Em outro artigo publicado aqui no BLB Blog, foram delineados os aspectos básicos de uma combinação de negócios – regulados pelo CPC 15/IFRS 3. Conforme explicado, uma combinação de negócios abrange diferentes operações, por exemplo: incorporação, fusão, cisão e participação societária.
Dentre essas, uma opção interessante e viável de investimento é a participação societária em outras entidades.
No Brasil, uma forma comum de constituir investimentos em outras sociedades se dá por meio da constituição de holdings com vista a proteger o patrimônio da investidora de alguns riscos patrimoniais e/ou tributários. Por outro lado, algumas entidades optam por realizar esse investimento diretamente – sem constituir outra pessoa jurídica.
São diversas opções que precisam ser estudadas caso a caso, considerando os aspectos legais, tributários, contábeis e econômicos, a fim de se obter a melhor decisão possível.
De qualquer forma, conhecer o tratamento ofertado às participações societárias no direito pátrio e na contabilidade é essencial para boa tomada de decisão.
Aspectos legais e contábeis
A Lei 6.404/76, alterada pelas Leis 11.638/07 e 11.941/09, estabelece alguns importantes métodos de avaliação dos investimentos.
A norma introduz critérios contábeis de avaliação de investimentos, desdobrando o entendimento e a análise, no que tange às participações societárias, em dois principais métodos:
- Método de Equivalência Patrimonial (MEP), adotado para os investimentos que sejam em coligadas ou controladas (ou controle comum);
- Método de Custo, para as participações menos significativas. Embora haja exceções específicas, esses dois métodos são as principais bases de avaliação das participações societárias.
O Método de Custo consiste em reconhecer o investimento pelo valor da transação, ou seja, pelo custo de aquisição constante em documento que comprove o ingresso do investimento, acrescido dos demais encargos.
Nesse método, as perdas ocorridas no patrimônio da investida não repercutem diretamente na investidora, salvo nos casos de perda de difícil recuperação ou perda irrecuperável – já que a investida será avaliada pelo custo ou valor realizável, o que for inferior. Por outro lado, a ascensão patrimonial também não será reconhecida no patrimônio da investidora, salvo na distribuição de dividendos.
O Método de Equivalência Patrimonial consiste em reconhecer o investimento pelo custo, e o seu valor contábil será aumentado ou diminuído pelo reconhecimento da participação do investidor nos lucros ou prejuízos do período, gerados pela investida após a aquisição.
A participação do investidor no lucro ou prejuízo do período da investida deve ser reconhecida no resultado do período do investidor. Em outras palavras, as alterações no patrimônio da investida refletem, em regra, diretamente no patrimônio da investidora.
O MEP é aplicado nos casos em que o investimento em outra sociedade configure uma controlada, coligada ou controle em conjunto. Nos demais casos, ressalvadas devidas exceções, aplica-se o método de custo.
Obviamente, o método de equivalência patrimonial é muito mais complexo e exige tratamento específico, sendo assim, os investimentos que estejam sujeitos a esse método (essencialmente, coligadas e controladas) devem obrigatoriamente observar as disposições das normas CPC 15/IFRS 3, CPC 18/IAS 28 e CPC 36/IFRS 10.
O que é uma controlada conforme o CPC 18/IAS 28?
Embora o CPC 18 não defina o que são controladas, considera-se a sociedade na qual a controladora, diretamente ou por meio de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.
O investidor controla a investida se, e somente se, possuir todos os atributos seguintes:
- Poder sobre a investida;
- Exposição a, ou direitos sobre, retornos variáveis decorrentes de seu envolvimento com a investida; e
- A capacidade de utilizar seu poder sobre a investida para afetar o valor de seus retornos.
É preciso explicar que o termo “poder” aqui empregado simboliza direitos existentes que dão a capacidade atual de dirigir as atividades relevantes (que são atividades da investida que afetam significativamente seus retornos).
O que é uma coligada?
Coligada é a entidade sobre a qual o investidor tem influência significativa, mas não suficientemente para gerar uma obtenção de controle.
Por sua vez, influência significativa é o poder de participar das decisões sobre políticas financeiras e operacionais de uma investida, mas sem que haja o controle individual ou conjunto dessas políticas.
A norma contábil estabelece uma simplificação na aplicação do conceito de influência, estabelecendo que:
- Se o investidor mantém direta ou indiretamente (por meio de controladas, por exemplo), vinte por cento ou mais do poder de voto da investida, presume-se que ele tenha influência significativa, a menos que possa ser claramente demonstrado o contrário.
- Se o investidor detém, direta ou indiretamente (por meio de controladas, por exemplo), menos de vinte por cento do poder de voto da investida, presume-se que ele não tenha influência significativa, a menos que essa influência possa ser claramente demonstrada.
Observa-se que tais presunções são relativas, não absolutas. Ademais, devem ser observadas em conjunto com outras evidências:
- Representação no conselho de administração ou na diretoria da investida;
- Participação nos processos de elaboração de políticas, inclusive em decisões sobre dividendos e outras distribuições;
- Operações materiais entre o investidor e a investida;
- Intercâmbio de diretores ou gerentes;
- Fornecimento de informação técnica essencial.
Existe diferença entre participação e direito de voto?
O direito de voto é fator essencial para definição de uma controlada ou coligada – embora não seja o único fator a ser considerado, ou seja, em casos excepcionais pode haver controle mesmo não havendo direito a voto. Feita a ressalva, não se pode desconsiderar que o percentual de direito de voto sobre a investida continua sendo o fator mais relevante e objetivo a ser considerado.
Um ponto essencial, e que gera algumas dúvidas no tratamento das participações societárias, é a distinção entre os termos “participação” e “direito de voto”. Apesar dos conceitos serem simples, diferenciá-los na prática pode ser uma tarefa confusa para profissionais que não atuem regularmente com essas operações.
Inicialmente, fugindo um pouco da contabilidade e considerando o direito empresarial, é preciso que seja compreendido que, em regra, uma entidade é constituída por dois tipos de ações: Ações Ordinárias e Ações Preferenciais.
A primeira garante o direito ao voto, enquanto que a segunda a prioridade no recebimento do dividendo. As ações ordinárias precisam corresponder no mínimo a 50% das ações da entidade, salvo casos específicos em lei, conforme determina o artigo 15, da Lei 6.404/76.
Para fins de análise de controle, o que nos interessa é a quantidade de ações ordinárias que a investidora tem sobre a investida, sendo em tese irrelevantes nesse contexto as ações preferenciais. Essa é a primeira distinção entre o direito de voto e a participação societária.
Então, por exemplo, se uma entidade é constituída com 50% de ações ordinárias e 50% das ações preferenciais, caso a investidora adquira 26% das ações ordinárias ter-se-á constituída uma controlada – em outras palavras: a investidora terá 26% de participação societária, mas 52% de direito de voto (controle).
Outra distinção é na forma de cálculo. O cálculo da participação é proporcional, enquanto que o cálculo do controle é total. Essa distinção é mais facilmente compreendida com um exemplo prático de uma hipotética estrutura societária (considere que todas as ações são ordinárias e não há terceiros investidores – ou seja, as ações residuais pertencem à própria Cia.):
Qual a diferença entre participação e controle?
A Cia. Firmamento possui 20% das ações da Cia. Netuno. Mas também tem 90% das ações da Cia. Sol, que por sua vez possui 70% das ações da Cia. Netuno. A Cia. Firmamento também possui 30% das ações da Cia. Ceres, que possui 5% das ações da Cia. Netuno. Assim, a participação total da Cia. Firmamento na Cia. Netuno é data por:
Participação = 20% + (90% x 70%) + (30% x 5%)
Participação = 20% + 63% + 1,5%
Participação = 84,5%
Logo, se a Cia. Netuno dedicasse R$ 100.000 de lucro a serem distribuídos, a Cia. Firmamento teria direito de forma direta e indireta a R$ 84.500.
No entanto, para fins de análise de controle não se pode focar na participação, mas sim na condição que a investidora tem de utilizar este controle.
Ora, supondo que a Cia. Netuno submeta uma deliberação social de alteração estatutária para votação em assembleia geral. Não pode a Cia. Sol proporcionalizar suas ações de forma a destiná-las a votos diferentes, pelo contrário, a Cia. Sol ao votar deve aplicar todas suas ações (70%) dizendo que concorda ou todas suas ações (70%) dizendo que não concorda.
Dessa forma, é possível observar que a Cia. Firmamento tem 20% de direito de voto na Cia. Netuno, mas também tem 90% de direito de voto na Cia. Sol (que por sua vez tem 70% da Cia. Netuno). Ora, se ela tem 90% do direito de voto da Sol, em eventual deliberação social na Cia. Netuno, ela é quem vai decidir qual será o voto da Cia. Sol nessa deliberação.
Portanto, diferentemente da participação (em que a firmamento teria 90% de 70%), no controle ela atua com a totalidade dos 70%. O inverso também é verdade, logo, ela não teria participação suficiente para definir o voto da Cia. Ceres (por ter apenas 30%), então os 5% de direito de voto da Cia. Ceres não pode ser considerado pela Cia. Firmamento.
Controle = 20% + 70%
Controle = 90%
Vejamos que houve uma diferença entre o percentual de controle e percentual de participação. No exemplo, para fins de análise de controle, não haveria um tratamento diversificado já que em ambos os casos houve um percentual acima de 50%, entretanto, dependendo da estrutura societária, poderia ocorrer uma participação inferior a 50% mas um direito de voto superior.
Meu investimento é uma controlada ou coligada?
Se o investimento de uma entidade cumpre os requisitos estabelecidos no presente artigo, considerando a correta fórmula de cálculo acima demonstrada, então a investidora terá de contabilizar seu investimento pelo Método de Equivalência Patrimonial, não podendo reconhecê-lo pelo Método de Custo, salvo deliberação específica em contrário.
Contudo, há importante ressalva no CPC 18: estabelece que mesmo a entidade cumprindo os requisitos para considerar um investimento como controlada ou coligada, poderá optar por aplicar o Método de Custo. A exceção poderá ser considerada em dois principais casos:
- Nos planos de benefícios pós-emprego ou outros planos de benefícios de longo prazo a empregados aos quais se aplica o CPC 33 – Benefícios a Empregados; ou
- Se todos os seguintes itens forem observados:
2.1 A entidade é controlada (integral ou parcial) de outra entidade, a qual, em conjunto com os demais acionistas ou sócios, incluindo aqueles sem direito a voto, foram informados a respeito e não fizeram objeção quanto à não aplicação do método da equivalência patrimonial;
2.2 Os instrumentos de dívida ou patrimoniais da entidade não são negociados publicamente (bolsas de valores domésticas ou estrangeiras ou mercado de balcão, incluindo mercados locais e regionais);
2.3 A entidade não arquivou e não está em processo de arquivamento de suas demonstrações contábeis na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou outro órgão regulador, visando à emissão e/ou distribuição pública de qualquer tipo ou classe de instrumentos no mercado de capitais; e
2.4 A controladora final ou qualquer controladora intermediária da entidade disponibiliza ao público suas demonstrações contábeis consolidadas.
2.5 A controladora final ou qualquer controladora intermediária da entidade disponibiliza ao público suas demonstrações contábeis, em que as controladas são consolidadas ou são mensurados ao valor justo por meio do resultado.
Portanto, caso a entidade tenha um investimento que configure uma controlada ou coligada e não se enquadre nas exceções, restará obrigada a reconhecer os investimentos pelo método de equivalência patrimonial.
Neste outro artigo, é detalhada a forma de contabilização dos investimentos sujeitos ao Método de Equivalência Patrimonial, bem como, os critérios de reconhecimento das alterações ocorridas no patrimônio da investida pela investidora.
Como a BLB pode me ajudar?
A BLB Auditores e Consultores possui uma sólida divisão de serviços na área de Consultoria Societária e Patrimonial. Investir é sempre uma boa opção, mas é preciso investir da forma correta, maximizando os ganhos e diminuindo os riscos.
Definir bons investimentos é apenas uma etapa de um bom investimento. É preciso também considerar outros fatores que ultrapassam o conhecimento econômico: quais os riscos fiscais, contábeis e legais para a minha empresa como investidor? Como posso proteger meu patrimônio de eventuais riscos ou perdas? Como fazer um Valuation adequado?
A equipe de Consultoria Societária e Patrimonial tem a resposta correta para cada uma dessas perguntas. Além disso, a BLB atua em projetos de análise de cisão, fusão, incorporação, inclusive, no planejamento societário por meio da criação de holdings.
Caso tenha alguma dúvida, entre em contato conosco.
Gabriel Tavares
Graduado em Direito pelas Faculdades COC, pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).
Saiba mais sobre as normas CPC 15 e CPC 18:
– Combinação de negócios sob a ótica contábil do CPC 15 e da IFRS 3
– Reconhecimento inicial do investimento em outras sociedades
– Impactos no resultado decorrentes de investimentos em outras sociedades