70/1991) e Zona Franca de Manaus (art. 65 da Lei nº 11.196/2005), apenas para esses casos (e não para os combustíveis derivados de petróleo), aplica-se a decisão com repercussão geral exarada pela Suprema Corte proferida no âmbito do RE 596.832/RJ. (grifo da SRFB)
Além disso, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), responsável por atuar nos processos de interesse da União, emitiu o Parecer SEI nº 2592/2021/ME, sob a égide de que, após a decisão do STF (Tema 228), a discussão sobre a possibilidade do ressarcimento de PIS e Cofins tinha encerrado favorável aos contribuintes. Logo, o parecer orienta seus agentes a não recorrer nas ações tributárias que, até então, estavam em discussão judicial.
A PGFN costumeiramente se utiliza desse instrumento de emissão de parecer, a fim de orientar a administração pública contenciosa alicerçada no pilar da economia processual. O parecer da PGFN estava alinhado com a nota da SRFB, tendo o contribuinte segurança jurídica total para ir buscar o ressarcimento do PIS e da Cofins dos últimos 5 anos.
Desde a publicação do julgamento do Recurso Extraordinário (Tema 228), inúmeras empresas protocolaram pedidos via processos administrativos, a fim de apropriarem-se do crédito permitido. Porém, o que era cristalino ganhou uma nova discussão jurídica específica em relação à hipótese de ressarcimento de PIS e Cofins do cigarro.
O Tribunal Regional Federal da 4º Região (TRF4), ao julgar um pedido de ressarcimento de PIS e Cofins pleiteado pela Associação Catarinense de Supermercado, trouxe uma interpretação que destoa do que foi proferido pelo STF, sob os seguintes fundamentos:
No caso dos autos – ao contrário do que tinha acontecido com os postos de gasolina – os comerciantes varejistas nada recolhem a título de PIS/COFINS com as vendas de cigarros, uma vez que a tributação, na verdade, está concentrada no fabricante, importador ou comerciante atacadista.
Na venda de cigarros, o comerciante varejista, na condição de substituído tributário, não tem legitimidade para postular a restituição do PIS/COFINS recolhido pelo substituto quando o preço de venda for inferior ao tabelado. (5010148-17.2021.4.04.7205-TRF4)
Pegando carona no acórdão supracitado, a PGFN cuidou de emitir a Nota SEI nº 21/2022, modificando o Parecer SEI nº 2592/2021/ME para incluir a seguinte informação: “a base de cálculo presumida para fins de comparabilidade do fato gerador é o preço de venda sugerido (pauta), e não o valor da base de cálculo multiplicada pelo coeficiente (3,42 e 2,9169)”. Dessa maneira, a dispensa de contestar foi atualizada para os seguintes dizeres:
No novo pronunciamento da PGFN, ela defende que a majoração da base de cálculo do cigarro pelos multiplicadores guarda relação com o caráter extrafiscal por ser um produto nocivo à saúde, e, portanto, não deve levar a base de cálculo majorada para fins de comparabilidade com o valor de venda praticado.
Desse modo, segundo o posicionamento do TRF4 e da PGFN, para fins da concessão do ressarcimento, o cálculo seria entre o preço da pauta (informado pelas indústrias) versus o preço de venda praticado pelos atacadistas/varejistas (conforme exemplo 1), e não o preço da base de cálculo majorada (pauta multiplicada pelos coeficientes) versus o preço praticado (conforme exemplo 2).
Com esse posicionamento, a PGFN tenta esvaziar o ressarcimento de PIS e Cofins. Assim, as únicas hipóteses para se recuperar os valores serão: quando o varejista vender um preço abaixo da pauta determinada pelo fornecedor (o que viola outra norma) ou em hipóteses nas quais for comprovada a não ocorrência do fato gerador futuro (furto, roubo ou destruição do bem, que não seja objeto de indenização), conforme citado no art. 506 da I.N. 2.121/2022.
O precedente (5010148-17.2021.4.04.7205-TRF4) utilizado pela PGFN para alterar o seu posicionamento foi analisado pelo STF por meio do RE 1430774, no qual a Ministra Rosa Weber negou o recurso por entender que o assunto “base de cálculo presumida para fins de ressarcimento” está na esfera infraconstitucional, portanto, fora da seara do STF.
Além desse julgado pelo STF, há o RE 1449859, também originado do TRF4, no qual será analisada a questão da legitimidade de qual contribuinte detém o direito de buscar o ressarcimento.
Assim, com o devido respeito aos argumentos da PGFN e TRF4, o elemento extrafiscal utilizado para destoar da base de cálculo presumida em relação à base de cálculo efetiva merece melhor apreciação. O que se tem visto na prática é que, ao desestimular o consumo de produtos nocivos, a extrafiscalidade tem agido na forma de aumento da alíquota, e não da base de cálculo, como, por exemplo, os 300% de alíquota de IPI ou os 30% de alíquota de ICMS em SP, ambos sobre o cigarro.
E contrapondo o argumento de que os varejistas não detêm legitimidade de buscar a repetição dos valores, isso nos parece impraticável, uma vez que se torna uma prova diabólica o distribuidor saber que o varejista praticou um valor menor do que o preço sugerido. Em paralelo, obviamente, se isso fosse verdade, não seria possível o pleito de ressarcimento do ICMS, o qual já foi regulamentado pelos estados (como, por exemplo, a Portaria CAT 42/2018).
À vista da jurisprudência formada no STF e dos elementos jurídicos da substituição tributária, o contribuinte não pode ter seu direito de ressarcimento prejudicado por um entendimento arbitrário. Por hora, esse assunto no TRF4 não é favorável ao contribuinte, levando em consideração um argumento frágil. Nas demais regiões, apenas o TRF3 (5004990-44.2021.4.03.6126) examinou esse assunto uma única vez, também posicionando-se desfavorável ao contribuinte.
Nesse processo do TRF3, o contribuinte já submeteu a questão do ressarcimento do PIS e da Cofins sobre a venda de cigarro para apreciação do STJ e espera-se que o Tribunal Superior seja coerente com o instituto da substituição tributária no que se refere à base de cálculo presumida exacerbada e resolva a lide permitindo o crédito.
Por fim, ainda que controverso, este assunto é muito importante e, enquanto não se consolida na esfera judicial, entendemos que o contribuinte deve, sim, buscar o seu direito, devendo adotar a medida judicial cabível para resguardar o seu crédito, inclusive com a possibilidade de recuperar os últimos 5 anos.
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Autoria de Leonardo Pirani e revisão de Paulo Martesi
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