Na terça-feira, 27/02/2024, o governo anunciou uma decisão que pode causar um impacto significativo no cenário político-econômico brasileiro. O presidente Lula revogou o trecho da Medida Provisória nº 1.202/2023 que cessava a desoneração da folha de pagamento para determinados segmentos da indústria e de prestação de serviços, beneficiando, assim, 17 setores da economia, sendo eles:
- confecção e vestuário;
- calçados;
- construção civil;
- call center;
- comunicação;
- construção e obras de infraestrutura;
- couro;
- fabricação de veículos e carroçarias;
- máquinas e equipamentos;
- proteína animal;
- têxtil;
- tecnologia da informação (TI);
- tecnologia da informação e comunicação (TIC);
- projeto de circuitos integrados;
- transporte metroferroviário de passageiros;
- transporte rodoviário coletivo;
- transporte rodoviário de cargas.
O que é a desoneração da folha de pagamento?
A desoneração da folha de pagamento, ou Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), foi instituída em 2011 pela Lei nº 12.546, daquele mesmo ano, e passou a vigorar em 2012. O principal objetivo dessa medida era tirar o encargo tributário da folha de pagamento, que gira em torno de 20%, a fim de estimular a contratação de funcionários e o aumento do trabalho formal. Em contrapartida, as empresas pagariam a contribuição previdenciária sobre a receita bruta, em percentual menor e estabelecido pela lei supramencionada, a depender da atividade exercida pela empresa.
Muitos setores foram beneficiados com essa resolução, visto que, em algumas situações, a contribuição previdenciária sobre a folha de salários se tornava mais onerosa do que o pequeno percentual sobre o total do faturamento. Além disso, a contribuição previdenciária acompanhava o faturamento da empresa, o que reduzia os custos no período de baixa produção, evitando, assim, a demissão de funcionários.
Desde que foi integrada ao ordenamento jurídico, a desoneração da folha de pagamento sofreu diversas alterações. Até novembro de 2015, ela era obrigatória para os setores específicos mencionados na legislação. Já a partir de dezembro desse mesmo ano, tornou-se opcional, cabendo a cada empresa avaliar a sua aplicação e benesse.
De 2015 até o presente momento, muitos projetos de lei foram redigidos com o objetivo de revogar a desoneração da folha, visando amenizar as contas públicas. Isso foi motivo de muita turbulência e alvoroço nos setores que eram, e ainda são beneficiados com o sistema. Devido à importância que a CPRB representa para as médias e grandes empresas, os parlamentares vêm resistindo às tentativas de revogação.
A título de exemplo, a seguir demonstramos números hipotéticos de como a desoneração pode ser vantajosa para uma empresa.
Exemplo
Usaremos como exemplo uma fabricante fictícia de tubos e perfis de ferro fundido, cuja NCM é 7303.00.00 – que está entre as possibilidades trazidas pela lei –, sendo que a alíquota a ser aplicada sobre a receita bruta é de 2,5% e a contribuição previdenciária patronal é de 20%.
A empresa acima, que hipoteticamente possui a folha de pagamento no valor total de R$ 1.000.000, pagaria R$ 200.000 a título de contribuição previdenciária patronal, que corresponde a 20%, caso estivesse submetida a esse regime de recolhimento. Optando pela sistemática da CPRB, ao auferir a receita de R$ 7.000.000, por exemplo, pagaria o montante de R$ 175.000 referente à contribuição previdenciária substitutiva, o que significa uma economia de R$ 25.000 no período.
Em comparação com o ilustrado acima, há setores que são muito mais beneficiados, com alíquotas da CPRB reduzidas a 1%. Além disso, empresas exportadoras também podem ser bastante beneficiadas, visto que receitas de exportação não constituem base de cálculo da CPRB.
Outro fator relevante é a previsibilidade e a segurança proporcionados pela CPRB, pois o valor do tributo pago está vinculado à venda do produto/serviço. Logo, as empresas podem incluir o valor diretamente no markup do produto e no ciclo financeiro de maneira objetiva, ao contrário do custo com a folha de pagamento, que se torna um custo fixo, independentemente das vendas.
Certamente, há outros fatores em relação às duas sistemáticas de recolhimento de tributos previdenciários, contudo, esse não é objeto deste artigo.
Mas o que houve, então, ao final do ano de 2023 e o início do ano de 2024?
Medida Provisória nº 1.202/2023
Ao final do ano de 2023, a desoneração da folha foi prorrogada até 31/12/2027, pela Lei nº 14.784/2023 (resultado da derrubada do veto presidencial pelo Congresso). Contudo, logo em seguida o ministro da Fazenda, com o objetivo de aumentar a arrecadação e diminuir o déficit público, mais uma vez editou essa medida provisória, revogando os artigos 7 ao 10 da Lei nº 12.546/2011, com efeitos a partir de 01/04/2024, o que acabaria com a desoneração da folha a partir da referida data. Ainda, a mesma MP nº 1.202/2023 propôs retorno gradual da oneração sobre a folha de pagamento, entre outras medidas, com o objetivo de elevar a arrecadação.
Entenda melhor a reoneração gradual
Certamente, o governo tentou um meio termo visando superar a vedação do Congresso Nacional e propôs uma nova forma de arrecadação previdenciária, sobre a qual discorreremos a seguir. Foram elencados dois anexos contendo diversas atividades circunscritas na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), cada um com a sua faixa de reoneração e as seguintes alíquotas:
I – Para as empresas que exercem as atividades relacionadas no Anexo I, mediante a aplicação das alíquotas de:
- dez por cento (10%) em 2024;
- doze inteiros e cinco décimos por cento (12,5%) em 2025;
- quinze por cento (15%) em 2026;
- dezessete inteiros e cinco décimos por cento (17,5%) em 2027;
II – Para as empresas que exercem as atividades relacionadas no Anexo II, mediante a aplicação das alíquotas de:
- quinze por cento (15%) em 2024;
- dezesseis inteiros e vinte e cinco centésimos por cento (16,25%) em 2025;
- dezessete inteiros e cinco décimos por cento (17,5%) em 2026;
- dezoito inteiros e setenta e cinco centésimos por cento (18,75%) em 2027.
A referida alíquota faz menção ao INSS patronal previsto no art. 22, inciso I da Lei nº 8.212/91, e tem como base de cálculo o salário de contribuição do segurado até o valor de um salário-mínimo, aplicando-se as alíquotas vigentes até então na legislação da contribuição previdenciária patronal (20%) ao montante que exceder esse limite.
Reoneração revogada e CPRB mantida: MP nº 1.208/2024
Assim como no passado, a decisão de extinguir a CPRB não foi bem vista por determinados setores da economia, que, segundo dados do próprio Senado Federal, são os que mais empregam no país. O resultado disso foi a revogação parcial da MP nº 1.202/2023, cujo texto foi assinado na noite de terça-feira, dia 27/02/2024, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a publicação da Medida Provisória nº 1.208/2024, em 28/02/2024, que determina a revogação dos dispositivos que tratavam da reoneração gradativa e dos artigos que revogavam a CPRB, in legis:
“MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.208/2024
(…)
Art. 1º Ficam revogados os seguintes dispositivos da Medida Provisória nº 1.202, de 28 de dezembro de 2023:
I – os art. 1º a art. 3º;
II – as alíneas “b”, “c” e “d” do inciso II do caput do art. 6º; eIII – os Anexos I e II.
Art. 2º Esta Medida Provisória entra em vigor em 1º de abril de 2024.”
Conclusão
Para este ano, a expectativa é de que a CPRB seja mantida, devido à revogação do dispositivo que a suprimia. Porém, especula-se que o governo ainda pretende abordar a reoneração gradativa supramencionada em um projeto de lei com urgência constitucional.
Se você quiser saber mais sobre o assunto, a equipe especializada em Consultoria Tributária da BLB está pronta para ajudar. Entre em contato conosco!
Autoria de Alessandra Cardoso e revisão de Paulo Martesi
Consultoria Tributária
BLB Auditores e Consultores